“Para a comunidade de negócios global, a principal preocupação para os próximos dois anos não são os conflitos ou o clima. São a desinformação e as informações erradas, seguidas de perto pela polarização no seio das nossas sociedades”, destacou Ursula Von Der Leyen na sua intervenção na Conferência de Davos.
Sob o lema “Reconstruindo a confiança”, a reunião deste ano do Fórum Económico Mundial ocorre num momento histórico de fortes tensões e expectativas geopolíticas e significativos desafios económicos: mais de 50% da população mundial, em cerca de 80 países vai a votos em 2024, como é o caso dos Estados Unidos, a guerra na Ucrânia, que está a pouco mais de um mês de entrar no terceiro ano e o conflito no Médio Oriente, iniciado pelo ataque do Hamas a Israel do passado dia 7 de outubro, e que entretanto ganhou uma escala preocupante, apenas para citar alguns exemplos.
Todos estes acontecimentos ocorrem numa maré crescente de desinformação que os principais líderes empresariais mundiais consideram como a maior ameaça à integridade das nossas democracias e à estabilidade global.
Apesar de não ser um fenómeno novo, a desinformação é fortemente amplificada pela revolução digital.
Com efeito, no passado, a desinformação era disseminada principalmente através de meios de comunicação limitados, como jornais, rádios e televisão, que possuíam filtros editoriais e um alcance relativamente controlado. No entanto, a era digital transformou radicalmente este cenário.
Com a internet e as redes sociais, o volume de informações disponíveis aumentou exponencialmente, assim como a facilidade e a velocidade da partilha. Qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, desde que tenha acesso à internet, tem a possibilidade de publicar ou disseminar informações, verdadeiras ou falsas, para uma audiência global. E quem diz informações diz imagens e vídeos, ou uma mistura de textos, sons e imagens, que acrescentam credibilidade e consistência àquilo que é partilhado. O nível de sofisticação da desinformação, que ganha uma nova expressão e relevo com o surgimento e aperfeiçoamento da Inteligência Artificial, é ao mesmo tempo espantoso e assustador.
O ritmo acelerado de circulação destes conteúdos dificulta a verificação da veracidade das informações antes que elas se tornem virais.
Sabemos que as plataformas sociais recorrem a algoritmos sofisticados para determinar as preferências dos utilizadores e visam maximizar o seu engajamento, ou seja, o seu envolvimento, reação e interação com conteúdos considerados os mais adequados para aquele utilizador em concreto. Esta situação, infelizmente, significa que informações sensacionalistas, polarizadoras, enganadoras ou mesmo falsas ganham destaque. E quando viralizam são fenómenos difíceis de contrariar.
O contexto digital é terreno fértil para a desinformação, que joga quer com emoções como o medo ou a raiva, quer com a “razão”, ao funcionar muitas vezes como validadora de crenças pré-existentes.
Os impactos da desinformação são vastos e multidimensionais, não se conseguem impedir, apenas mitigar.
No plano político, ela pode influenciar eleições, fomentar a desconfiança nas instituições, incitar a violência, discriminar grupos de pessoas, descredibilizar e destruir a reputação de adversários políticos… Economicamente, pode prejudicar mercados e empresas e desvirtuar a concorrência, especialmente quando se trata de fazer circular falsidades sobre práticas comerciais ou produtos. Socialmente, contribui para a polarização, erodindo o tecido da comunidade e o diálogo construtivo.
A desinformação pode levar a tudo, desde protestos violentos até ao terrorismo.
As eleições em grandes economias este ano não são apenas sobre quem ganha ou perde: são um campo de batalha na luta contra a desinformação. A integridade das nossas democracias e a estabilidade global dependem da nossa capacidade de discernir a verdade no meio do caos informacional.
Chegamos a um ponto em que estamos cada vez mais interconectados e cada vez mais divididos e afastados. Como então podemos navegar neste oceano agitado?
Diversas têm sido as soluções apontadas: colaboração internacional, regulamentação transversal, programas de promoção da literacia mediática e digital, criando sociedades mais informadas e resistentes.
Mas, como alertou o presidente do Fórum no seu discurso de abertura: só existe uma forma de mudar este estado de coisas. “Temos de reconstruir a confiança no nosso sistema, a confiança em nós próprios, confiança no futuro e confiança na capacidade de ultrapassar os desafios. E dizia ele, confiança não é só um sentimento. Confiança é um compromisso para a ação, uma crença uma esperança”.
E reconstruir a confiança nas instituições políticas requer um compromisso de longo prazo com a sua integridade e transparência, sempre acompanhadas pela necessária responsabilização e penalização por condutas erradas.
Fica o alerta.