Poder-se-á dizer que é devido à sua inalterável natureza conflituosa, que se encontra a raça humana condenada a reviver as mesmas guerras, os mesmos conflitos, as mesmas querelazinhas e são elas as mesmas, pois possuem todas, na sua origem, o desejo de obtenção de poder. É indiferente quem o quer e pouco importa o que vai com ele fazer. Tudo se resume ao mesmo. Derrama-se todo o sangue de toda uma nação e porquê? Para que um qualquer, que no trono se senta, possa pesar um pouquinho mais na balança internacional. Só é pena que, para além de conflituosa, a natureza humana seja, também, cega, pois os que lutam no campo de batalha não veem que não lutam pelo seu bem, nem por alguma nobre causa que lhes foi vendida pela propaganda, lutam somente para satisfazer os interesses individuais daquele que os mandou lutar. A invasão russa da Ucrânia é, de certa forma, exemplo disso, pois lutam russos e ucranianos para satisfazer um antigo desejo do presidente russo: reverter, o que ele apelidou, como o maior desastre geopolítico do século – o colapso da URSS.
Sublinho a seguinte frase de Tucídides, presente na História da Guerra do Peloponeso: “The strong do what they will and the weak suffer what they must.” (Os fortes fazem o que querem e os fracos sofrem o que devem.) pois, neste mundo anárquico, onde não há um superior poder para subjugar os fortes e proteger os fracos, cada Estado deve preservar a sua própria segurança, pelo que ao cenário internacional, tapado pela aparente cooperação, subjaz um campo de conflito e competição. O jogo de poder que desencadeou a invasão da Ucrânia é, bastante claro, tendo sentido a Rússia, um Estado mais forte, que a Ucrânia, um Estado mais fraco, estava a fugir da sua esfera de influência, recaindo na órbita da Europa Ocidental e dos EUA. Quando não encontrou uma solução pela via diplomática, ou pela via da intimação, a Rússia iniciou uma invasão, ou “operação militar especial”, como o presidente russo, nos primeiros meses, lhe chamou, de maneira a cobrir e embelezar a situação aos olhos do povo russo.
No início, o presidente Putin afirmou que a “operação militar especial” se destinava a “desmilitarizar e desnazificar” a Ucrânia e declarou, ainda, que o seu objetivo principal era proteger a população russa, que vivia na Ucrânia e era, a seu ver, oprimida pelo governo de Kiev e impedida de celebrar a sua ligação com a Rússia. Outro objetivo foi, pouco depois, adicionado, à lista de Putin para justificar a matança, em solo ucraniano, e foi esse o assegurar da neutralidade ucraniana. As repetidas afirmações, por parte da Rússia, da existência de Nazis e de genocídio da população de etnia russa, na Ucrânia, nunca tiveram fundamento, mas foram essenciais para construir a narrativa da propaganda, que tenta fazer a população russa acreditar que a “operação militar especial” é justificada, necessária e que será uma honra enviarem os seus filhos para morrerem lá. Qualquer justificação, pouco fundada, de Putin para a invasão da Ucrânia serve, no entanto, somente, para cobrir a verdadeira razão que o levou a pôr em causa a soberania ucraniana. Será que Putin se preocuparia com a existência de Nazis na Ucrânia? Será que ele se importaria que a população de etnia russa estivesse a ser oprimida pelo governo ucraniano? Não. Da mesma maneira que não se preocupa que estejam a morrer cidadãos russos, enviados por si, em solo ucraniano. O presidente Putin visa, enfim, travar o alargamento da NATO para leste e, sobretudo, expandir a Rússia, como bom imperialista que é.
Putin, inicialmente, dizia tomar a Ucrânia num punhado de horas. Tal não aconteceu, e só dura há dois morosos anos o conflito, devido à ajuda externa, de que tem beneficiado a Ucrânia. É certo que, por toda a Europa, soaram palavras de solidariedade para com os ucranianos e tal ajudou. No entanto, não é com palavras solidárias que se travam guerras. Putin poderia não ter conseguido tomar a Ucrânia numas quantas horas, mas, por certo, não teria demorado muito mais que isso, não fosse a ajuda dos EUA, que têm o maior interesse em que a Ucrânia resista às garras imperiais russas. A guerra fria pode ter, de certa forma, há muito terminado, mas a rivalidade entre americanos e russos manteve-se. Não se iluda a Ucrânia, pois não a ajudam os EUA por pura solidariedade ou por horror à ideia de guerra. A Ucrânia constitui, somente, um peão no jogo do contrabalanço de poder, que há muito jogam a Rússia e os EUA.
Passados dois anos deste acontecimento histórico, as ajudas externas para a Ucrânia começam, no entanto, a enfraquecer. Os EUA debatem-se com problemas internos, nomeadamente relativos à questão da imigração, e entoam vozes pró-isolacionistas, relativamente a se será sensato o alimentar deste conflito. A União Europeia mantém-se firmemente desalinhada, dividindo-se as opiniões, como, aliás, em tudo se dividem, sendo, assim, ineficiente em prestar uma ajuda forte e coesa. Também na própria Rússia, começam a surgir vozes dissonantes, providas, porventura, do cansaço de um povo ceifado, numa guerra que durou e dura, e desilude-se quem ache que não há de durar. Neste momento, há quem lute na Ucrânia, pela paz e liberdade da sua casa. Há, também quem lute na Ucrânia, nem sabendo bem porquê, para destruir a casa de quem nem conhece. Enquanto isso, os poderosos deste mundo sentam-se nas suas casas, planeando a próxima jogada, pois é, somente, um jogo que jogam. Para mim, esta guerra veio, apenas, confirmar o pessimismo para com a condição humana.