Nove de novembro é o Dia Mundial da Adoção, um dia para a sensibilização e consciencialização da sociedade sobre a importância da realidade da adoção de crianças e adolescentes em todo o mundo. A adoção é uma experiência cheia de desafios, tanto para os filhos e filhas que são adotados, como para os pais e mãe que adotam. O apoio procurado e proporcionado neste processo é fundamental para que o mesmo possa correr com o maior êxito possível.
Hoje chamamos a atenção para projetos de apoio à adoção, através dos testemunhos de três pais e mães adotantes, Gonçalo de Oliveira, pai de dois filhos e uma filha, Maria Sequeira Mendes, mãe de um filho e uma filha, e Rita, mãe de um filho.
No caminho desafiante da adoção, os pais sentem que é indispensável ter acompanhamento e apoio para fazer face, oportunamente, às necessidades das famílias, sobretudo no período de pós adoção. Como nos partilhou a Rita: “Ser mãe adotiva é desafiante – e acredito hoje que diferente. O amor será o mesmo, mas os desafios maiores. Há leituras que é preciso fazer, questões básicas que é preciso compreender, estratégias específicas para implementar. Há que ter muito amor, paciência, mais amor, mais paciência”.
Estas famílias, que adotaram uma ou mais crianças e/ou adolescentes, falaram-nos acerca da enorme dificuldade que sentiram para terem acesso a recursos e serviços disponíveis em Portugal que lhes permitisse ter apoio para fazer face às necessidades sentidas no período de pós adoção para os ajudar a lidar com a adaptação e os diferentes desafios que vão surgindo. Como referiu a Maria: “Quando adotei havia muito poucos recursos disponíveis em Portugal, por isso comecei a procurar o que havia lá fora e descobri uma série de livros, sites e vídeos que me ajudaram muito a compreender melhor os meus filhos”.
Estes pais adotantes relataram sentir necessidade de mais apoio e informação, sobretudo sobre estratégias na fase de pós-adoção. Rita mencionou-nos que, além dos seus próprios recursos: “Precisa de extra ajuda, de extra compreensão, de extra cuidado na abordagem, de ferramentas extra a si ajustadas e adequadas”. Este apoio pode verificar-se nomeadamente quanto à satisfação de necessidades de saúde mental das crianças e adolescentes adotadas, particularmente ao nível da sua gestão emocional, para lidarem com traumas passados. Em particular, Maria referiu-se aos efeitos de uma longa institucionalização na emergência de dificuldades a nível emocional: “Não conseguimos ajudar os nossos filhos se não os compreendermos e, em Portugal, não havia informação nenhuma sobre dificuldades de integração sensorial, síndrome neonatal, como ajudar uma criança que sobreviveu a abuso sexual, qual o impacto e o que são as experiências adversas na infância, etc.”.
No âmbito dos processos de adoção, é importante compreender e considerar o impacto das histórias de vida traumáticas que acompanham as vivencias das crianças e adolescentes adotados, frequentemente vítimas de longos períodos de institucionalização. Rita testemunhou que “As crianças adotadas têm comportamentos que poderiam ser tipificados. Advêm do trauma e da reação que tiveram de ter para sobreviver. Umas são maravilhosas, outras muito duras num dia-a-dia e numa sociedade que não os conhece ou entende. Advêm de institucionalizações prolongadas. Advêm de atrasos neuro cognitivos que os fazem ter várias idades: a biológica (do CC), a emocional, aquela a que regridem / avançam quando algum interruptor os leva a situação que ficaram marcadas no seu ADN, nos seus tecidos, nas suas emoções. O trauma fica ‘impresso’ no corpo e sem as ferramentas de vinculação que um adulto diariamente presente e cuidador ajuda a adquirir, a criança fica ‘coxa’, não literal, mas emocionalmente.”
É muito importante que estes pais não se sintam sozinhos na sua caminhada de adoção e que tenham um apoio precoce atempado e adequado. Para ser eficaz este apoio deve caracterizar-se por ser contínuo e de fácil acesso. Proporcionando uma ajuda na gestão de expetativas da adaptação ao exercício da parentalidade, prevenindo ou diminuindo os eventuais sentimentos de frustração, de isolamento e de stress que trazem instabilidade ao seio familiar. A este propósito, Rita partilhou que: “sentimo-nos sozinhos. Outros pais, pela via biológica, dizem-nos: o meu também fez, isso passa, os miúdos assim, as coisas assado. Mas há um sentimento de que, com o nosso, não é bem assim. E esse sentimento é real. Não são mesmo assim, há mais camadas para entender, mais processos para perceber, mais ferramentas a precisar”.
Gonçalo, referiu que foi através da partilha da sua experiência de pai adotivo nas redes sociais, que acolheu mensagens de muitos outros pais e mães, com pedidos de conselhos: “Quando o meu primeiro filho chegou, em 2018, comecei a partilhar, nas redes sociais, algumas frases engraçadas que ele dizia e algumas “saídas” inesperadas para uma criança de apenas 4 anos, à época. Este ato espontâneo acabou por motivar uma série de mensagens a questionar sobre o processo de adoção, o seu funcionamento e surgiu, naturalmente, um pedido de aconselhamento”.
