Convidado da Oficina da Liberdade
Talvez tenha sido a menos discutida de todas as alternativas para o novo aeroporto de Lisboa. Tão menos discutida que só tive conhecimento dela porque alguém das minhas relações fazia parte da equipa proponente. Estou a falar da solução Alverca com “shuttle” (comboio-automático dedicado) para a Portela. Lembro-me de ter ouvido isto pela primeira vez e ter ficado a pensar “não, isto deve ser impossível”. É que a solução era tão menos complicada que todas as outras que certamente tinha um qualquer insanável problema de engenharia. Minha alma pasmou quando a tal pessoa das minhas relações me veio dizer que, na verdade, era a solução que tinha o apoio da única pessoa que alguma vez contruiu um aeroporto neste país: a que engendrou o genial prolongamento do aeroporto da Madeira (entre outros especialistas das outras engenharias).
E o resto, o TGV, a ponte…? Pois, parece que tudo o resto ficaria muito mais barato. A travessia do Tejo a montante do rio sai muito mais barata que uma ponte de 8km que fica entre as duas próximas que já existem e todo o traçado do TGV seria beneficiado com o terminal de Lisboa em Alverca. Então porque é que esta não é a solução escolhida? Mais, se o único engenheiro que fez aeroportos neste país é o que apoia a solução Portela T1 – Alverca T2 ligados por shuttle, então em que experiência se apoiam as outras soluções? Reparem que não estou a dizer que não são capazes de construir um aeroporto, mas a verdade é que nunca o fizeram. O pior é que aquilo que aparece nas notícias como justificativo para as soluções escolhidas são “estudos de impacto económico” com pressupostos como “a Portela acaba” e fica um hub para a TAP. E isto é que acaba com a minha pachorra, é a mesma história ruinosa outra vez.
Se apanhei tudo bem- e vos garanto que também nunca fiz um aeroporto na vida, embora isso não pareça ser um handicap para decidir fazer um – aquilo que justifica fazer um aeroporto novo é que o velho já não chega, mas o novo que escolhemos só se justifica se deixar de haver o velho. Mais, tem de ser algo que sirva para um hub de transporte aéreo que os aeroportos espanhóis, que vivem ordens de grandeza acima do tráfego nacional, nunca foram; e para alojar uma companhia aérea nacional que luta pela sobrevivência trimestre sim, trimestre não, até ser comprada por alguém estrangeiro que saiba como funciona esse negócio. Toda a história, do princípio ao fim, é o exemplo perfeito de “destruição de capital”.
Destruição de capital não é gastar dinheiro para nada. Essa atividade, parecendo desporto nacional, não é, nem de perto, o problema que mais nos aflige. Aquilo que nos aflige enquanto país é a forma como deitamos fora aquilo que conseguimos, em troca de mais dinheiro para quem não consegue nada.
Temos um aeroporto, que é insuficiente, pequeno, que gera um inferno de atraso. Mas funciona. Não funciona para o fluxo de voos que prevemos ter, mas funciona. Há ali muito trabalho, muito conhecimento, muita experiência acumulada (capital!) que se o aeroporto novo for muito melhor, então, paciência; a atividade vai-se reduzindo até ao ponto em que se torna um aeroporto com os seus atrativos. Quem se habituou a viajar quase semanalmente para Londres, sabe que a cidade, tendo 4 ou 5 aeroportos nos subúrbios, continua a ter um ao lado da zona financeira que, obviamente, não pode receber grandes aviões, mas continua a funcionar.
Porque é que o novo aeroporto precisa da destruição do velho? Esse seria sempre o primeiro sinal de que o novo aeroporto é um desperdício porque obriga à destruição desse capital para justificar o investimento. Até dava de barato que um aeroporto em Alcochete fosse a melhor das soluções em termos de engenharia de transportes, logística, aeronáutica e o diabo-a-sete. Quando me dizem que a sua viabilidade depende de destruir a Portela é quando me dizem que nada disto tem a ver com aeronáutica.
Depois, temos uma equipa nacional que inclui a experiência de construir aeroportos cujo capital foi deitado fora porque a sua opinião não coincidia com a solução desejada por alguém. Não querendo desprezar a importância de tantas pessoas que sabem fazer contas de vezes, vão me perdoar a grosseria da afirmação de que experiência serve para qualquer coisa. Senão contratávamos estagiários do Técnico que ainda ontem fizeram os exames todos e têm tudo fresquinho na cabeça, não estivessem eles já de malas e bagagens prontas para outras paragens onde o capital é mais valorizado que o dinheiro.
A continuação da companhia aérea é outra história de destruição de capital. Claro que ali também se encerram décadas de conhecimento e de experiência. O período Neeleman foi, aliás, um dos períodos onde mais conhecimento foi gerado dentro daquela companhia, com várias experiências a serem feitas e adotadas que não existiam em companhia nenhuma do mundo. Capital esse destruído pelo governo para alimentar clientelas. É razoavelmente unânime, até para os responsáveis dessa destruição de capital, que a salvação de companhia terá de ser feita pela entrada de capital de outra empresa do sector, mais que pela entrada de dinheiro. De alguém que saiba o que está a fazer e não de um qualquer jota curioso transformado em decisor político com motorista e pose de gente.
Agora, é isto uma surpresa? Surpresa seria se a solução escolhida não fosse a mais cara, certamente desenhada para conseguir ir buscar o máximo de dinheiro a Bruxelas. Deve haver um bolão de euros à espera de que o governo português se possa lambuzar em orgias de planos, de estratégias, de hubs e de plataformas. Isto é, no fundo, a história de Portugal nos últimos 20 anos, gerido por outra ilustre comunidade de pessoas que sabem fazer contas de vezes e letradas em enriquecer contextos; e muito poucas a quem o conceito de saber fazer seja familiar.
Verdade seja dita, no entanto, que para ser suporte de praia, este capital é mais do que suficiente e que as escolhas do governo português são, neste pressuposto, perfeitamente adequadas à estratégia de reunir o capital suficiente para saber servir à mesa e conduzir um TVDE de Benavente para o Chiado. No fundo, aquilo que o governo da república nos está a gritar aos ouvidos é uma expressão já muito ouvida de “quem está mal, muda-se!”. Importante não é aquilo que nós construímos, é aquilo que eles venham a ganhar. A conclusão mais óbvia, é aquela que os nossos filhos já aprenderam há algum tempo: vamos construir para outro lado.
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Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.
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