Hoje, escrevo com o coração. Este artigo fantástico do Eduardo Sá, inspirou-me. Não escrevo, em boa verdade, sobre o meu pai, sobre a família ou sobre memórias, boas ou más – mas sobre valores e princípios, e provavelmente tão familiares a tantos que agora mesmo me lêem.

No meu caso, em especial, os valores foram transmitidos essencialmente pela figura paterna, sempre presente – apesar de ser a mais ausente fisicamente, mas que tão bem soube conquistar o respeito e enraizar os valores certos.

Tiro-lhe o chapéu – à sua forma de estar e à sua postura, sempre irrepreensíveis e consensuais entre todos quantos o conheceram e conhecem.

Aprendi tanto com o meu pai. E na verdade, prefiro mostrar o que aprendi, falando mais dele do que de mim.

Se eu valho alguma coisa, em boa parte se deve à minha educação de berço, em primeiro lugar, e depois, a todos os que constituem essa manta de retalhos que é a herança individual de quem passa por nós, passando depois a sermos um coletivo – e, claro, ao meu esforço, luta, persistência e ambição.

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Se falasse dos meus valores sem falar do meu pai, seria absoluta vaidade e petulância. Pelo contrário, é reconhecimento e gratidão pelo chão que piso e a vida que me “calhou na rifa”.

O meu pai é um homem de poucas palavras, mas de palavras acertadas e repletas de sentido. O meu pai não é pessoa de tretas, de rodeios ou de mexericos.

Não tem tempo nem pachorra para banalidades, não-assuntos ou conversas de circunstância. É um homem de pensamento profundo, mas de gostos extremamente simples.

É disponível e está sempre pronto para ajudar. Sempre leu muito. É apaixonado por Camilo Castelo Branco e Eça de Queiroz. É um colecionador de livros em papel bíblia da Livraria Lello, medalhas, alfinetes (emblemas), moedas raras, relógios especiais e de alta qualidade. É apaixonado por fado e também aprecia bandas sonoras, música clássica e é fã do Leonard Cohen.

Tenho comigo muitas “expressões” marcantes do meu Pai, mas essencialmente:

– “Amanhã é um novo dia. Nunca te esqueças disso. Começa de novo. Se errares, a seguir nascerá também um novo dia para seres uma melhor versão de ti mesma.”

O meu pai sempre tratou bem as pessoas, sempre gostou de as tratar pelo nome, de as conhecer e de ouvir as suas histórias de vida. Sempre soube ser grato e reconhecer quem lhe quer bem.

Nunca o vi gabar-se, nem bajular ninguém. Ético, transparente e 100% justo, o meu Pai sempre foi líder pelo seu exemplo silencioso.

“Elegância está no trato, não nas coisas que temos”, diz, desde sempre.

Sempre o ouvi dizer que “o autarca é a malha mais fina da democracia”, pois, pela proximidade das pessoas, é o que sente o pulsar do povo e que ausculta de forma mais íntima as preocupações de tudo, procurando servir sempre com máxima dignidade.

Quando está mais melindrado, é quando fica mais calado, ao invés de levantar a voz ou discutir. Nunca ouvi o meu pai dizer um palavrão nem insultar ninguém.

Respeita todos, mesmo os que poderão eventualmente estar contra si e sempre preferiu elogiar do que ser elogiado.

Nunca quis que eu me envaidecesse ou que me contentasse com coisa pouca de forma banal ou frívola, desde que eu era criança.

Sempre me mostrou, através do seu exemplo silencioso e sem precisar de palavras, que o caminho certo é o da humildade, da bondade, da generosidade e da simplicidade.

Repete, vezes sem conta: “Se um dia perdêssemos tudo, mas tivéssemos o essencial para viver confortavelmente, com saúde e de bem uns com os outros, estaríamos sempre felizes. As pessoas é que complicam sempre muito e acham que o dinheiro é tudo.” Não poderia estar mais certo.

O meu pai sempre soube transmitir o quanto é necessário respeitar o outro para se ser respeitado; e apesar de a sua presença intimidar os presentes, só pelo simples “bater” do sapato, tão característico do meu pai, anunciando a sua entrada nos corredores e gabinetes, o meu pai nunca usou o poder para intimidar ninguém e sempre tratou todas as pessoas, essencialmente como pessoas, da mesma forma, independentemente de se tratarem ou não de pessoas que lhe poderiam trazer benefício.

Com o meu pai aprendi que nenhum caminho é feito em progressão linear e o quão importante é ter-se amor ao que se faz, ser-se humilde e ter-se muita vontade para enfrentar os desafios: e, lado a lado com os nossos, mostrar que os queremos abraçar e entender as oportunidades como formas de crescimento, sempre com uma ambição saudável.

O meu pai sempre teve essa ambição saudável, sem nunca passar por cima de ninguém, sem deixar ninguém para trás.

O meu pai sabe muito bem estabelecer uma relação entre as palavras e as emoções, porque as palavras têm carga afetiva e as emoções geram comportamentos, e o meu pai sabe muito bem o quanto uma “simples” palavra pode estragar uma relação para sempre ou ser o catalisador para novas e duradouras relações fortes com base na confiança e verdade.

O meu pai sabe perdoar e sabe pedir desculpa e simplesmente vive de forma absolutamente genuína, sem lhe interessar minimamente a opinião dos outros.

Olha sempre frontalmente nos olhos de todos quantos conversam e dialogam consigo, tem um aperto de mão firme que transmite confiança e disponibilidade.

É coerente e cortês; e sabe perfeitamente quando ficar, mas também quando sair.

Não vive preso a aparências nem à ilusão do show-off das redes sociais, das quais nem quer mesmo saber.

Não se compara nem inveja ninguém e gosta de ver todas as pessoas bem sucedidas.

Nunca vendeu uma falsa imagem de si e não suporta que maldigam sobre os outros na sua presença, mesmo que seja de pessoas com as quais nem simpatiza tanto.

O meu pai assume todos os seus handicaps e ainda faz humor com isso, seguindo absolutamente despreocupado com o que possam dizer.

Apesar do aspeto austero, o meu pai é doce, meigo, vulnerável e tolerante, porque além de tudo isso, aquele tom de “gaba-te cesta” é coisa que não suporta nem pratica, de forma alguma.

Se o meu pai cometeu erros? Muitos! Admite-os com a convicção plena de que falhar é o apanágio de quem tenta e de quem faz e executa.

Com o meu pai, aprendi que quem permanece na inércia e não se desafia a sair da sua zona de conforto, provocando-se a si mesmo diariamente a ser melhor, continuamente, nunca conhecerá as dores de crescimento de se cair e de se falhar como parte integrante de se sair vencedor e do sucesso. Só assim, conseguimos conquistar os nossos objetivos, mesmo que com baby steps.

É graças à minha educação e infância feliz que só consigo acreditar na bondade das pessoas, e sei que em todo o adulto de mal consigo próprio, há certamente uma “criança em conflito” e uma “infância por resolver”.

Este texto é uma ode à luz que nos guia desde crianças e que nos abençoa com a educação de berço, fazendo de nós adultos com as pazes feitas connosco próprios, capazes de amar, de relativizar, de comparar positivamente, de melhorar continuamente, de elevar o outro construtivamente, e é também uma ode aos maus exemplos que vão cruzando os nossos caminhos e nos vão mostrando o que não devemos ser e fazer, que caminhos não devemos prosseguir.