Numa fase em que tanto se fala sobre corrupção e o seu peso efetivo na realidade económico-social do nosso País, são vários os dados que dão substância ao debate. Desde logo, um estudo recentemente publicado pela Comissão Europeia (Flash Eurobarometer), que nos coloca em perspetiva face aos restantes países europeus, designadamente da zona euro. O panorama não é animador e o facto de os empresários portugueses identificarem a corrupção como um dos maiores entraves ao nosso (seu) crescimento constitui mais um alerta relativo à relevância do fenómeno em causa. Afastando-nos dos mais céticos, reconhecemos que alguns (pequenos) passos vão sendo dados, designadamente a implementação voluntária por parte das empresas, com maior preponderância naquelas de dimensão multinacional, de programas de cumprimento normativo (vulgo mecanismos de compliance) através de canais de denúncia, no âmbito das suas boas práticas de governo, que se tem revelado uma experiência importante na deteção e sancionamento de infrações. Foi agora dado mais um passo, este “vindo de Bruxelas”, destinado a reforçar os meios de combate e prevenção à prática de infrações de distinta natureza: uma proteção mais adequada, reforçada e segura à figura do denunciante, o whistleblower que deu nome à primeira lei destina à proteção do denunciante, aprovada pelo Congresso norte-americano no longínquo dia 30 de julho de 1778.
Na realidade, a Diretiva (UE) 2019/1937 veio impor um conjunto de deveres para as empresas e de direitos para os denunciantes, a serem transpostos, até 17 de dezembro, para os ordenamentos de cada um dos Estados membros. No caso português, para além de alguns daqueles deveres já terem sido acolhidos no âmbito dos princípios enunciados na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024, a proposta de lei aprovada em Conselho de Ministros foi, em alguns casos, mais longe do que a própria Diretiva: a denúncia pode ainda incidir sobre corrupção, tráfico de influência e recebimento indevido de vantagem, com a pretensão de imprimir uma maior eficácia na prevenção e no combate à criminalidade económica.
São protegidos como denunciantes os trabalhadores da empresa que tomaram conhecimento das infrações que motivam a denúncia, mas também antigos trabalhadores, candidatos a emprego, sócios, administradores, gerentes, prestadores de serviços, facilitadores, colegas de trabalho ou familiares do denunciante e colaboradores voluntários ou estagiários, enfim todos aqueles que se encontrem numa situação de vulnerabilidade económica ou corram o risco de sofrer qualquer retaliação. Destaca-se a especial proteção que é dada à proibição de retaliação ao denunciante, estabelecendo-se expressamente a obrigação de o mesmo ser indemnizado caso tal venha a suceder.
Quanto aos meios de denúncia previstos na Diretiva – canais internos, externos e divulgação pública – o nosso legislador pretende ir mais longe, estabelecendo a obrigação da criação de canais internos para todas as pessoas coletivas com 50 ou mais trabalhadores com o objetivo de criar um meio rápido e desejavelmente eficaz de impulsionar a investigação de práticas ilegais e uma forma vantajosa para aqueles empregadores poderem identificar e enquadrar tais práticas a nível interno da empresa, preservando a sua imagem e reputação.
A criação de canais de denúncia é, como se deixou expressamente previsto na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024, um programa de cumprimento normativo suscetível de acarretar outros efeitos positivos para todas as empresas, nomeadamente quanto à sua responsabilidade penal, contraordenacional e administrativa, bem como para a determinação de uma pena, como forma de promover a resolução consensual dos conflitos decorrentes da prática de condutas ilegais ou, ainda, para uma eventual suspensão provisória do processo.
Os referidos canais devem ser seguros, de confiança, disponibilizando informação transparente, clara e fiável, exigindo-se aos seus operadores – Compliance Officer, Ombudsman, Vertrauensanwalt ou Consultor – o desempenho independente, imparcial, isento de conflitos de interesses. A confiança do denunciante dependerá também de lhe estar garantida a confidencialidade e a proteção da sua identidade, a segurança da gestão e do armazenamento da informação, com o impedimento de acesso por pessoas não autorizadas. O denunciante terá idêntica proteção à que é concedida às testemunhas em processo penal, ficando, ainda, isento de responsabilidade disciplinar, civil, contraordenacional ou penal, salvo quando a forma de obtenção das informações objeto da denúncia configure crime ou em caso de esta ser conscientemente caluniosa.
Em conclusão, a denúncia desempenha um relevante papel na prevenção e no combate da criminalidade, pelo que ao denunciante devem ser asseguradas condições para se sentir seguro, protegido e confiante nos meios postos à sua disposição quando decida dar conhecimento de práticas ilegais, devendo-o fazer sempre de forma livre, consciente, ponderada e responsável. É disso que vai depender a resposta ao ser ou não ser!