What If – Book of Alternative History é uma leitura interessante e divertida, embora por vezes, nas questões que mais nos importam – e são quase todas –, traga uma certa melancolia perante a História acontecida e as possíveis alternativas. A colectânea de ensaios problematiza precisamente o que podia ter sido o futuro se, em certos momentos decisivos, não tivesse acontecido o que aconteceu.

É um exercício reconfortante, sobretudo num tempo ainda dominado pelas ideias do modelo evolutivo e do primado da Economia e das grandes massas tectónicas sobre a Política e a vontade dos homens.

O exemplar que estou a ler, a sexta-edição, de 2020, traz na capa o presidente John Kennedy e no sumário temas como “What If… Charles I had won the English Civil War?” ou se Lincoln ou Kennedy não tivessem sido assassinados, ou se o Watergate tivesse sido evitado…

Muitas vezes me perguntei o que teria acontecido a França e à Europa se Napoleão tivesse sido morto na ponte de Arcole. Ou se Lenine tivesse sido detido nas vésperas do assalto ao Palácio de Inverno. Ou se Hitler, que ia na primeira linha dos putchistas do BierHall Putsch de 1923, tivesse sido então morto; ou se não tivesse escapado ao atentado de von Stauffenberg, em 20 de Julho de 1944.

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E, na História de Portugal, o que teria acontecido se Nun’Álvares tivesse morrido nos Atoleiros, ou o Infante D. Henrique em Ceuta? Ou se Olivares não tivesse avançado com a política de “castelhanização” do Reino no tempo de Filipe IV? Ou se Sidónio não tivesse sido assassinado no Rossio, em 1918 (foi mais que avisado para não embarcar no comboio ali)? Ou se Salazar tivesse morrido com a bomba de Emídio Santana, em 1937?

A grande vantagem destes exercícios de história alternativa é mostrarem a debilidade do determinismo histórico marxista, dessa espécie de guião obrigatório das grandes forças tectónicas, da luta de classes, determinadas e moldadas pelas categorias economicistas do materialismo dialéctico. Ou do ultraliberalismo, que vai pelo mesmo caminho de determinismo sociológico, só que acredita mais nos Mercados.

Estes exercícios de “História Alternativa”, normalmente partindo da supressão ou sobrevivência de um grande líder (bom ou mau mas decisivo), ou do desfecho diferente de uma grande batalha ou cerco, são úteis e necessários por reporem na nossa lógica a importância do factor humano, do homem, do ser humano, como motor do bem e do mal da História, como piloto das comunidades e dos regimes, como actor determinante da grandeza e decadência das nações e das civilizações e seus ciclos.

Não é preciso ir para as hipérboles dos “Heróis” de Carlyle, ou de uma História feita por “heróis”, sejam eles político-militares, como Napoleão, ou artísticos, como Shakespeare; ou para uma filosofia de Super-Homem, à Nietzsche; ou para um protagonismo dos grandes homens decisores, ao modo de William James.

Com certeza que os homens – e as mulheres – que mudam (ou conservam) as sociedades em momentos decisivos, têm de encontrar um certo “condicionalismo objectivo”, uma situação especial: Napoleão não passaria de um distinto general, louvado, condecorado e mandado para a reforma em tempo devido, não fora a confrontação de equilíbrio contraditório da Revolução e da Reacção, com a radicalização republicana a arrastar uma reacção monárquica, que levaria a uma permanente e insolúvel guerra civil; isto passado o Thermidor, que rejeitou o terror jacobino, mas que, na transição do Directório para o Consulado, depois do 18 de Brumário, criou uma solução cesarista semelhante à que, após o assassinato de Júlio César e das guerras civis, Augusto conseguira.

Foi a teoria deste momento cesarista ou bonapartista que o grande revisor e refundador do pensamento marxista, António Gramsci, veio apontar para justificar a intervenção “anómala” do Estado, do poder político autoritário, aparentemente fora da pura luta de classes. Mas Lenine não teria imposto o bolchevismo, não fora a crise da Rússia, batida nas frentes de batalha e a braços com o profundo descontentamento de dezenas de milhares de soldados em Petersburgo, que não queriam o Czar, mas que, sobretudo, não queriam voltar para a frente de combate. E Mussolini não teria reagido, na Itália dos primeiros Anos Vinte, à ameaça comunista, criando uma terceira via fascista. Nem talvez Hitler tivesse conseguido usar a humilhação do povo alemão depois de Versalhes e da ocupação francesa do Ruhr para criar uma base popular de apoio.

Por cá, se Sidónio Pais não tivesse sido assassinado no 14 de Dezembro de 1918 e tivesse levado por diante o seu projecto de nacionalismo popular e autoritário com veleidades corporativas, o que depois viria a ser o modelo fascista – com variantes segundo as diferentes culturas nacionais – poderia, aí sim, ter começado em Portugal.

Em boa verdade, Marx tomara nota das dificuldades encontradas pela sua teoria da História, em que o determinismo económico e o conflito de duas classes – Burguesia e Proletariado – monopolizavam o movimento e a decisão, subalternizando o Estado, que não passaria de um mero instrumento organizativo e repressivo da classe dominante. Primeiro da Burguesia, depois do Proletariado. O profeta do Capital vira o “buraco” da sua tese nos momentos cesaristas – em que um líder conquistava o Estado, conseguia juntar os contrários e unir as classes num projecto nacional e transclassista. Comentou isso nas reflexões sobre o golpe de Estado de Luís Napoleão em 1851. Aí formulou a tese da “autonomização relativa do Estado”. No fundo, as soluções do tipo fascista ou de nacionalismo autoritário militar seguiriam este modelo; um caminho que Trotsky identificou em Bonaparte e no conservadorismo autoritário e social de Bismarck.

Também, em Portugal, a solução da Ditadura Militar de 1926 e a ascensão de Salazar nos anos seguintes até à consolidação do poder na chefia do Governo em 1932, resultara de uma equação bonapartista – à Gramsci – que se iria resolver através do Estado Novo, que seria também uma síntese da ultrapassagem de conflitos e forças que já não tinham força para vencer o inimigo, mas que tinham capacidade de o bloquear. Entre o fracasso da Primeira República e a restauração da Monarquia caída em 1910 (mesmo pela linha dinástica vencida em 1834) havia um bloqueio. E o mesmo acontecia na relação Estado/Igreja. Foi esse bloqueio que abriu espaço ao momento cesarista de Salazar, claramente explicitado pelo próprio num dos seus primeiros discursos como Presidente do Conselho de Ministros e homem forte do Estado Novo: “As Forças Políticas e a Revolução Nacional”.

O “passado estava passado” e apesar do fracasso da República Democrática, no quadro político-social de então não fazia sentido voltar à Monarquia ou abolir a laicização do Estado, estabelecida em 1910.

E se alguns dos múltiplos golpes ou tentativas revolucionárias entre 26 e 36 tivessem resultado, ou se Salazar tivesse morrido no atentado de 1937? What if…?