Agora que terminaram as férias e as baterias estão carregadas (esperemos que todos os tipos: humanas e as outras) pode ser um bom momento para analisar o componente principal da mobilidade elétrica que são naturalmente as baterias, e que surge imediatamente no pensamento de quem se interessa por este assunto.
A consciência ecológica é de importância primordial para o futuro da humanidade. Esta consciência envolve aspetos como a redução de emissões de CO2, redução de consumos de combustíveis fósseis e conversão dos processos de construção e à semelhança da mobilidade tradicional, a reciclagem dos veículos elétricos imiscuiu-se nos processos, desde a sua conceção até à sua destruição e refere-se a todos os componentes que os constituem, com a reciclagem das baterias em destaque. Consequentemente, impõe-se uma reflexão sobre este tema, tendo em conta que:
A reciclagem é um processo industrial que tem de ser pago. Assim como o consumidor paga a taxa de reciclagem (ou ecológica, ou conforme conste na fatura) na manutenção do seu veículo tradicional, é de pressupor que também terá de a pagar no caso do veículo elétrico e em especial das baterias. Pensou-se que em contrapartida ao motor de combustão interna, teríamos um componente de armazenamento de energia capaz de fornecer energia elétrica aos elementos motrizes e obter assim um sistema de melhor rendimento uma vez que que só existem componentes rotativos, com base num armazenamento de energia com reciclagem simples e barata e não parece ser esse o caso. As baterias são frequentemente referidas como o produto mais perigoso da civilização. Independentemente do tipo, são prejudiciais ao meio ambiente devido à sua estrutura complexa e ao conteúdo de diversos produtos químicos. Qual é o tempo de decomposição dos componentes individuais da bateria? Estima-se que o invólucro metálico e outros componentes metálicos se decompõem após 100 anos, enquanto as substâncias químicas se decompõem após centenas de milhares de anos ou mesmo nunca. Portanto, são a causa da poluição permanente do solo e da água e assim um mesmo problema atrelado à mobilidade elétrica.
A mobilidade elétrica baseia-se em baterias cujas matérias-primas não são inesgotáveis, pelo que a reciclagem das baterias se impõe como imprescindível para a continuidade deste tipo de mobilidade, e a sua reciclagem evita a descarga de resíduos tóxicos para o ambiente embora deva ser um processo industrial sem impacto ambiental. Ou seja, na perspetiva idealista que a mobilidade elétrica é a solução ambientalista para todos os problemas (e por enquanto será considerada a forma de diminuir a poluição atmosférica em países de pequena extensão e a poluição nas cidades, e erradamente pois já existem outras soluções que não passam pela mobilidade elétrica), estaríamos pretensamente a anular os gases com efeito de estufa, para simultaneamente causar um enorme impacto ambiental com a descarga de resíduos tóxicos provenientes das baterias em fim de vida não recicladas. Devemos também evitar que o processo industrial de reciclagem não origine outra forma poluição, o que parece difícil se em primeiro lugar for determinado que a energia elétrica necessária para o processo de reciclagem não é proveniente exclusivamente das energias renováveis. E até estas dependem de uma indústria carente de energia elétrica cuja proveniência é desconhecida. Fica comprometido o objetivo da neutralidade em carbono e ainda por resolver o problema da escravatura de crianças nas minas de extração de cobalto e lítio, assunto que a União Europeia não aborda e até ignora ao contrário de outros assuntos sobre Direitos Humanos. Em vez disso perde-se em normas e metas sem sentido e que prejudicam a empregabilidade e a indústria automóvel europeia.
