“Daniela, nem sabe o que acabei de descobrir!” diz a Beatriz (nome fictício), empolgada, quebrando o barulho de fundo dos corredores da Escola Básica e Secundária do Cerco. Esta frase poderia resumir os dois anos de Programa da ONG Teach For Portugal para a Daniela Paninho, psicóloga clínica, e que fez parte da primeira geração de mentores. Estes mentores trabalham nas escolas de meios mais vulneráveis, colaborando com professores e comunidade para máximo impacto nos alunos.

Numa fase inicial, a Daniela atuava dentro da sala de aula, usando os conteúdos programáticos para trabalhar competências socioemocionais e comportamentais. Porém, rapidamente se apercebeu que trabalhar competências transversais na sala de aula é fundamental, mas não é suficiente. As dinâmicas e jogos, o tom de voz “calmo e motivador” (adjetivos dos alunos), o tempo para conversas livres e para partilhas individuais, a escuta ativa de cada um, o reforço positivo (mesmo daqueles sucessos “que ninguém vê”) e o incentivo olhos nos olhos levaram à vontade de fazer mais.

Depois das aulas, os alunos rompiam a multidão em busca de diálogo: “Daniela, depois quero contar-lhe o que me aconteceu…”; “preciso da sua ajuda…”; “hoje sinto-me…”. Crianças e jovens que precisavam de apoio e incentivo, foram um terreno fértil para semear o tal “máximo potencial”. Destas conversas de corredor, a Daniela criou os “Momentos SuperStar”, momentos semanais, individuais ou em grupo, fora da sala de aula – na biblioteca ou, mais tarde, via zoom; a adesão foi um sucesso, quer no número de alunos presentes quer no seu empenho em se descobrirem a si próprios e aos colegas.

Contudo, alguns alunos não compareciam nestes encontros. Há crianças e jovens com uma notória resistência em “olhar para dentro”, e isso não é por “mau feitio” ou “para desafiar”. Todos temos a nossa história e vivências e temos de aceitar que a iniciativa não chegue a todos; por outro lado, o lema da Teach For Portugal é não deixar nenhum aluno para trás. Assim, a Daniela respeitou o tempo e os limites de cada aluno e foi criando uma relação para chegar até aos mais distantes: estar presente, estar disponível, não julgar, não opinar, escutar ativamente. Só depois arriscou um “gostava que…” ou um “o que achas de…?”. E foi abrindo caminho para jovens como o Carlos (nome fictício), que se despediu no último “Momento SuperStar” com lágrimas e promessas de manter contacto.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Estes são alguns dos elementos da visão partilhada da Teach For Portugal com os professores: todos os alunos merecem uma educação que lhes dê oportunidades de atingir o seu máximo potencial, não limitado pelo contexto de onde provêm.

A experiência da Teach For Portugal tem reconhecido o papel do professor como aquela profissão da qual todas as outras dependem. É, provavelmente, a profissão mais desafiante, estimulante, criativa, e também frustrante e cansativa de todas.

É também o professor que tem um papel central no desenvolvimento de qualquer jovem, para os preparar para a cidadania ativa e para o mercado de trabalho, dando-lhes a auto-determinação para fazerem escolhas conscientes na sua vida pessoal e profissional.

E assume especial relevância para jovens de comunidades carenciadas, onde a Teach For Portugal centra o seu trabalho. O trabalho feito pela Daniela e que continua com todos os mentores no terreno, é diário, intenso e vai para além do óbvio, se queremos que todos tenham a oportunidade de desenvolver o seu máximo potencial – pessoal, académico/profissional e de cidadania – independentemente da sua origem socioeconómica. Para tal, o Programa Teach For Portugal foca a sua intervenção em quatro áreas chave: resultados académicos e metacognição; consciência do eu; gestão emocional; e liderança.

Tão importante como definir o que queremos ver nos alunos, é definir o que queremos ver em nós. Para promovermos as competências nas crianças e jovens, temos de as ter em nós mesmos, com a humildade, consciência e compromisso de uma aprendizagem contínua. Por esse motivo o Programa da Teach For Portugal oferece uma formação centrada no desenvolvimento pessoal de cada mentor. Albert Bandura, psicólogo da aprendizagem social, afirmou que as crianças e jovens aprendem imitando comportamentos que veem à sua volta. O que fazemos, dentro e fora da sala de aula, é absorvido pelos mais jovens e interfere na cultura de sala de aula, na qualidade da relação, na aprendizagem e na sua formação como um todo, como cidadãos.

Tal como a Beatriz, que possamos trazer o entusiasmo de aprender e de descobrir dentro de nós, todos os dias! E tu, o que descobriste hoje?

Caderno de Apontamentos é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.