Hoje trago-vos uma breve leitura de Verão, mas que ilustra como os ensinamentos do passado podem servir de molde ao presente e de inspiração para o futuro.

Numa altura em que o capitalismo é atacado, considero importante relembrarmo-nos de duas coisas. A primeira, é que inquestionavelmente, nenhum outro sistema conseguiu produzir tanta riqueza e retirar tantas pessoas do sofrimento da miséria. A segunda, é que o capitalismo sofreu mudanças, perdeu concorrência e precisa de se voltar a focar na missão. A missão não é o lucro pelo lucro.

Neste sentido, a empresa de chocolates Inglesa Cadbury, tem uma história que é um testemunho notável de como valores éticos e sociais podem moldar uma empresa e uma comunidade.

Fundada por John Cadbury em 1824, em Birmingham, Inglaterra, a Cadbury evoluiu de uma pequena loja de mercearia para uma das maiores e mais respeitadas fábricas de chocolate do mundo. A ética de trabalho do fundador, foi influenciada pelo seu Quakerismo que, não só impulsionou o sucesso económico da empresa, como também criou um modelo exemplar de responsabilidade social corporativa.

John Cadbury, era um fervoroso Quaker, e como tal, fundou sua empresa com base em princípios éticos sólidos e um profundo sentido de responsabilidade social. Os Quakers – conhecidos por sua integridade, justiça social e serviço à comunidade – influenciaram significativamente a maneira como J. Cadbury conduziu os seus negócios.

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Inicialmente, John vendeu chá, café e chocolate quente como alternativas saudáveis ao álcool com relativo sucesso. Porém, em 1861 a empresa estava falida. Com a sua saúde em declínio, os seus filhos, Richard e George, assumiram a empresa e investiram todo o capital que tinham naquela que viria a ser uma das primeiras empresas de missão. O objectivo deixou de ser apenas vender cacau para ser vender o melhor cacau num espírito de honestidade para com o cliente.

A visão de George Cadbury de transferir a fábrica para uma área rural, em 1878, que viria a ser conhecida como Bournville, foi um marco na história da empresa. Bournville não era apenas um local de produção, mas uma vila modelo.  Uma comunidade que oferecia habitação, educação e cuidados de saúde aos trabalhadores, refletindo os valores de bem-estar social dos seus fundadores.

O tratamento dos trabalhadores como família foi fundamental para o crescimento e prosperidade do negócio. Investiram na escolaridade obrigatória dos funcionários, formação técnica e comercial, instalações de desporto, subsídio de doença e até um revolucionário fundo de pensões. Foram eles próprios a estimular a formação de uma Comissão de Trabalhadores e pelos anos 30 do séc. XX já eram a 24.ª maior empresa de Inglaterra.

Max Weber, no seu livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de 1905, argumenta que a ética protestante, especialmente a Calvinista, teve um papel crucial no desenvolvimento do capitalismo moderno. Weber destacou a vocação e trabalho, a rejeição do luxo de modo a investir no futuro e a racionalização e disciplina. Os princípios dos Quaker acabam por alinhar-se com os de Weber.

Tal como Weber descreveu, os Cadbury foram exemplo de como, com uma ética de trabalho robusta, se impulsiona o sucesso económico. A sua dedicação ao trabalho ético e honesto foi fundamental para o seu crescimento, assim como o reinvestimento do lucro na empresa e na comunidade, promovendo um ciclo de crescimento e bem-estar. Bournville reflete a crença Quaker em justiça social e responsabilidade comunitária, proporcionando habitação, educação e cuidados de saúde para os trabalhadores, uma prática que exemplifica a racionalização do bem-estar social.

Acredito que, para a época actual, tanto a história da Cadbury como as teorias de Weber oferecem lições valiosas para o capitalismo moderno. Em 2024, as empresas enfrentam desafios complexos, incluindo desigualdade social, as eventuais mudanças climáticas e a necessidade de sustentabilidade. A integração de princípios éticos e responsabilidade social, ajudará certamente a enfrentar estes desafios.

Uma empresa deve adotar uma ética de trabalho que valorize a sustentabilidade e o bem-estar social. Valorizar o trabalhador e investir em práticas sustentáveis e responsáveis pode promover um crescimento económico saudável e duradouro. As empresas podem igualmente reinvestir nos seus trabalhadores e na comunidade, promovendo um ambiente de trabalho saudável e uma sociedade mais justa. Paralelamente, implementar práticas de gestão que equilibrem eficiência económica com responsabilidade social criará empresas mais resilientes e inovadoras.

A história inicial da Cadbury, oferece uma visão inspiradora de como o capitalismo pode ser moldado por princípios éticos e sociais sem qualquer intervenção do Estado.

Em 2024, enfrentamos desafios globais num mundo cada vez mais extremado. É urgente reformular aquilo que entendemos por capitalismo e entender que, num sistema concorrencial perfeito (e esse não existe) não existiria tanta acumulação de riqueza em tão poucos. A concorrência é a base do capitalismo – não a acumulação de capital – mas este pode ter igualmente um perfil ético e moral.

Ao integrar ética, sustentabilidade e responsabilidade social, podemos reformular o capitalismo para criar um futuro mais equitativo e próspero para todos.