O regresso da monarquia não é, neste momento, uma pergunta que se coloque prioritariamente aos portugueses. Mas num mundo onde tudo muda de um momento para o outro, é possível que venha a ser algo que a sociedade queira discutir. Sou alguém que teve militância monárquica toda a vida, com tradição familiar, por isso conheço bem os méritos e problemas do movimento. Aquilo a que eu chamaria de questões internas é o menos relevante: todos são necessários e terão o seu papel na altura certa. Quem administra e preside a Fundação Dom Manuel II e a Casa de Bragança é o senhor Dom Duarte Pio, cuja gestão tem tentado preservar um património de valor fundamental para os portugueses. É também inegável que o senhor Dom Duarte tem dedicado a vida toda ao serviço de Portugal e da Lusofonia. Por outro lado, há instituições monárquicas que funcionam e outras que não funcionam, não importa aqui a razão. Estive no partido monárquico recentemente e encontrei alguns dos monárquicos mais valorosos e altruístas, incluindo o seu presidente. A minha convicção é que, mais tarde ou mais cedo, nesta ou na próxima geração, haverá em todo o movimento união, foco e planeamento para se disputar uma discussão nacional ampla, das ruas ao parlamento.
A grande questão dinástica é não existir uma questão dinástica. Só é problema para quem quer colocar entraves artificiais à monarquia. Nenhuma pessoa ou família tem direitos absolutos sobre o trono, até porque nas monarquias constitucionais ocidentais o trono pertence ao povo, que é escutado diretamente ou através do parlamento. O Rei representa o espírito do povo: se o Rei é livre, o povo é livre. O Rei não tem poderes governativos, mas a sua presença é o garante do respeito pela democracia, cultura e tradições de toda a população. Mas sublinho que se calhar há uma razão para a monarquia só existir e funcionar nos paises mais desenvolvidos do mundo, quer a nível económico, igualitário e cívico.
O maior obstáculo à reimplantação da monarquia não são os próprios monárquicos, ou sequer os republicanos militantes, que são muito poucos. É verdade que há muitos arrivistas e paraquedistas que utilizam o meio para ganhar estatuto social ou vantagens políticas. No entanto, ao longo da vida, apercebi-me que o grande problema da monarquia em Portugal é sobretudo um problema do sistema de ensino, que tem a narrativa histórica da União Soviética de há cem anos atrás e as fantasias dos romances iluministas do século dezoito.
Para a maioria dos jovens portugueses é coisa antiquada e sem sentido que nos dias de hoje ainda existam monarquias. Só se apercebem que isso não é verdade quando emigram, em busca de uma melhor vida, para os reinos da Suécia, Dinamarca, Noruega, Inglaterra, Holanda, Bélgica, Espanha, Luxemburgo e por aí adiante.
Outro engano comum é a monarquia ser de uma elite, em vez de popular. A Família faz parte do património português e deve ser valorizada. As famílias tradicionais têm uma história que deve ser acarinhada e ouvida, pois os seus feitos passados fazem parte daquilo que somos. Mas não podemos esquecer que Portugal é um país que tem as mesmas fronteiras ocidentais há muito tempo e que foi sempre muito fechado em si mesmo, por isso é natural que sejamos todos primos uns dos outros. Ainda mais, a própria genealogia tem uma matemática muito esclarecedora: cada um de nós tem oito bisavós, dezasseis trisavós, trinta e dois tetravós e por aí adiante. Portanto, é muito grande a possibilidade estatística de, recuando meros séculos, termos um antepassado comum com o nosso vizinho. E esta realidade não é apenas uma metáfora poética: somos sangue do mesmo sangue e representantes dos milhares de seres humanos que se uniram para que existíssemos. Essa é a grande responsabilidade de cada um de nós e o que nos faz únicos, mas globalmente ligados a todos os outros. Portugal é o seu povo. Não apenas o que existe hoje, mas todo o que por aqui passou e viveu, cristão e muçulmano, branco e negro. O que nos une é incomparavelmente maior do que aquilo que nos separa, monárquicos e republicanos, de esquerda e de direita, ricos e pobres, do norte e do sul — hoje e mais do que nunca, devemos lembrar-nos disto. Falar mal é fácil, difícil é ter a coragem de agir. Só unidos poderemos colocar Portugal no caminho certo, com rei e roque.