Os cuidados paliativos têm-se tornado cada vez mais relevantes em Portugal, à medida que a sociedade envelhece e a prevalência de doenças crónicas aumenta. No entanto, apesar de algumas melhorias, o país continua a falhar na resposta adequada às necessidades desta área. Cerca de 23% da população tem mais de 65 anos, e prevê-se que, até 2050, este número atinja os 35%. Este envelhecimento coloca uma pressão crescente sobre o sistema de saúde, tornando urgente uma reorganização, especialmente no que toca aos cuidados paliativos.
Em Portugal, estima-se que mais de 100.000 pessoas necessitem de cuidados paliativos todos os anos, mas apenas cerca de 30% conseguem aceder a esses serviços. Isto significa que mais de 70.000 doentes, muitos dos quais em fases terminais ou com doenças crónicas debilitantes, ficam sem o acompanhamento necessário. Esta falta de acesso contrasta de forma significativa com outros países europeus. No Reino Unido, por exemplo, cerca de 60% dos doentes que necessitam de cuidados paliativos conseguem ter acesso a eles, e na Alemanha esse número chega a 70%.
O défice de profissionais em Portugal é um dos fatores que contribuem para este cenário. Segundo o Observatório Português dos Cuidados Paliativos, existem cerca de 400 profissionais especializados, quando seriam necessários mais de 1.000 para uma cobertura adequada. Esta insuficiência reflete-se não só na escassez de equipas especializadas, mas também numa distribuição desigual, com serviços concentrados nas áreas urbanas e uma carência acentuada nas regiões rurais.
Para além dos problemas de acesso, a questão cultural em torno da morte é outro obstáculo a uma maior aceitação e desenvolvimento dos cuidados paliativos. A morte continua a ser um tema tabu em Portugal, tanto no seio das famílias como nas próprias políticas de saúde. Este silêncio em torno do fim da vida contribui para a ideia errada de que os cuidados paliativos significam desistir do doente. Pelo contrário, deveriam ser vistos como uma forma digna de assegurar que, quando a cura já não é possível, a qualidade de vida seja mantida.
Num estudo recente, 60% dos portugueses expressaram o desejo de morrer em casa, rodeados pela família, mas apenas 25% conseguem efetivamente concretizar esse desejo. Isto deve-se à falta de apoio domiciliário especializado, que é fundamental para garantir o acompanhamento adequado fora do ambiente hospitalar. Em países como a Suécia e a Noruega, onde existem programas de cuidados paliativos domiciliares bem implementados, entre 50% e 70% dos doentes conseguem passar os seus últimos dias no conforto dos seus lares.
A questão da morte digna também tem uma dimensão ética que merece uma discussão mais aberta. A sociedade portuguesa continua a privilegiar o prolongamento da vida a qualquer custo, mesmo quando os tratamentos médicos apenas contribuem para o prolongamento do sofrimento. É essencial que, como sociedade, questionemos se a insistência em tratamentos agressivos em fases terminais é a melhor abordagem. Oferecer uma morte digna significa respeitar a vontade do doente e proporcionar cuidados que aliviem o sofrimento, sem impor tratamentos desnecessários.
Para resolver esta situação, Portugal precisa de adotar uma estratégia robusta que aumente o número de profissionais especializados, melhore o acesso aos cuidados paliativos e promova a sensibilização da população para a sua importância. A criação de cursos específicos nas universidades para formar mais profissionais na área é uma solução prática que pode ser implementada rapidamente. Além disso, é fundamental aumentar os recursos destinados ao apoio domiciliário, para que mais pessoas possam passar os seus últimos momentos em casa, conforme o seu desejo.
Os cuidados paliativos são uma componente essencial de qualquer sistema de saúde desenvolvido. Ao garantir que todas as pessoas têm acesso a estes serviços, independentemente da sua localização ou condição económica, estamos a assegurar que ninguém seja privado de uma morte digna. Num contexto de envelhecimento populacional, ignorar este tema significa não só comprometer o bem-estar de milhares de doentes, mas também colocar uma pressão insustentável sobre o sistema hospitalar.
Os próximos anos serão decisivos para definir como Portugal encara a questão do fim da vida. É urgente que as autoridades de saúde implementem políticas que garantam o acesso universal aos cuidados paliativos, para que todos os portugueses possam enfrentar os seus últimos dias com dignidade e conforto. A morte não deve ser um tema evitado, mas sim discutido de forma aberta, como parte natural da vida. Garantir uma morte digna é um direito humano fundamental.