O resultado dos avanços tecnológicos e da automação na aviação, bem como a conjugação destes com a carga de trabalho dos pilotos, os fatores humanos e a capacidade dos sistemas dos aviões, tem levado a que várias agências de regulação aérea incluindo a europeia (EASA), a americana (FAA) e outros stakeholders da aviação, considerem a possibilidade de reduzir o número de pilotos no cockpit de dois para um e, eventualmente num futuro mais longínquo, para nenhum.

Esta discussão não decorre de qualquer problema relacionado com a segurança de voo, na medida em que se vivem neste momento resultados absolutamente históricos neste capítulo. Anos após ano temos assistido a melhorias significativas na segurança e atualmente a probabilidade de haver um acidente ao entrarmos num avião é de 0,000000794. Em 2023, não obstante a quantidade de voos existente, que rondaram os 40 milhões, não se registou nenhum acidente envolvendo aviões a jato.

A discussão centra-se assim, e de forma legítima, em fatores económicos e outros relacionados com a escassez de pilotos.

No passado, um cockpit incluía dois pilotos, um engenheiro de bordo, um navegador e um operador de rádio. Cinco pessoas no total. Atualmente, as operações com dois tripulantes são uma prática comum na aviação comercial, com comandante e o copiloto a assumirem os papéis de piloto voador (PF – Pilot Flying) e piloto de monitorização (PM – Pilot Monitoring). Parece simples, mas as tarefas são extensas. O PF é responsável por pilotar a aeronave, gerir a trajetória do voo e delegar tarefas no PM. O PM monitoriza a trajetória do voo e os sistemas da aeronave, trata da comunicação por rádio e apoia o PF, lê em voz alta checklists, alerta para desvios à trajetória ideal e executa as instruções do PF. Estes papéis de PF e PM podem ser trocados entre o comandante e copiloto durante o voo ou a seguir a cada trajeto.

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Convém, a este propósito, relembrar a celebre história do cavalo do inglês a quem todos os dias o dono retirava uma porção de ração e que um dia morreu quando, segundo o mesmo dono, já estava habituado a não comer.

Na verdade, uma das razões para a proposta de redução para apenas um piloto está relacionada com a verificação de uma baixa carga de trabalho na fase de voo de cruzeiro, onde porventura não serão necessários dois pilotos no cockpit. Se isso é verdade, não é menos verdade que a carga de trabalho aumenta significativamente em áreas terminais e que 49% dos acidentes fatais  acontecem nas fases de aproximação e aterragem.

A discussão deve ser por isso centrada em aspetos relacionados com a segurança de voo, os fatores humanos, a psicologia, as questões comerciais e as vantagens competitivas.

Vários estudos debruçaram-se sobre o decréscimo da capacidade de monitorização dos pilotos quando submetidos a um ambiente de piloto único (SPO – Single Pilot Operations). Mas talvez o mais completo seja o elaborado pelo German Aerospace Center. Neste, são levantados problemas na operação com piloto único (SPO), especialmente durante fases de alta carga de trabalho, resultantes de mau tempo ou eventos anormais, como falhas de sistemas. Neste estudo comprova-se que o tempo dedicado à monitorização dos instrumentos primários diminui consideravelmente em SPO, seja em voo normal, com turbulência ou com falhas de sistemas. Ao mesmo tempo, verificou-se que o tempo dedicado à visualização do dispositivo centralizado de monitorização do avião (ECAM), aumentou significativamente em emergências e que esta monitorização “excessiva” do ECAM, essencial para a resolução de avarias, foi feita em detrimento de outros instrumentos primários.

De igual modo, é consensual que os problemas psicológicos são transversais a todas as profissões e todos recordam o acidente da German Wings onde um copiloto com tendências suicidas conhecidas pelo seu médico, pouco tempo depois de atingir a altitude de cruzeiro e enquanto o comandante estava fora do cockpit, trancou a porta e iniciou uma descida controlada que continuou até a aeronave colidir com uma montanha, matando 150 pessoas. A deteção de problemas psicológicos é difícil porque existe um estigma significativo associado a problemas de saúde mental na aviação. Muitos pilotos podem não reconhecer os sinais de problemas psicológicos, interpretando sintomas de stress ou ansiedade como normais e os exames são altamente falíveis, principalmente se o piloto não apresentar queixas. Por outro lado, a Organização Mundial de Saúde indica que aproximadamente 4% da população mundial sofra de ansiedade e que nos Estados Unidos aproximadamente 20% da população tenha pelo menos um episódio de ansiedade durante um ano. É fácil assim perceber que o simples facto de um piloto se sentar sozinho num cockpit, sendo responsável por centenas de pessoas na parte de trás do avião, tenha efeitos diferentes em pessoas diferentes.

O argumento económico não é totalmente viável e a adoção de piloto único também não deverá mitigar a escassez de pilotos. Por um lado o piloto será mais caro e, por outro, a profissão tornar-se-á desinteressante, repetitiva e solitária, o que com certeza afastará muitos jovens da aviação. Não existe também nenhuma vantagem competitiva que beneficie uma ou outra companhia aérea, na medida em que a indústria funciona de forma global e com a cadência normal todos os operadores, mais ou menos ao mesmo ritmo, adotariam este modelo pressionados pela indústria.

Outra solução seriam aviões comerciais de passageiros não tripulados. No entanto, esta apresenta dois problemas sérios: o primeiro está relacionado com o aspeto comercial, na medida em que vários inquéritos revelam que uma percentagem significativa dos passageiros, por questões de perceção de segurança, confiança na tecnologia, ou fatores culturais, prefere não voar em aeronaves que não tenham um piloto humano. O segundo está relacionado com a falibilidade de todos os sistemas informáticos à intrusão de hackers que, no limite, poderia transformar aviões em bombas.

Não sendo possível a solução de aviões não tripulados e não havendo questões de segurança de voo associadas à configuração atual de dois pilotos, parece que a solução de apenas um piloto será de todas porventura a pior a adotar. Deve evitar-se que menos pilotos seja equivalente a menos segurança.