Recorda-se que para fabricar uma bateria para um Tesla Modelo Y, é necessário movimentar 250 toneladas de solo para obter o seguinte: 26,5 libras (12 Kg) de lítio; 30 libras (13,6 Kg) de níquel; 48,5 libras (22 Kg) de manganês; 15 libras (6,8 Kg) de cobalto. São necessárias 441 libras (200 Kg) de alumínio, aço e/ou plástico e 112 libras (50 Kg) de grafite. Por enquanto, ainda há muito que escavar e pelas imposições das normas da União Europeia, tem que ser recuperada pelo menos 50% da massa dos materiais que constituem as baterias: recuperação do chumbo (pelo menos 65%), níquel-hidreto metálico, iões de lítio, cobalto, etc. No final de 2022, foram introduzidas regulamentações determinam que o níquel e o cobalto deveriam ser reciclados em 90% a partir de 2027, e até 95% a partir de 2030. Para o lítio, por outro lado, os valores foram fixados em 50 e 80 %. De notar que em termos de reciclagem está estabelecida a reutilização e valorização de 95% do peso de veículos em “fim de vida” (diretiva europeia de 18 de setembro de 2000) [L`Automobile Magazine, n.886, março de 2020] – conceito subjetivo talvez definido por quem não sai dos gabinetes para ir ver a realidade de como vive a população – dado o fraco poder de compra dos consumidores, principalmente o dos portugueses que por isso alongam a vida da sua viatura até onde podem. Portanto, o tradicional “ferro-velho” vai provavelmente ter que se adaptar, agora com pessoal especializado para que sejam respeitados os requisitos de reciclagem, o que tem dado origem à criação de empresas dedicadas a esta indústria específica e que têm de acompanhar a evolução tecnológica das baterias. Porém, quase todo o processo industrial depende da energia elétrica. Para satisfazer as necessidades da indústria, de postos de carregamentos de energia elétrica, da “digitalização” e do consumo doméstico, esta energia elétrica virá de que tipo centrais? Nucleares, a gás, a carvão, cogeração renováveis-fósseis? Ainda não foi esclarecido. Tudo isto para que seja um motivo de reflexão, se a reciclagem das baterias para mobilidade elétrica é ou não mais um fator de emissões de CO2 a acrescentar ao ciclo de construção e de vida de um carro elétrico (e respetiva reciclagem).
Desde o início deste ano, a evolução tecnológica tem sido muito rápida e variada. Desde janeiro até esta data, já assistimos à apresentação (pela China) do motor a gasóleo com o maior rendimento de sempre, à evolução de motores a hidrogénio (Japão – Yamaha, apenas com vapor de água como emissões, divulgação de motores de levitação magnética (Japão), ao desinteresse de marcas de prestígio pela mobilidade elétrica, ao interesse das marcas generalistas mas para híbridos, à hipótese de recurso aos combustíveis sintéticos e à utilização de combustíveis não fósseis na aviação (neste caso o problema do combustível, é um problema de escala) e assistimos também ao anúncio de novas baterias que permitem mais autonomia (em que climas, que extensões – quantas recargas supondo que existem posto de recarga – e que condições de operação?) e mais ciclos de recarga (embora, como se sabe, a frequência dos ciclos de recarga diminui sempre a vida útil da bateria). Recentemente até já foi anunciada uma tecnologia baseada em nitrogénio (azoto) que anuncia o fim da mobilidade elétrica, a substituição do hidrogénio e o abandono da solução dos combustíveis sintéticos, e finalmente em 3 de setembro a Astron Aerospace, anuncia o motor H2 Starfire com zero emissões. Mais tempo demorasse a escrever este artigo e mais escreveria sobre as novidades tecnológicas.
Portanto, este confronto económico-financeiro tem proporcionado uma produção vertiginosa de soluções tecnológicas, esperemos que a favor do consumidor, que não podem ser ignoradas para dar primazia exclusiva à mobilidade elétrica.
As soluções tecnológicas que nos têm sido anunciadas abrangem as baterias próprias para mobilidade elétrica. De grandes e pesadas, instáveis e propícias a incêndios espontâneos (risco que abrange telemóveis e computadores portáteis e por isso as tripulações de cabine das companhias de aviação já têm formação para lidar com um hipotético incêndio) estão a tornar-se cada vez mais leves e pequenas e proporcionam mais autonomia. Será possível ir de Lisboa a Oslo de carro elétrico (a que velocidade e com que clima? Com ou sem ar condicionado? Com quantas recargas?). Também será possível ir de Oslo a Ancara de carro elétrico? E quando?
