Não há nada mais certo na vida do que a morte. Ironicamente, muitas pessoas nas sociedades ocidentais consideram que falar de morte é de mau gosto ou mórbido. Arrisco dizer que há quem acredite que conversar sobre morte pode até antecipar o seu momento final. Sem pretender humorizar estas crenças, creio que é oportuno chamar a atenção para este tabu e o seu impacto numa sociedade na qual os mais velhos vivem cada vez mais anos, mas com pior qualidade de vida e numa solidão crescente.

Um estudo recente revelou que Portugal tem contrariado a atual tendência mundial para escolher o conforto do domicílio como local preferencial para morrer (Lopes et al., 2024). Segundo os autores, os portugueses morrem significativamente mais entre as paredes frias dos hospitais do que noutros países, e muitas pessoas não têm alta porque não têm quem cuide deles em casa – são os chamados internamentos sociais. Esta falta de uma cultura do cuidar tira significado e dignidade ao fim da vida. Quando isolamos os doentes, protegemos as crianças e os jovens de temas relacionados com doenças ou morte, afastamos netos de avós dependentes ou evitamos falar sobre “o assunto” junto de amigos e familiares que perderam alguém, estamos a tirar humanidade ao fenómeno da morte. Mas morrer é tão natural como nascer. Nascemos frágeis e dependentes, e morremos igualmente frágeis e dependentes. Esse é o mistério e, simultaneamente, a beleza da vida humana.

Em situação de sofrimento por velhice ou doença terminal, as pessoas enfrentam momentos de dor, perda e impotência que custam muito. Mas também vivem momentos de alegria, de riso e de união. O fim da vida – que tanto pode durar dias como meses ou até anos – é rico em oportunidades únicas de aprendizagem, crescimento e superação. Ao cuidar de alguém até ao fim, pode-se ultrapassar barreiras interiores que nem se sabiam existir, entrar numa viagem de autoconhecimento profundo e encontrar paz e realização pessoal, enquanto se permite que outro (doente ou idoso) se sinta útil, acompanhado e vivo até ao último suspiro. Porque as pessoas estão vivas até morrerem e, por isso devem morrer com a dignidade de uma pessoa viva! Acredito, por isso, que falar da morte é falar de vida.

Aceitar a morte como irrevogável e universal é também libertador porque permite o diálogo saudável sobre a mesma e a preparação das pessoas para momentos inevitáveis de sofrimento, evitando lutos desnecessariamente mal vividos. Ao romper o tabu da morte, torna-se então possível valorizar a riqueza da vulnerabilidade da vida humana, educando as pessoas para cuidar, e cuidando delas para educar as outras. Para tal, é urgente sensibilizar as comunidades para a importância de falar sobre a morte, quebrando constrangimentos sem sentido, e melhorando e exigindo o acesso atempado a cuidados paliativos de qualidade – um direito fundamental dos portugueses.

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Para além do esforço conjunto das famílias e das escolas, destaco o papel fundamental dos profissionais de saúde nesta mudança. Não tendo habitualmente uma formação virada para paliar – isto é, aliviar a dor – estes incorrem frequentemente no erro da distanásia, ou seja, insistem em tratamentos que causam mais sofrimento aos doentes porque não aceitam parar de tratar.

Morrer é inerente ao simples facto de estarmos vivos. (Con)viver com a morte deve, por isso, ser para nós natural. Se continuamos no caminho do abandono, falhamos enquanto humanidade.

Referências:
Lopes, S., de Sousa, A. B., Delalibera, M., Namukwaya, E., Cohen, J., & Gomes, B. (2024). The rise of home death in the COVID-19 pandemic: a population-based study of death certificate data for adults from 32 countries, 2012–2021. eClinicalMedicine, 68.