A Covid-19 é um problema de saúde pública que teve, e tem, como consequências o absentismo escolar e laboral e ainda a sobrecarga dos serviços de saúde. Face a estes problemas, temos vindo a colmatar essas adversidades com novas ferramentas de trabalho, nomeadamente o teletrabalho e, no caso da saúde, numa aposta forte na telemedicina.

Um dos muitos problemas decorrentes desta crise sanitária prende-se com o facto de as pessoas terem descurado a rotineira vigilância das suas doenças crónicas e o diagnóstico precoce de doenças agudas e crónicas com grandes possibilidades de remissão ou mesmo de cura. O pânico continua a fazer com que os doentes fujam dos cuidados de que precisam! As prioridades dos Cuidados Hospitalares foram profundamente alteradas e os indicadores dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) ficaram, compreensivelmente, comprometidos de forma a poderem, por um lado, prestar assistência e adotar as medidas necessárias para fazer face aos infetados pelo coronavírus e, por outro lado, reduzir ao mínimo a possibilidade de contágio da doença dentro do próprio sistema de saúde.

Apesar destas contrariedades, creio que ficou mais uma vez demonstrado que os CSP são decisivos no controlo e gestão das emergências de saúde pública. Graças aos seus profissionais de saúde, foi possível manter os programas de vacinação, os cuidados no domicílio dos utentes mais debilitados, o acompanhamento de grávidas, a gestão da doença aguda e o cada vez mais necessário apoio de saúde mental. Esta pandemia vai obrigar-nos a repensar os CSP em termos da viabilidade de continuidade e generalização de algumas das medidas implementadas nesta fase. Por outro lado, forçou a aposta na telemedicina, o que pode certamente promover um descongestionamento dos nossos serviços de saúde e programar a “normalidade” do funcionamento do sistema, tendo por base as experiências dos profissionais dos CSP no rastreamento dos doentes que mais necessitam da consulta presencial, bem como a prévia seleção e rastreamento dos casos prioritários.

Temos, igualmente, a questão já sinalizada da saúde mental face à clara propensão de aumento dos problemas sociais decorrentes da crise económica que vamos enfrentar. E teremos também a não menos importante questão da saúde oral, que afeta gravemente o acesso dos doentes a estes cuidados de saúde e a resposta dos profissionais desta área, quer no setor privado, quer no próprio Serviço Nacional de Saúde (SNS). Nesta área sensível, os médicos dentistas e restantes profissionais de saúde oral foram sujeitos à proibição da prestação de cuidados de saúde oral, salvo algumas exceções de urgências devidamente identificadas pela Ordem dos Médicos Dentistas (OMD). Estes foram os primeiros a serem forçados a encerrar (embora, responsavelmente, muitos tenham seguido essas recomendações ainda antes do decreto) e organizaram-se de forma a fornecer parte do seu equipamento de proteção individual a outros profissionais de saúde do SNS.

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Subjacente ao prolongamento do mesmo decreto, que determinou o encerramento dos consultórios e clínicas de medicina dentária, a retoma anunciada segundo as normas e orientações da Direção-Geral da Saúde e da OMD traz consigo uma certeza: manter-se-ão as dificuldades inerentes à implementação de mais algumas medidas que foram determinadas. É essencial reconhecer a importância desta rede de consultórios dentários privados, que prestam cuidados de saúde oral em todo o país, complementados muito recentemente com os profissionais do SNS. É necessário pensar e implementar medidas de apoio à população e aos médicos dentistas para fazer face às naturais consequências que afetam a saúde oral da população, decorrentes da ausência de muitos dos tratamentos que estavam a ser efetuados e de tantos outros a serem iniciados. Mais ainda, quando se prevê uma natural perda de poder de compra por parte da população face a todos estes constrangimentos.

Faz sentido reforçar o apelo à aprovação da carreira de médico dentista no SNS, para que estes profissionais possam dar uma resposta integrada no contexto de cuidados que são prestados nos centros de saúde. Urge melhorar as condições de trabalho e de carreira destes profissionais, pelo risco de desmotivação e degradação desta área de cuidados de saúde, consubstanciando a aposta efetiva na implementação destes cuidados por parte de muitas autarquias.

Além disso, urge também uma avaliação séria do Programa Cheque-Dentista, como vetor-chave para o acesso a cuidados de saúde oral por parte da população, dado que se o valor pago pelo Estado aos médicos dentistas aderentes por cada “cheque” já era manifestamente desadequado antes desta pandemia, o que diremos agora com o aumento brutal dos custos inerentes à logística que as futuras consultas implicarão!

É vital que a rede de consultórios de medicina dentária consiga sobreviver a esta crise económica. Parte substancial desses consultórios são PME’s e muitos deles são os únicos prestadores de cuidados de saúde oral em territórios de baixa densidade populacional. Um exemplo da clara ligação tantas vezes referida entre a economia e a saúde e que necessita da sinergia de forças entre o setor público, o setor privado e também do próprio setor social. Fica o alerta.

Membro do Fórum Saúde Século XXI