Chegámos ao Porto 98.4 FM Em Lisboa 98.7 FM Joana Almeida Seguir Do que falamos quando falamos de inclusão? /premium Numa escola inclusiva, são os professores, com toda a responsabilidade que lhes está inerente, que ajudam a regular, a equilibrar as expectativas e as aflições de muitos pais. 16 Nov 2018, 00:41 836 O conceito Inclusão poderá parecer simples, mas no que toca à Educação tem demonstrado um historial difícil. Um historial que já revogou duas leis e onde ainda andamos a tentar perceber o que podemos fazer para que esta seja uma sociedade inclusiva.O novo ano letivo trouxe consigo mudanças fortemente significativas naquilo que se espera ser uma nova cultura de escola. Uma filosofia que há muito se tem vindo a apregoar em inúmeros fóruns e conversas e que permaneceu em fila de espera até agora. O novo Decreto-Lei 54/2018, que veio substituir o antigo Decreto-Lei 3/2008 e que tutela as medidas educativas, consigo traz, também, um manual como documento orientador para uma Escola Inclusiva. A sociedade evoluiu para deixar de esconder e não olhar como parte integrante pessoas com deficiência, para perceber os seus direitos e deveres enquanto cidadãos. Mas à revelia do que a evolução nos poderia dar, ainda precisamos de um Manual para a Inclusão. Ainda estamos no tempo em que precisamos de, perante o que é diferente, encontrar respostas que negamos estarem em nós (de repente esquecemo-nos de ser professores e focamo-nos apenas na nossa amarra a um currículo, a um formato único a que historicamente não temos conseguido escapar). Na falta de tempo e disponibilidade e perante aquilo a que não conseguimos responder exigimos, única e exclusivamente, respostas a determinados departamentos. Saímos de cena e delegamos as Necessidades Educativas Especiais (NEE) para um espaço específico dentro da escola.Ao não compreender e fugir para o nosso mundo, mais confortável e seguro, tomamos as dores (de longe) dos “outros” aplicando-lhes toda a nossa condescendência. Afinal são “NEE”, são diferentes, não aprendem da mesma maneira. Quando estão na aula deixo-os sossegados, não chateiam, estão “integrados” numa sala. A colega do lado ajuda porque não tenho tempo a perder e há matéria para dar. Esquecemo-nos que, na maior parte dos casos, “perder” cinco minutos no final da aula com um aluno é ganhar cinco minutos na relação, essencial para o sucesso, professor-aluno.As amarras a um currículo, a um formato e a condescendência latente aos alunos “NEE”, que ainda não se safaram dos rótulos, continuam a ser um dos maiores desafios a ultrapassar. Assumo-me como muito impaciente no que toca a títulos e mensagens condescendentes. O palavreado por vezes rebuscado que arranjamos para denominar qualquer aspeto, quer físico ou intelectual, com receio de ferir suscetibilidades por parecer menos socialmente aceite, ou quando suavizamos a postura e palavras para tornar o nosso discurso “mais fácil” de ser compreendido pelo “coitadinho”, é no meu entender uma enorme falta de respeito. É o mesmo sentimento quando oiço, em reuniões de conselhos de turma, “Como ele faz (fazia) parte do D.L. 3/2008 e tem um PEI (Programa Educativo Individual), eu dei-lhe um 3”. Como se existisse um documento que servisse de um passe livre para “ir andando” pela escola sem definir objetivos que devem ser, igualmente, exigentes e rigorosos, dentro do perfil de funcionalidade de cada aluno. Esta é, infelizmente, ainda a realidade de muitas escolas, por muito decreto que se elabore ou organize. Porque ainda há um desenho de escola que (ainda) não consegue corresponder à pluralidade existente. Apontar falhas e fragilidades ao antigo Decreto Lei 3/2008 foi recorrente à medida que foi sendo implementado. Existiam constrangimentos identificados, objeto de reflexões contínuas. Este novo projeto (Decreto Lei 54/2018) pretende não só responder às fragilidades encontradas como ir mais além, revolucionando a conceção de currículo e de aluno nas suas várias valências. Sou favorável a esta nova legislação, com a salvaguarda de que devem continuar a existir, como solução possível e não descentralizadora, outras estruturas e instituições que possam continuar a responder a casos de fim de linha. Encará-los como desnecessários não é fechar os olhos à Inclusão, mas sim fechar os olhos à realidade. Mas sou sobretudo favorável a um novo paradigma que responsabiliza toda a comunidade escolar por todos os alunos não se fechando em gabinetes, em salas e em departamentos e que, acima de tudo, não assuma todos como Manel e todos como Maria.A verdade é que, com decreto ou menos decreto, nos temos vindo a esquecer de ser professores. Temos atualmente toda uma comunicação social e uma grande parte da sociedade a querer endireitar os professores, mas esquecem-se que são os professores, os bons professores, que nos conseguem endireitar. E que numa escola inclusiva são os professores, com toda a responsabilidade que lhes está inerente, que ajudam a regular, a equilibrar as expetativas e as aflições de muitos pais e que ajudam a percorrer um caminho que traz grandes ansiedades a ambos. São os professores que conversam com os pais regularmente; que estão disponíveis para ouvir; que sabem avaliar pedagogicamente um aluno; que sabem aquilo que necessita e dominam as técnicas e as ferramentas para chegarem a bom porto. São os professores que nos endireitam quando ligamos assustados sobre os nossos filhos. São eles que às vezes chegam a conhecer melhor um filho (sim, acontece). E são eles que endireitam os pais quando os chamam a assumir as suas responsabilidades.A Inclusão não é, nem nunca poderá ser, condescendência. Pelo contrário. Numa corrida de 100 metros quem é coxo pode fazê-la na mesma, mas não podemos exigir a mesma velocidade. Podemos no entanto exigir, como direito e dever, que o aluno a faça. A Inclusão é um estado. Não pode nem é decretada, é sentida.Inclusão é a responsabilidade de perceber e conhecer os seres humanos por detrás dos alunos, independentemente do seu background e do seu ponto de partida. É exigir, dentro do seu perfil, aquilo que percebemos que pode corresponder, nunca nivelando por baixo, por respeito e dignidade. Inclusão é o dia em que não me amedronto com rótulos ou diagnósticos e quando encaro aquele aluno, todos os alunos, como mais um desafio, já sem manual e de preferência com amarras menos apertadas.Professora ‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.