A definição por parte da Organização das Nações Unidas do Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e Desenvolvimento (que se celebra anualmente desde 2003 a 21 de Maio na sequência da Declaração Universal de Diversidade Cultural da UNESCO de 2001 declara o primado pelo respeito pelo pluralismo cultural nas suas múltiplas expressões, visando a cooperação entre grupos e sociedades, a partilha de conhecimento entre culturas e o diálogo intercultural entre povos. Identificada como património comum da humanidade, a diversidade cultural assume-se como potenciadora de desenvolvimento global, garantida que esteja a assumpção de não primazia de um dado povo, grupo ou sociedade e dos seus valores, crenças ou normas sobre outro, no cumprimento do estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Sendo a experiência humana transversal e universalmente influenciada por factores culturais, integradas que estão as pessoas num determinado contexto interpessoal, social, político e económico (níveis cujos elementos reciprocamente interagem), são inequívocas as implicações de tais factores no modo como a saúde mental é conceptualizada, na definição de prioridades por parte dos diferentes agentes por ela responsáveis, nos padrões de procura de cuidados neste domínio e na forma como a relação terapêutica é estabelecida.

Em contexto europeu, teve lugar entre 13 e 19 de Maio de 2024 a quinta edição da Semana Europeia da Saúde Mental, uma iniciativa dirigida à sensibilização da relevância da saúde mental para o bem-estar e qualidade de vida dos povos e que este ano deu destaque ao processo de co-construção do seu futuro. Num continente em que a ampliação do pluralismo cultural não se vê necessariamente acompanhada pelo seu respeito, a ênfase na acção concertada para cuidados e respostas de saúde mental acessível a todos requer a consideração de cada indivíduo, das suas necessidades e especificidades. Tal assume-se como particularmente relevante quando se atende à referida ampliação da diversidade cultural por efeito de fluxos migratórios (neles não se esgotando, naturalmente).

De facto, está documentada uma maior prevalência de problemas de saúde mental entre a população migrante, cuja agudização se associará à migração que decorra não da vontade, mas da necessidade (cuja existência, em si mesma, se constitui simultaneamente evidência e factor acrescido de vulnerabilidade). A menor disponibilidade de redes de suporte social, o desenraizamento cultural e identitário que se lhe associa, intensificado pelas muitas vezes débeis condições de acolhimento de migrantes e a existência de crenças estigmatizadoras por parte das comunidades receptoras, colocam estas pessoas (ainda mais) em risco de satisfação de necessidades e direitos básicos, nomeadamente de saúde mental que atendam ao que culturalmente assumem como específico da sua identidade cultural.

O potencial de desenvolvimento advogado pela ONU vê-se adicionalmente colocado em causa quando a prestação de cuidados de saúde mental se assume como monocultural e não é sensível à diversidade dos que desses cuidados beneficiariam, não apenas não lhes dando voz, como impondo-lhes um discurso de normatividade/não-normatividade (ele mesmo social e culturalmente construído), antitético a tal diversidade. Por oposição, a consideração das múltiplas perspectivas a partir das quais uma determinada realidade pode ser observada ou experienciada aporta-lhe profundidade e multidimensionalidade, num movimento que enfatiza a multipotencialidade e respeita a singularidade de cada indivíduo e, deste modo, antagoniza a adopção de posicionamentos lineares ou simplistas e por isso rígidos e restritivos.

Neste sentido, o processo de co-construção da saúde mental, de carácter colaborativo e assente no diálogo, exige o envolvimento e participação activa de todos, na que é uma responsabilidade por todos partilhada. Dia 9 de Junho de 2024 é (também) por tudo isto um dia importante. As eleições para o Parlamento Europeu representam uma oportunidade (e dever) de usar voz e contribuir para que o respeito pela diversidade cultural e a ênfase atribuída à saúde mental não se celebrem exclusivamente em Maio.

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