A 26 de novembro os Taiwaneses foram votar para eleger os seus representantes a nível local. As ruas fervilharam com atividade política, desde a campanha autárquica tradicional, aos constantes comícios eleitorais por todo o país. Mas neste período eleitoral poucas pessoas fora de Taiwan tiveram conhecimento da sua existência, e muito menos consciência sobre o seu potencial impacto. É, portanto, essencial que a informação sobre estes acontecimentos seja difundida, para que as suas implicações sejam compreendidas em toda a sua abrangência. Num artigo anterior, introduzi a história de Taiwan, a sua inegável ligação à China continental e o significado desta história no panorama político atual.[1] Pretendo agora mostrar, através da análise dos dois partidos políticos mais proeminentes: o que prometem, a quem apelam e como estas eleições autárquicas podem vir a ser decisivas numa futura relação com a China, seja qual for o seu rumo.

Mais decisivo do que o posicionamento dos diferentes candidatos, e os seus vários níveis de ligação com a China continental, será o facto de o Partido Comunista Chinês procurar intervir, de variadas formas, no processo de raciocínio do eleitorado. Questões ligadas à independência e legitimidade de Taiwan compõem o tema mais debatido sobre a existência de Taiwan como estado. Este tema será fulcral em futuras eleições legislativas, sendo possivelmente o ponto mais crítico desde o estabelecimento deste estado como República da China (ROC).

Partido Nacionalista: Sentido de Dever e Apego à Superstição

Num comício a 6 de novembro, em Muzha (木栅), Chiang Wan-an, candidato a presidente da Câmara de Taipei, apareceu para apoiar o candidato autárquico ao distrito. É mais uma evidência do esforço feito pelo KMT (Partido Nacionalista), face à perda de apoio nos tempos mais recentes. Com a vitória de Tsai Ing-wen como Presidente (em janeiro de 2020), o KMT tem vindo a perder a sua influência, cedendo lugar a partidos de caráter mais progressista. Apesar das recentes perdas, o partido nacionalista tem um trunfo: a sua História. A fundação de Taiwan como um estado, e as suas figuras históricas mais populares, têm as suas raízes no KMT. Além disto, o partido tem agora o candidato que é a personificação das origens de Taiwan como um estado moderno. A figura bem conhecida de Chiang Wan-an desfila, por todo o país, quase como um amuleto, e o próprio faz a sua aparição nos diferentes comícios para atrair a população.

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Chiang Wan-an era ainda adolescente quando o seu pai lhe contou que a sua família descende de Chiang Kai-shek, o líder Nacionalista que disputou o controlo do território chinês com Mao Zedong. Ao inteirar-se deste facto, Wang-an tomou a decisão de restaurar o seu nome original Chiang (蔣), que lhe havia sido mudado para Chang (章), por ser neto ilegítimo do antigo presidente Chiang Ching-kuo. A sua vontade de deixar a profissão de advogado e ingressar na carreira política, resulta também de um sentido de dever, advindo da história familiar. Assim, Chiang Wan-an procura fortalecer o partido presidido pelo seu bisavô e, posteriormente, pelo seu avô, partido esse que enfatiza a sua origem na China continental e que quer criar laços mais fortes com a China.[2]

Após fazer um curto discurso de apoio ao seu colega partidário, no comício em Muzha, Chiang Wan-an relembrou à multidão a sua presença num comício naquele mesmo local, anos antes. Nessa ocasião, depois de visitar o templo local em volta do qual o comício é montado, Chiang foi eleito para cargos legislativos, com uma votação recorde (posição que agora deixou para se focar na campanha eleitoral). [3] Com estas palavras de sugestão, sem o dizer de forma clara, Chiang propõe que o templo e a sua divindade o favorecem e que será, portanto, vitorioso mais uma vez. Ao terminar o seu discurso, Chiang Wan-an dirige-se ao templo e mostra novamente o seu respeito para com a divindade local. É assim reforçado, na mente de todos os presentes, que Chiang Wan-an tem a bênção para o seu objetivo, que está destinado a ganhar a corrida à câmara de Taipei.

Um dos pontos fortes (de ataque), na campanha de Chiang Wan-an, passa por afirmar que Taipei é uma cidade estagnada, e que não pode continuar assim face a um mundo em constante mudança. [4] Tudo isto é natural do que se espera em eleições locais! Ora, o que se deve ter em conta, é a posição do partido em termos legislativos e como esta posição pode ser útil para o Partido Comunista Chinês. Historicamente, o KMT representa aqueles que enfatizam a origem da sua cultura intrínseca na China e, portanto, defendem políticas de proximidade e conciliação. É do interesse do partido comunista chinês estimular estes valores e apoiar os partidos que os representam. Uma das maneiras, como isto tem sido feito, é através de investimento económico indireto a divisões administrativas maioritariamente adeptas do KMT, face a desinvestimento em cidades ou territórios que não adiram tanto à ideologia de reunificação. A recente viagem do Vice-Presidente do partido Andrew Hsia à China, também levantou suspeitas de possível financiamento da campanha autárquica pelo Partido Comunista Chinês. [5] Ao concorrer à câmara de Taipei, Chiang Wan-an traz consigo toda a história de Taiwan para o legitimar. Uma ferramenta, poderosa e persuasora, que pode ser também um fator de influência do Partido Comunista Chinês na região.