O apoio aos pais adotantes deve basear-se na partilha de informação sobre alguns dos recursos existentes em Portugal para as famílias adotivas, como boas práticas na promoção dos direitos e proteção das crianças e adolescentes adotadas e das suas famílias:
O PAI P’RA TODA A OBRA é um projeto sob a forma de blog que tem várias valências, nomeadamente, a produção de palestras e formações (em municípios, entidades, empresas), com grande destaque à formação nas escolas, focadas numa partilha regular de informação relevante sobre adoção (processo e vivência). Também utilizando as redes sociais, para realizar esta informação através de vídeos, algumas vezes desconstruindo, pelo humor, ideias pré-concebidas, como nos referiu o autor deste projeto, Gonçalo de Oliveira: “A 19 de Março de 2021, acabei por decidir criar um projeto, ao qual chamei “Pai pra toda a obra”, com o intuito de partilhar, não só a nossa história de adoção, mas também garantir algum suporte a quem, de alguma forma estivesse envolvido na adoção de crianças e jovens em Portugal e também às questões da homoparentalidade, onde existe ainda um caminho a percorrer em termos de conhecimento e informação. De forma natural o projeto foi crescendo e assumindo contornos cada vez mais profundos, pela deteção que fui fazendo, com base na minha experiência pessoal e das experiências que iam chegando através de outras famílias (…) O apoio que presto assenta numa lógica de lugar seguro, onde todas as perguntas, dúvidas ou questões são válidas e feitas e respondidas em total sigilo, sem julgamento”.
Para outros pais e mães, como a Maria, este projeto foi de grande ajuda na antecipação de situações e problemas: “O “Pai p’ra toda a obra” ajudou-me imenso a antecipar o que iria acontecer ainda antes de ter os meus filhos, pois o Gonçalo explicava passo a passo como tinha sido o seu processo. Hoje em dia, confesso que adoro os vídeos do Instagram, que, com imenso sentido de humor, desfaz situações muito comuns na vida das pessoas que adotaram e muitas perguntas mais tolas que ouvimos como: — Ah, eles são mesmo irmãos? “.
Este tipo de abordagem ajuda a desmistificar os mitos e os medos da adoção, validados por discursos vivenciados, que fazem os pais e a mães sentirem-se menos sozinhos. Sobre isto, Rita relatou: “Foi também aqui que reencontrei pessoas do passado, como o autor do Pai P’ra Toda a Obra que desmistifica e normaliza alguns dos sentimentos que eu tive neste processo todo. À semelhança de outros temas, é preciso falar mais sobre a adoção. Sobre as crianças adotadas. Sobre estas famílias que tantas e tantas vezes se sentem sozinhas e incompreendidas. E é a aldeia dos outros adotantes e adotados que os vai salvar – sem detrimento do todas as outras aldeias que temos e construímos”.
Um outro projeto é o site CREATING A FAMILY que tem vários recursos disponíveis para as famílias de adoção, entre eles, vídeos, “podcasts” e cursos para pais, assistentes sociais, familiares e amigos. A Maria falou-nos dele: “Um dos sites que comecei a seguir depois da adoção chama-se Creating a Family. Este pertence a uma associação americana que ajuda famílias adotivas, de acolhimento e kinship (quando um familiar como um avô ou uma avó, um tio ou uma tia toma conta da criança porque os pais não podem)”. Entre si, os pais adotantes devem vantajosamente partilhar as experiências de apoio que vivem. O Gonçalo referiu-se a essa vantagem: “Mais tarde, estreitámos laços e começámos a ter contacto regular e foi, também, através dela (Maria) que cheguei à “Creating a Family”, uma associação americana que apoia um grupo de pessoas em “pós-adoção”, com muito trabalho feito na área”.
Outro projeto ainda é o do site ADOTAR E ACOLHER: “Este site tem como objetivo ajudar pais, cuidadores, família alargada, amigos, assistentes sociais, psicólogos e pediatras a navegarem nas águas da adoção e do acolhimento. Os textos aqui presentes dirigem-se particularmente aos pais e cuidadores, pois serão eles os principais responsáveis no acompanhamento das crianças”. A sua autora, Maria Sequeira Mendes refere que o sítio surgiu da necessidade de encontrar recursos, da ideia de construir um sítio de suporte à parentalidade adotiva: “A ideia do site começou a pouco e pouco, à medida que fui conhecendo outros pais que também tinham adotado e que tinham dificuldades diferentes das minhas. Fui traduzindo recursos para eles e a certa altura tornou-se claro que era preciso sistematizar tudo e criar um site que fosse uma espécie de biblioteca”. A Rita testemunhou, o enorme apoio que sentiu deste sítio: “mais tarde eu conhecia-a também. Maria Sequeira Mendes. Autora do site https://www.adoptareacolher.pt, estudiosa, alma generosa, preocupada com o que os recém pais podem ter de dúvidas, falta de apoio, necessidade de estratégicas específicas. Os telefonemas de apoio, ajudaram imenso. Com ela, e com toda a bibliografia, fichas, estratégias que comigo partilhou, percebi que tudo melhora e que uma desregulação não dura para sempre e que nós, os pais adotivos, temos de saber ser os melhores pais possíveis naquele momento específico”.
Gonçalo acrescentou os ensinamentos e respostas que este sítio lhe trouxe: “Relativamente ao site “Adotar e Acolher”: Conheci o trabalho da Maria Sequeira Mendes através das técnicas da SCML, e comecei a seguir este trabalho. A Maria é dotada de uma resiliência enorme e uma busca incessante pelo conhecimento e pela ciência em torno da adoção e do acolhimento familiar. E foi no site que encontrei muitas respostas às questões, tantas vezes existenciais, que tinha sem resposta”.
Neste conjunto de testemunhos encontramos referências a boas práticas na promoção dos direitos e proteção das crianças e adolescentes adotadas e das suas famílias, que nos impelem a refletir sobre a necessidade de apelar a um maior investimento político neste âmbito, nomeadamente, ao desenvolvimento uma perspetiva mais sistémica para as políticas da infância e juventude, com o objetivo de que os serviços e recursos de apoio à pós-adoção possam ser melhorados e individualizados com a respetiva alocação de recursos humanos, técnicos e financeiros para responder às necessidades de apoio às famílias adotantes no contexto da sua vida diária.