Esta segunda-feira, às 21 horas de Nova Iorque (duas horas da madrugada de terça-feira, em Lisboa), realiza-se o primeiro debate entre Hillary Clinton e Donald Trump. Estima-se que seja o mais visto de sempre, com uma audiência projectada em 100 milhões de espectadores. O recorde é de 80,6 milhões, atingido em 1980 num debate entre Ronald Reagan e Jimmy Carter; como comparação, um debate entre Mitt Romney e Barack Obama, em 2012, conseguiu 67,2 milhões, a melhor audiência desde 1980. Se as estimativas se concretizarem, muitos espectadores irão ver um debate presidencial pela primeira vez.
O grande apelo e incógnita do debate será o comportamento de Donald Trump. Os seus apoiantes querem vê-lo a atacar e humilhar Hillary Clinton, mas tal iria dissuadir eleitores indecisos de considerar Trump uma escolha viável para presidente. Para essas pessoas a desvantagem de Trump é exactamente o seu comportamento errático e verbalmente abusivo. Dada a forma como se tem comportado ultimamente, é improvável que ele siga esta estratégia. Por exemplo, um dos argumentos de Trump contra Clinton era a insinuação de que a saúde dela era precária, mas quando ela sucumbiu a pneumonia recentemente, Trump não aproveitou a deixa para fazer o remate final do “Eu avisei!”, preferindo ser mais ponderado.
Há uma porção do eleitorado americano que se sente intimidada por pessoas ditas “intelectualmente superiores”, o que prejudica Hillary Clinton, que é vista como sendo uma pessoa esperta e calculista, a quem falta calor humano. Mesmo que Trump pareça ignorante, para esses eleitores ele é atraente. Por exemplo, Gary Johnson, o candidato libertário, viu a sua popularidade aumentar quando se esqueceu de que Alepo era uma cidade que simbolizava o conflito na Síria. Na primeira eleição de George W. Bush, em 2000, muitos votaram nele porque parecia um homem simples com quem se podia ir a um bar tomar uma cerveja.
Tanto Ivanka Trump, a filha e principal conselheira de Donald Trump, como Melania Trump, a sua esposa, gostariam que Trump tivesse uma imagem mais “presidencial”, o que tentou na sua visita ao México para se encontrar com o Presidente Enrique Peña Nieto. Trump não foi agressivo e disse que não tinha discutido se o México estaria disposto a pagar pela construção do muro na fronteira dos EUA com o México, um dos pontos da sua plataforma eleitoral que mais agrada aos seus apoiantes; estes, apesar de se sentirem traídos, continuaram a apoiá-lo. Ou seja, Trump sabe que quem o apoia não deixará de o apoiar se ele se portar bem e, portando-se bem, tem mais probabilidade de atrair quem ainda não o apoia. O que desconhecemos é se ele conseguirá concentrar-se e ser simpático durante 90 minutos. Pelo sim, pelo não, Trump tem-se esforçado em baixar as expectativas do debate.
Um Trump simpático é o que menos convém a Hillary Clinton. Em 2000, no debate de Clinton contra Rick Lazio (republicano), na campanha para o Senado, ele saiu do pódio e dirigiu-se a Clinton exigindo que ela assinasse um papel a dizer que recusava “soft money” (dinheiro para a campanha que não estava regulado). Enquanto Lazio ficou visto como um rufia sexista, Clinton conseguiu sair desse debate como uma vítima, o que a aproximou do eleitorado, permitindo-lhe vencer a corrida com 55%. Há duas semanas, Clinton apareceu no blogue “Humans of New York”, a relatar um episódio dos seus tempos de faculdade que ilustra o sexismo de que foi vítima. Ficar com pneumonia beneficiou Clinton: nas redes sociais, as pessoas identificaram-na com as mulheres que, mesmo doentes, têm de trabalhar e tratar da casa, dos filhos e do marido. Segundo um tweet, Trump bem podia recear Clinton porque ela fazia mais doente do que ele cheio de saúde. Tudo o que humanize Clinton junto do eleitorado irá favorecê-la, especialmente junto das mulheres.
Barack Obama é um dos trunfos mais visíveis de Hillary Clinton, e tem trabalhado com afinco junto da comunidade negra, uma das que se sentiu insultada quando Trump aliciou os negros dizendo-lhes que nada tinham a perder. O objectivo de Obama é diminuir a abstenção das minorias ainda mais do que o conseguido em 2012. A maior vantagem que Clinton tem é a máquina eleitoral que Obama montou em 2008 e aperfeiçoou em 2012. Dizer que Clinton usa análise sofisticada é pouco. Nunca houve no mundo ninguém que tivesse informação tão detalhada acerca de uma campanha eleitoral como a sua equipa, o que, combinado com a granularidade da informação e com o dinheiro que conseguiu angariar, lhe dá uma vantagem muito difícil de eliminar. Todas as noites, a equipa de Clinton faz inquéritos e identifica o que está a funcionar e o que não está e onde. Os recursos são gastos estrategicamente e, como tal, ela não desperdiça recursos a fazer campanha em sítios que não contribuam para a sua vitória. Se o debate correr mal para Clinton, ela saberá imediatamente o que tem de mudar e como.
Donald Trump não tem informação tão boa como a de Clinton para gerir os seus parcos recursos; mas a sua maior desvantagem nem é essa: Trump não divulgou os seus impostos e tem esqueletos no armário demasiado perto das eleições. O Washington Post tem vindo a investigar a Fundação Donald J. Trump, da qual pouco ou nada se tem falado. O último ano em que Donald Trump contribuiu monetariamente para a fundação foi em 2008; desde então, o que tem feito é angariar fundos de organizações e indivíduos e doa-os dando a impressão que são seus. Há provas de que Trump usou fundos para pagar despesas legais pessoais ($258 mil), para comprar um auto-retrato ($20 mil) e para uma campanha política ($25 mil), e quando há doações a organizações não-lucrativas legítimas, estas são frequentemente feitas a entidades que arrendam os espaços de Trump para realizar eventos. Neste momento, o Internal Revenue Service tem indícios suficientes para poder iniciar uma investigação contra Trump, mas é improvável que o faça antes das eleições para não influenciar o resultado e porque a agência foi acusada de e processada por perseguir entidades ligadas ao Tea Party, em 2012, que tinham feito pedidos para terem o estatuto que lhes permitia estarem isentas de impostos.
As actividades da Fundação Clinton têm sido bastante investigadas pela comunicação social e todos os seus e-mails foram revelados ao público, levando as pessoas a questionar se os representantes de empresas americanas não teriam acesso a Hillary Clinton quando ela era Secretária de Estado, em troca de doações para a fundação. As dúvidas persistem, mas tanto o caso da Fundação Clinton, como o caso do servidor de e-mail privado que ela usou, foram tão discutidos que o efeito que têm no eleitorado já é conhecido e pode ser anulado.
No debate, o moderador será Lester Holt, da NBC News, cuja actuação estará sob um escrutínio apertado. Uma das críticas que tem sido feita aos jornalistas é que não são tão exigentes para com Trump, como são para com Clinton. Obama já os desafiou a encostar Trump contra a parede. No debate, não serão apenas os candidatos que têm algo a perder, o moderador também terá.
Director of Research na Tlaloc Capital, em Houston, TX (EUA). A opinião da autora não reflecte necessariamente a opinião da empresa onde trabalha.