É expectável que trinta grandes bancos centrais reduzam as taxas de juro no segundo semestre, num 2024 em que mais de setenta países terão eleições, o que muitas vezes significa aumentos expressivos nas respectivas despesas públicas. Além disso, os últimos números da inflação mostram um crescimento anualizado dos preços no consumidor teimosamente persistente.
Nos Estados Unidos, o indicador de inflação global mais seguido pela FED, o PCE, irá provavelmente crescer 0,4%, em comparação com um aumento de 0,3% em Janeiro, e o consenso do mercado espera uma taxa anualizada de 2,5%, acima dos 2,4% em Janeiro. Isto somado à inflação já acumulada de 20% nos últimos quatro anos. O mesmo indicador excluindo alimentação e energia provavelmente apresentará um crescimento de 0,3%, de acordo com a Bloomberg Economics, o que significa um aumento anualizado de 2,8%, que acresce à subida de preços dos últimos anos.
A tónica acomodatícia de trinta bancos centrais e o aumento da despesa de setenta governos nacionais num ano eleitoral significam mais combustível para o fogo da inflação num ano em que o crescimento da oferta monetária se destacou significativamente dos seus mínimos de 2023.
Os bancos centrais ignoraram os agregados monetários quando menosprezaram o risco de inflação em 2020, e agora estão, novamente, a aliviar demasiado rapidamente quando a batalha contra a inflação ainda não terminou. Além disso, a única ferramenta real que os bancos centrais utilizaram foi o aumento das taxas, porque diferentes medidas paralelas de crescimento monetário, incluindo injecções de liquidez através de repos inversos, mantiveram o crescimento da oferta monetária a uma taxa elevada, mesmo quando o equilíbrio dos bancos centrais do G7 estava a moderar, embora a um ritmo mais lento do que o anunciado.
O corte das taxas pode chegar demasiado tarde porque, quando for implementado, os seus efeitos serão negativos ou ineficazes. Negativos porque os défices governamentais serão mais baratos de refinanciar, aumentando mais uma vez uma dívida pública já em níveis recorde. Ineficazes porque a descida das taxas terá pouco impacto nas pequenas e médias empresas e nas famílias porque estas sofrem significativamente mais com os efeitos acumulados da inflação, que se traduz em margens mais magras, maiores dificuldades para atingir objectivos e empobrecimento.
Devemos também lembrar que estes níveis persistentes de inflação oficial surgem após ajustes relevantes no cálculo do índice de preços no consumidor. Uma coisa é certa: os consumidores não prestam atenção à taxa anualizada de crescimento dos preços, mas ao nível acumulado de destruição do seu poder de compra, e todos, dos europeus aos americanos, sabem que se tornaram artificialmente mais pobres devido à loucura das políticas fiscais e monetárias implementadas em 2020.
Ninguém que leve a inflação a sério consideraria sequer uma flexibilização num ano eleitoral, acrescentando milhares de milhões de dólares de gastos deficitários ao problema da inflação. Além disso, a história alerta-nos para o risco de desistirmos de forma fácil e demasiado rápida do combate à inflação.
A Reserva Federal americana está a cometer um grande erro ao aplaudir os principais indicadores económicos que disfarçam uma recessão no sector privado com um aumento maciço da dívida pública e uma degradação dos números do emprego dissimulados por contratações e empregos temporários no sector público. Além disso, a FED comete um erro ao emitir sinais de relaxamento monetário que fazem com que os actores no mercado assumam mais riscos. Não houve redução relevante na oferta monetária se incluirmos as diferentes camadas de injeções de liquidez. O anúncio de próximos cortes nas taxas de juro fará certamente aumentar a dívida especulativa, mas dificilmente alterará a procura de crédito por parte da espinha dorsal da economia, das pequenas empresas e das famílias. Dado que o governo dos EUA rejeitou quaisquer apelos à normalização e, em vez disso, acrescentou mais défices e dívida, como se o aumento dos rendimentos das obrigações não fosse um problema, os cidadãos e as empresas já sofreram muito com a inflação contínua e os aumentos das taxas. Como tal, os cortes nas taxas contribuirão para os já insuflados gastos do Estado e ajudarão as empresas zombie a manter acesso aos mercados de capitais. Todos os outros serão prejudicados nos dois sentidos, com a inflação e menor acesso ao crédito.
O leitor poderá pensar que todos os problemas acima descritos são erros políticos, mas não são. Este é um processo lento de nacionalização de recursos. A inflação e a criação artificial de dinheiro através de défices e da monetização são uma transferência gradual de riqueza dos salários reais e dos depósitos de poupança para o Estado. Basicamente, estamos a ficar mais pobres para sustentar um Estado cada vez maior. Da próxima vez que ler que défices gigantes e flexibilização monetária são boas políticas para a classe média, pergunte-se por que razão cada ano lhe é mais difícil pagar os bens e serviços que consome. Os erros cometidos em 2020-2024 custarão à classe média muito mais impostos, mesmo que o governo prometa que serão apenas “impostos sobre os ricos”, o artifício mais antigo para aumentar os seus impostos. Mais impostos, inflação persistente (imposto escondido) e perda de valor do seu salário. É nisto que se traduz o “relaxamento monetário”. Uma recessão no sector privado com os principais indicadores económicos insuflados pela dívida pública. A receita para a estagflação.
Nota editorial: Daniel Lacalle é doutorado em Economia e gestor de fundos de investimento. Frequente colaborador de inúmeros orgãos de comunicação internacionais, é analista muito reputado e um dos mais influentes economistas de Espanha. Tradução pela Oficina da Liberdade de artigo original de 24/mar/2024.
Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.