É comum para um jovem português qualificado auferir de um salário de 1100€ brutos, ao qual acresce o valor de 8,32€ por dia de subsídio de alimentação. Porém, no recibo de vencimento, figura apenas a módica quantia de 857€ líquidos, aos quais adicionamos o valor de 183,04€, respeitante ao subsídio de alimentação. Feitas as contas, este jovem possui um total de 1040,04€ para fazer a sua vida mensalmente.
Enveredemos agora por uma história fictícia, analisando um mês de gastos comuns, de uma indivídua também ela comum, a Maria. Comecemos pelo início:
Vamos considerar uma renda de um T0 na periferia da cidade do Porto por 520€. Aqui é importante notar que se trata de rendimento predial, o que quer dizer que será posteriormente taxado ao senhorio a uma taxa fixa de 28%. Ou seja, 145,60€ do “bolo” que a Maria paga reverterá, indiretamente e mais tarde, a favor do Estado. Se deveria considerar esta tributação nas despesas da Maria? Talvez não, no entanto, acredito que se esta taxa fixa não existisse, a renda teria potencial para ser 145,60€ mais barata para a nossa amiga (o que aliás se verifica quando as rendas são pagas “por baixo da mesa”).
Ora neste valor não estão incluídas despesas indispensáveis à sobrevivência da Maria, como a eletricidade, água e gás. Nestes campos, para além do já conhecido IVA, há que ter em conta outras taxinhas. Numa fatura de 36€ de luz, 4,78€ destes são impostos. Quanto ao gás natural, 1,53€ de um total de 8,51€, são impostos. Como a Maria toma banho e lava a loiça, tem uma fatura de 26,25€ de água, onde 1,09€ são impostos.
Ora 4,78€ na eletricidade, 1,53€ no gás natural e 1,09€ na água pode parecer pouco. Mas suponhamos que os valores não oscilam (o que não é realista) e que os multiplicamos por 12 meses, revela-se mais substancial, representando 88,80€ no orçamento anual desta jovem – apenas em IVA e taxinhas.
Mas as despesas não ficam por aqui. Taxado como bem de luxo (23%), temos a mensalidade internet. Ora, se a referência for 1755, é de facto um bem de luxo, contudo, em plena revolução tecnológica, com uma percentagem considerável de trabalhadores em regime de teletrabalho, onde a internet se encontra amplamente difundida, parece-me estranha esta taxação. Supondo que a Maria tem contratualizado um serviço básico apenas de TV/Net/Voz, terá de pagar uma mensalidade de 34,43€, dos quais 7,92€ é IVA.
Mais, a burguesa da Maria tem um Peugeot 207 de 2006, a gasolina, com um tanque de 50L. Para o presente exercício, vou considerar 1,80€/L de gasolina (preço médio a 9 de outubro de 2023). Nesta caso, a carga fiscal da gasolina é de 0,91€, e destes, 0,34€ são IVA. A restante carga fiscal compreende outros impostos, como é o caso do ISP, a contribuição de serviço rodoviário (CSR) ou a taxa de carbono. A Maria decidiu atestar porque tem a mania que é rica. Pagou 90€, dos quais 45,5€ são impostos (51% do valor total é carga fiscal!).
Ainda em questões rodoviárias, subscrevendo uma fatura mensal eletrónica, a Maria gasta cerca de 22€ onde figuram portagens que se encontram no caminho para o trabalho, e um ou outro estacionamento curto por falta deste no meio citadino. Ora taxado a 23%, 5,6€ do total são impostos.
Continuando nas despesas do mês, é necessário comprar mercearias. Ora, suponhamos que os 183,04€ do subsídio de alimentação servem para comprar os alimentos do mês para a Maria, que faz uma alimentação equilibrada. As carnes e o peixe, assim como alguns vegetais e fruta contam com IVA de 6%, mas a coisa muda de figura quando falamos de refrigerantes, bolachas recheadas, pipocas, chocolates ou batatas fritas. Os enlatados também oscilam em termos de IVA: uma conserva de atum conta com 6%, mas uma conserva de atum com tomate vai aos 23%. Ai ai Maria, tu e o teu palato refinado. Mas verdade seja dita, aqui o Estado até taxa com razão, sendo que fica mais fácil “apertar o cinto” quando a ingestão de calorias é abaixo do recomendado. Para efeitos do presente exercício, vamos considerar que a Maria, na totalidade dos gastos, acaba por ter cerca de 22€ em IVA nas compras do mês entre produtos básicos e luxuosos.