Os processos industriais de reciclagem de baterias já têm várias empresas especializadas e vários processos de recuperação que têm de ser adaptados conforme a evolução das baterias, o seu tipo e a respetiva natureza. Por ora, existem três tipos de baterias: baterias de lítio-níquel-manganês-cobalto (NMC), lítio-níquel-cobalto-alumínio (NCA) e baterias de lítio-ferro fosfato (LFP). Os dois primeiros tipos são mais propícios para veículos de passageiros e comerciais e mais propícias a reciclagem por serem submetidas a processos mais baratos. A etapa mais cara e trabalhosa na reciclagem de baterias é a extração de materiais valiosos como lítio, cobalto, níquel e manganês. Desde logo, é preciso dar formação e qualificação às pessoas que operam nesta atividade específica. Entre outros procedimentos, têm que usar roupas de proteção devido ao perigo de ignição e explosão. Normalmente existem três processos de reciclagem de baterias: piro metalúrgica, hidro metalurgia e parcial. No primeiro caso, os metais valiosos são recuperados por tratamento térmico, no segundo por reações químicas, enquanto o terceiro envolve a recuperação parcial dos materiais e a regeneração do resto do cátodo. A reciclagem de baterias na Europa é realizada em pequena escala por fábricas de reciclagem piloto e especializadas. Por enquanto, sua capacidade é suficiente em relação às necessidades, mas o sistema poderá ter que ser ampliado. O Greenpeace prevê (prognósticos antes do jogo …) que serão retiradas de circulação 12,85 milhões de toneladas de baterias de carros elétricos até 2030. Portanto, em cinco anos, é necessário criar uma forte rede de reciclagem/valorização das baterias provenientes da mobilidade elétrica.
Uma rede pelo menos tão eficaz como a de transporte público em Portugal …
A quantidade de matéria-prima recuperada no processo de reciclagem de baterias depende da sua conceção e das tecnologias disponíveis. Os cientistas ainda estão a trabalhar em métodos de reciclagem de baterias de iões de lítio que produzirão os melhores resultados possíveis. Por exemplo, numa fábrica de reciclagem de baterias criada como parte de um grupo formado por uma marca de automóveis generalista, uma empresa gestora francesa de resíduos e por uma empresa química belga os materiais ativos das baterias são imersos em ácido N-metilpiridínio e – após drenagem e secagem – triturados através de ondas de ultrassom e lixiviados com ácido. Neste processo, podem ser recuperados até 96% de cobalto e 98% de lítio. No processo desenvolvido pelo supracitado grupo, os metais estratégicos que eram previamente recuperados de uma forma que os tornava passíveis de serem utilizados exclusivamente em aplicações metalúrgicas (formação de aço inoxidável, por exemplo), serão extraídos e purificados tornando-se metais de alta pureza que poderão ser utilizados novamente em baterias (assim é esperado, mas por agora difícil). Assim, e à falta de imposição de mais requisitos, estas quantidades de matérias-primas recuperadas de baterias estão de acordo com os já definidos pela União Europeia no final de 2022: foram introduzidas regulamentações para que a taxa de reciclagem do níquel e do cobalto seja no mínimo 90% a partir de 2027, e no mínimo 95% a partir de 2030. Para o lítio, por outro lado, as taxas de reciclagem mínimas foram fixadas em 50 e 80 % respetivamente. No entanto, a elevada intensidade de mão-de-obra (qualificada) e de emissões de CO2 provenientes da reciclagem de baterias de iões de lítio, bem como o custo de eliminação das baterias, continuam a ser uma incógnita no problema: Falta saber quanta energia elétrica é consumida na reciclagem e o seu equivalente em emissões de CO2 e como são reciclados os produtos utilizados nos processos.
