Setembro marca para muitos de nós o fim das férias e o regresso à “escola”. Para cerca de 50.000 pessoas, este regresso constituiu, recentemente, o início de um novo ciclo académico com a entrada na universidade pública portuguesa. Parece-me, portanto, uma excelente oportunidade para abordar, no contexto de uma coluna colaborativa dedicada à celebração dos “900 anos de Portugal” — concebida sob uma perspetiva cronológica ampliada —, os primórdios do fenómeno universitário em Portugal, nomeadamente a fundação da Universidade por iniciativa do rei D. Dinis (1279-1325).
Motivos para a fundação da Universidade em Portugal
Um dos grandes marcos da cultura portuguesa no período medieval foi a criação do Estudo Geral, designação pela qual a Universidade era geralmente conhecida nesse período. A sua fundação veio enriquecer e diversificar uma rede de instituições de ensino predominantemente eclesiástica, composta, até então, por escolas monásticas destinadas à formação interna de monges que viviam em comunidades beneditinas e cistercienses, e por escolas urbanas administradas pela hierarquia secular (bispos e cabidos) ou por ordens religiosas com uma vocação citadina, como os cónegos regrantes de Santo Agostinho e as ordens mendicantes, em particular os franciscanos e os dominicanos.
Quando D. Dinis decidiu promover a criação do Estudo Geral em Lisboa, o movimento universitário já tinha aproximadamente um século de existência no seio da Cristandade, com a fundação de instituições na Península Itálica (Bolonha, Pádua, Nápoles, Macerata), em França (Paris, Toulouse, Orleães, Montpellier), em Inglaterra (Oxford, Cambridge) e até mesmo na Península Ibérica (Palência, Salamanca, Múrcia). Para o monarca, não se tratava apenas de imitar o que se fazia nesses outros reinos, mas, sobretudo, de dotar o reino de Portugal de uma instituição de ensino reconhecida pelos poderes soberanos da Cristandade. Essa instituição formaria indivíduos capacitados para exercer atividades especializadas, validadas pela obtenção de um grau académico reconhecido e valorizado pela sociedade.
De facto, a criação da Universidade em Portugal teve motivações eminentemente utilitárias, pois oferecia uma alternativa viável para aqueles que não podiam arcar com as dispendiosas viagens e estadas em universidades estrangeiras. Embora essa fundação não tenha interrompido a ida de estudantes portugueses para as renomadas universidades de Bolonha, Paris, Montpellier e Toulouse — já que, tanto ontem quanto hoje, a peregrinatio academica permanece um elemento marcante na sociedade portuguesa —, ela facilitou a formação de indivíduos que posteriormente integraram as fileiras do oficialato régio e eclesiástico, num período em que essas instituições estavam em processo de consolidação e de complexificação.
Para D. Dinis, essa fundação foi igualmente carregada de simbolismo, pois posicionava-o como um continuador de um conjunto de monarcas — incluindo o seu avô, D. Afonso X, rei de Leão e Castela (1252-1284) — reconhecidos como “fazedores de escolas”. Dessa forma, ele juntava-se a soberanos que legitimaram o seu poder não apenas pela força ou pela herança, mas também pela capacidade de promover o saber e a educação entre os seus súbditos.
A fundação da Universidade como um processo
Em termos concretos, não é possível aferir um momento exato para a fundação da Universidade portuguesa, pois tratou-se de um processo decorrido entre 1288 e 1290, datas que correspondem aos únicos três documentos de que dispomos para a análise da questão.
O projeto teria ganho forma por altura de finais de 1288, quando vários clérigos ligados ao rei solicitaram a sua fundação ao Papa, através de uma súplica, datada do dia 12 de novembro, desconhecendo-se se alguma vez chegou às mãos do papa.
Passando a terreno mais sólido, sabe-se que o Estudo Geral já estaria em funcionamento em Lisboa no dia 1 de março de 1290, através de uma carta régia de proteção aos mestres e estudantes, na qual D. Dinis declara ter contratado um conjunto de professores e dotado a instituição de um conjunto de privilégios que, infelizmente, não especifica.
Para além do necessário ato de fundar, a Universidade só teria «existência legal» após um reconhecimento pontifício. Ora, desde as últimas décadas do reinado de D. Afonso III (1248-1279), a Coroa portuguesa mantinha um aceso conflito com o seu episcopado acerca da aplicação em Portugal dos direitos dos clérigos (liberdades eclesiásticas), o que levou os bispos, em 1267-1268, a interditar o reino, ou seja, a proibir a realização de cerimónias e atos litúrgicos (como os batismos, os casamentos e os funerais, ou a celebração das missas) em todo o território sob tutela da Coroa portuguesa. Nesse sentido, só após a resolução desse conflito, na Cúria romana, e do consequente levantamento do interdito (efetivado no dia 30 de junho de 1290), o papa se encontrou em condições de poder confirmar a fundação da Universidade. O então papa Nicolau fê-lo através de uma bula datada de 1 de agosto de 1290, que se revela importante pelo seu conteúdo sobre esta questão específica. Para além de reafirmar a proteção dos escolares e de promover a resolução dos problemas de alojamento que já, desde então, pareciam minar a relação entre os universitários e os lisboetas, o papa determinou os meios de subsistência da instituição e dos seus membros, ao possibilitar que a primeira recebesse rendimentos eclesiásticos provenientes de igrejas tuteladas pelo rei (ou seja, pertencentes ao padroado régio) e ao permitir aos segundos auferir os rendimentos de benefícios eclesiásticos em cabidos catedralícios e em igrejas paroquiais, sem que estes aí desempenhassem as suas obrigações litúrgicas, ou seja, sem que aí residissem. Por fim, o papa concedeu aos mestres e estudantes o importante privilégio de «foro», que lhes permitia, em caso de conflito, serem julgados por um tribunal eclesiástico, eximindo-se, portanto, às restantes justiças existentes na cidade (a régia e a camarária, sobretudo).
Universidade, um dos mais antigos pilares do país
A Universidade foi, sem dúvida, uma das mais importantes criações da Idade Média latina e uma das raras instituições que perduraram na sua função até aos dias de hoje. Com mais de 700 anos de existência, já não se limita à vocação de viveiro do oficialato régio e eclesiástico, porquanto a sua missão, hoje, é não só de formação, mas também de investigação e de produção e transmissão societal do conhecimento.
Nestas celebrações dos 900 Anos de Portugal, abordar a fundação da Universidade evidencia a importância de um dos pilares mais simbólicos da nossa sociedade, merecedora da atenção dos poderes instituídos, no âmbito da sua missão primeira de formar as mulheres e os homens de hoje e de amanhã.