Chiang Wan-an visita o templo de Muzha durante um comício do KMT no distrito (6 de Novembro, 2022)

Partido Progressista Democrata, Pandemia e Independência: As Estratégias Mobilizadoras do Governo de Taiwan

Ao mesmo tempo que Chiang Wan-an faz uso da história na sua campanha eleitoral, o seu principal opositor, Chen Shih-chung, do partido progressista democrata (DPP), faz uma campanha drasticamente diferente. Chen Shih-chung, dentista por profissão, está envolvido com o DPP há décadas. Ocupou várias posições não legislativas dentro do partido, até chegar ao cargo de ministro da saúde na corrente administração da presidente Tsai Ing-wen. O cargo de ministro da saúde que, no geral, é de relativamente baixo-perfil, catapultou Chen para uma posição proeminente, com o surgir da pandemia. [6]  Como tal, a estratégia eleitoral do DPP concentra-se na forma como o governo lidou com a pandemia, mantendo o índice de novos casos baixo, e garantindo melhores níveis de liberdade para a população local enquanto o mundo se encontrava isolado.

Outro ponto crucial da estratégia eleitoral do DPP é a preservação da democracia e do progressismo. Um exemplo, de como o DPP o tenta fazer, é através de políticas que demarquem Taiwan do regime repressivo na China: paralelamente às eleições autárquicas, o povo de Taiwan deve pronunciar-se sobre a questão de reduzir, ou não, a idade de sufrágio legal dos 20 para os 18 anos. Este referendo é, a meu ver, de grande utilidade para o DPP, como forma de distanciar o sistema político do da China, mostrando o sufrágio como um tema de importância no sistema político de Taiwan. Como partido progressista, o DPP acredita que a atividade jovem é importante para promover a igualdade geracional.

Apesar da luta deste partido pela democracia e da sua rejeição de aproximação à China continental, os eleitores do DPP não estão livres de influência por parte do partido comunista chinês. A China faz uso de plataformas, como o Youtube, para disseminar campanhas de desinformação relacionadas com diversas teorias da conspiração, ou com o intuito de causar polarização na ilha. Para além deste método, e como mencionei anteriormente, os próprios candidatos eleitorais são apoiados de acordo com a sua visão de relações bilaterais entre a China continental e Taiwan. [7] Um exemplo é o de Han Kuo-yu. Em 2018, Han Kuo-yu foi eleito como candidato pelo KMT em Kaohsiung, a segunda maior cidade de Taiwan. Pouco depois da eleição, Han visitou a China continental, sendo acusado pelo DPP de defender o modelo “Uma China, dois sistemas”.  Em 2019 Han tornou-se candidato presidencial e mostrou as suas intenções ao promover uma política de maior proximidade com a China continental. Apesar da sua derrota, Han é um exemplo de como ideologias pro-China se podem facilmente tornar populares em Taiwan, quando o partido comunista chinês as endossa.

As eleições autárquicas em Taiwan, ao contrário do que nos possa parecer à partida, não são apenas sobre manutenção de infraestruturas, gestão urbana, ou organização municipal. A China procura ter a sua influência no meio autárquico, pois a presidência à câmara de Taipei, via de regra, serve como um degrau para a presidência da República. No quadro atual de relações com os Estados Unidos, a China vê a sua influência na política interna em Taiwan como a única maneira de conseguir o que pretende.

[1] Dias, R., (2022). “Taiwan Numa Encruzilhada: O Contexto Histórico e as Eleições Locais Como Fatores Políticos em Taiwan”, Jornal Observador
[2] Wang, C., (2022). “Taiwan party that wants Stronger Ties with China Has New Star” Bloomberg
[3] (2022). “Chiang Wan-an Resigns as Legislator to Focus on Taipei Mayor Race ” Focus Taiwan
[4] Shelley, S., Tsai, Y., (2022). “KMT Taipei Mayoral Candidate Quits Legislative Post ” Taipei Times
[5] Barss, E., (2022). “Past Patterns and Present Provocations: China´s Electorate Interference in Taiwan´s Local Elections ” Global Taiwan Institute
[6] Smith, C., (2022). “After 24 years, could Shen Shih-chung win back Taipei for the DPP?” Taiwan News
[7] Sando, B., (2022). “Taiwan Local Elections are Where China´s Disinformation Strategies Begin” Council on Foreign Relations