De momento tem sido feita referência às novas baterias de estado sólido (o eletrólito é sólido e não líquido) por questões de segurança e autonomia e consequentemente permitem mobilidade elétrica com menos recargas e mais rápidas. Mas parece que não há solução que não traga um ou mais problemas. Florian Flatscher, doutorando que trabalhou com Rettenwander e Verena Reisecker da Universidade de Tecnologia de Graz, refere à publicação World Energy que as baterias de estado sólido têm potencial para serem recarregadas mais rapidamente do que são atualmente, ainda que esse seja um desafio que precisa ser superado, dado que é mais difícil utilizar sólidos do que líquidos para transferir cargas elétricas. De momento está em investigação a deterioração das baterias de estado sólido e a sua reciclagem. Tudo leva a crer que a deterioração se deve ao facto de as baterias de estado sólido também usarem (mais) lítio. O investigador Rettenwander, professor do Departamento de Ciência e Engenharia de Materiais da NTNU (Norwegian University of Science and Technology) refere que estamos perante um entendimento novo e é um passo para a compreensão dos mecanismos subjacentes ao que são chamados de “dendritos”. Nas baterias de estado sólido, os dendritos são partículas especiais de lítio que podem ser formadas por corrosão e stress mecânico. Essas partículas de lítio, por sua vez, podem causar curtos circuitos nos condutores. À World Energy, Flatscher assume que “passamos a saber mais sobre como podemos impedir que tais dendritos se formem. Isso é uma vantagem real em termos de segurança”, assinala. Uma bateria de estado sólido é mais cara do que uma de lítio e ainda em fase de análise científica, mas esse contra pode mudar quando forem produzidas em série, logo que o problema dos dendritos seja dominado e possamos estar perante uma bateria segura. Aliás, vários fabricantes automóveis anunciaram que estão a desenvolver modelos com baterias de estado sólido. Aguardemos como a Ciência e a Investigação vão também conseguir resolver o problema da reciclagem deste tipo de baterias.
No referente à indústria portuguesa esta tem-se esforçado por entrar neste “negócio” da reciclagem das baterias para mobilidade elétrica, por conta própria ou em associação com empresas de outras nacionalidades, e algumas apenas conseguem a reciclagem parcial com destino à indústria. De notar que um estudo de 2021 promovido pela GVB (Gestão e Valorização de Baterias), em colaboração com a Nova School of Science and Technology e com o Mare (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente), com o objetivo de averiguar qual o processo de reciclagem mais favorável, tendo concluído que o processo mais favorável é o LithoRec. Neste estudo, caracteriza as baterias de iões de lítio (BIL) como caras (o que se vai refletir no preço dos veículos elétricos), carentes de um sistema avançado de controlo da bateria (também para ser incluído no preço final do custo do veículo), suscetíveis de insegurança e incidentes de fuga térmica, levantam problemas de falta de material: lítio e cobalto; e submetidas a fracos esquemas de recuperação e reciclagem. Neste estudo, no que toca à origem das matérias-primas, sem contar com a Austrália no que toca à extração de lítio, e o Congo para a extração de cobalto, a China ocupa uma posição preponderante em todas as outras matérias-primas que constituem uma BIL. Este estudo inclui uma exposição do processo LithoRec e também uma análise económica e financeira favorável em vários cenários (Pessimista/Central/Otimista), mas salvaguarda “a dificuldade de obtenção de valores, a incerteza no horizonte temporal, a modelizar para componentes técnicas e custo unitários e preços no contexto de grande incerteza macroeconómica e microeconómica, aconselha uma leitura “conservadora” dos resultados do VAL e TIR obtidos”. Ou seja, o estudo económico-financeiro do supracitado grupo mostra-se favorável em 2021 com salvaguardas, mas a evolução do mercado e de outras tecnologias de reciclagem de baterias pode afetar os cálculos e inverter as conclusões, como o próprio estudo refere e recomenda a sua revisão a curto/médio prazo.
Parece-me ainda que a par com a reciclagem não nos devemos esquecer da valorização. No Japão, as antigas baterias de níquel-cádmio ainda são utilizadas para sistemas elétricos e/ou eletromecânicos que necessitam de um nível de energia elétrica muito baixo. O mesmo se pode passar com as baterias descartadas provenientes da mobilidade elétrica.
As baterias para mobilidade elétrica já evoluíram muito, e as atuais proporcionam mais autonomia, embora ainda obriguem o respetivo utilizador a percursos programados e a uma condução em conformidade. A sua reciclagem pode por si só causar impactos ambientais, mas é inevitável por carência de matérias-primas.
Há 125 anos que a primeira viatura elétrica “La Jamais Contente” ultrapassou os 100 Km/h (29 de abril de 1899). A uma velocidade de 80 – 90Km/h correspondeu uma autonomia de 60 – 68 Km. Estes valores serão parecidos com a mobilidade elétrica de algum veículo híbrido atual?
(Nota: à velocidade a que a tecnologia evolui este artigo de opinião pode estar desatualizado na data da sua publicação)