Saindo do supermercado, a Maria tem de passar pela farmácia a levantar o antidepressivo (receitado por um médico do privado porque o SNS mandou-a esperar sentadinha), e uma pomada de cicatrização de feridas porque caiu e esfolou os joelhos – provavelmente em desespero por ter consultado o extrato bancário. Ora os ansiolíticos estão sujeitos a uma taxa de 6%, e custam 5,37€, mas à pomada aplica-se o IVA 23%, num total de 8,63€.
Com a chegada do inverno, por forma a enfrentar os dias mais frios, a Maria opta por comprar um blusão. Suponhamos que custa 65€, dos quais 14,95€ são IVA. Um luxo comprar roupa, deveria antes ter optado por pedir uma malhinha tricotada à avó (cuja mão de obra é gratuita, mas a lã e as agulhas não escapam à tributação de 23%).
É inegável que a prática desportiva é recomendável, ainda para mais numa sociedade cada vez mais sedentária. Suponhamos que a Maria tem uma mensalidade de ginásio de 40€. Destes, 9,20€ corresponde ao IVA – quem diria que suar em conjunto numa sala para cima dos mesmos pesos e passadeiras seria coisa de burguês.
Chegou tarde do ginásio, esqueceu-se de pôr a carne a descongelar e não conseguiu preparar a marmita atempadamente, pelo que optou por ir ao restaurante do outro lado da rua do escritório que faz diárias a 9€ (13% IVA) e a bebida é paga à parte. Acompanhou o prego no prato de um refrigerante de 2€ (que é um bem de luxo taxado a 23%), já a sua companhia foi mais comedida e optou por uma água mineral lisa a 1,50€ (13% IVA). Ora, 1,17€ da diária, mais 0,46€ do sumo, perfaz 1,63€ pago em imposto. (Bebe aguinha, Maria, que assim não vais ao ginásio, Maria!).
Feitas as contas temos em gastos para a nossa Maria um total de 1050,23€, sendo o fundo de maneio, como vimos anteriormente, 1040,04€. Do total das despesas, 262,10€ são impostos, aos quais adicionamos o dinheiro que segue para o Estado ainda antes de cair na conta corrente (121€ para a Segurança Social e 122€ em IRS).
Retiremos os cêntimos para contas certas: partimos de um salário bruto de 1100€ aos quais juntamos 183€ de subsídio de alimentação, por isso consideremos 1283€ de fundo de maneio. Destes 1283€, 505€ são impostos – 39% são impostos.
Se considerarmos o salário líquido de 1040€, 25% são impostos, ou seja, ¼ da liquidez reverte indiretamente para o Estado.
Já a entidade empregadora, para manter uma trabalhadora como a Maria, deverá pagar uma quantia de 1.544,29€ mensalmente. Aqui entram os valores brutos já mencionados (1100€+183€), aos quais acrescem os 261,25€ de taxa paga pela entidade empregadora à Segurança Social.
Juntando os 505,10€ que descontou direta e indiretamente, mais o que entidade empregadora desconta em seu nome (os tais 261,25€), perfaz um total de 766,35€ que a Maria contribui para o Estado, chegando assim aos 49% do total suportado pela empresa.
Em jeito de conclusão é importante notar 5 aspetos:
Primeiramente, os valores calculados são um exercício fictício, com o intuito de representar uma cidadã portuguesa, solteira, sem dependentes, residente em Portugal continental.
De seguida, é importante notar que muitas despesas referidas são dedutíveis, no entanto nunca o são na totalidade do IVA. Para além disso, dá-me mais jeito ter o dinheiro no bolso para as despesas correntes do mês, do que o emprestar ao estado, sem juros.
Mais acrescento que, a estas despesas, poderão aplicar-se benefícios do Estado, que um assalariado nos 1100€ brutos é demasiado rico para usufruir, mas demasiado pobre para viver confortavelmente.
Para bem da sanidade mental do leitor e para que ainda consiga acordar com esperança amanhã, não esmiucei questões como seguros de automóvel, inspeções, imposto de selo, manutenções de carro e outras despesas que tais.
Por último, fica a nota de que se chorava de todas as vezes que calhava na casa errada do Monopólio, pense outra vez, era só a infância a prepará-lo para uma vida adulta de socialismo.