Não partilhando da famigerada ideia de Eurico Brilhante Dias de que “ganhámos com a COVID-19”, nunca como na sequência da pandemia foi dada tanta atenção, globalmente e a nível nacional, à Saúde Mental como temática de assaz relevância. Sabendo-a integrante da definição holística de Saúde, como reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), está inscrita como elemento dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável preconizados pela ONU até 2030.

O hiato entre a crescente prevalência de problemas de saúde mental (e respectivas implicações, também económicas e financeiras) para os próprios e suas comunidades e o investimento real que é a estas condições, à sua prevenção e à promoção da saúde mental é inequívoco, acelerando as discrepâncias no acesso e sua qualidade a cuidados especializados.

Sensíveis a tal parecem estar gradualmente empresas e organizações (progressivamente cientes dos custos associados do stress e dos problemas de saúde psicológica no trabalho, sistematizados no relatório da Ordem dos Psicólogos Portugueses) ao promoverem formação de largo espectro em literacia em saúde mental, actividades diversas de sensibilização e responsabilidade social neste domínio e incitarem a generalidade dos seus trabalhadores a desenvolver competências de autocuidado ou gestão de stress. Comunicando aos elementos que compõem a organização uma atenção e cuidado às suas necessidades, consentâneos com os reconhecidos desafios com que os diferentes intervenientes se confrontam, estas iniciativas estão genericamente em linha com as recomendações da OMS referentes à Saúde Mental no Trabalho, assumindo-se como necessárias e relevantes, também na imperativa diminuição do estigma associado a problemas de saúde mental.

Necessárias e relevantes, de todo suficientes (como, aliás, também postula a OMS). De todo suficientes e potencialmente paradoxais, se as práticas da instituição, a montante, divergirem dos propagados atenção e cuidado às necessidades dos seus intervenientes e se constituírem elas mesmas como factores de risco para um menor bem-estar e desenvolvimento de problemas de saúde mental. De entre os mesmos podem constar a monotonia das tarefas, a carga horária e volume de trabalho, as condições físicas e de equipamento, o diminuto envolvimento dos intervenientes nos processos de tomada de decisão, a comunicação ambígua, as relações interpessoais conflituosas com pares e/ou chefias, a ausência de oportunidades (reais) de desenvolvimento individual e de progressão na carreira, os baixos salários… poderíamos continuar.

A não consideração (e consonante acção) por parte das organizações (essas entidades compostas por pessoas) dos factores que aumentam o risco de menor bem-estar e desenvolvimento de problemas de saúde mental dos seus trabalhadores concomitante à realização de iniciativas dirigidas junto dos mesmos para a promoção desse bem-estar e saúde mental assumem-se pois como paradoxais. E é ténue a linha que separa o paradoxo da perfídia, pois ao escusarem-se de actuação suplementar e integrada, colocam de modo exclusivo no indivíduo o ónus da responsabilidade pela sua saúde mental, como se desprovido do contexto, num processo que transita da responsabilização à culpabilização, do pretenso cuidado ao mau-trato.

Outra direcção é pois requerida para que se faça jus à Saúde Metal como Direito Universal, mote da Federação Mundial de Saúde Mental para as celebrações do 10 de Outubro como dia Mundial para a Saúde Mental.

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Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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