Recentemente, os Estados Unidos adotaram novas políticas com o intuito e pretexto de incrementar o fabrico de semicondutores em solo americano, assim como de aumentar o investimento nas Indústrias Tecnológicas do país. Contudo, o “CHIPS and Science Act” (de 2022) tem como objetivo real a competição com a China, e o assegurar da supremacia na indústria tecnológica mundial. Como parte desta estratégia, os Estados Unidos procuram atrair empresas-chave da indústria de semicondutores, como a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), para se instalarem em solo americano. Essa medida impulsiona a capacidade de produção interna de chips e proporciona, também, maior controlo sobre a cadeia de abastecimento e a tecnologia envolvida. Desta forma os Estados Unidos terão possibilidade de produzir chips essenciais aos setores da defesa, energia, comunicações e saúde.

Até este momento, várias corporações americanas têm estado dependentes de Taiwan, que só por si controla 60% da Indústria mundial dos semicondutores e 90% da Indústria dos semicondutores mais avançados. Entre estas estão empresas proeminentes como a Apple, AMD, Broadcom, Intel e a Nvidia. Contudo, os novos incentivos monetários do “CHIPS for America Act”, um dos dois projectos de lei que constituem o “CHIPS and Science Act”, levaram vários produtores de chips a expandirem-se para território americano. É o caso da TSMC que está presentemente a construir uma nova fábrica a norte de Phoenix, no Arizona. O investimento de 40 biliões de dólares (USD) espoletou um fenómeno de desenvolvimento na cidade, resultando num “boom” no sector imobiliário e na indústria de construção designado por “TSMC Effect”. É que a TSMC não está apenas a criar empregos para trabalhadores locais, mas também a levar engenheiros e especialistas das fábricas taiwanesas para formar os funcionários na nova localização. Este influxo de imigrantes tem tido impacto significativo na economia do Arizona.

A interpretação destes acontecimentos pode ser, por vezes, deveras superficial: o facto de a produção de chips passar maciça e repentinamente de Taiwan para os Estados Unidos tem sido interpretado como uma forma de aproximar as duas nações, expandir o poderio comercial de Taiwan e desenvolver a indústria tecnológica nos Estados Unidos, enquanto é fomentada uma competitividade “saudável” com a China. Contudo, é importante estarmos cientes não só das verdadeiras razões, mas também das implicações daí decorrentes. A situação geopolítica em que Taiwan se encontra, e o facto de ser um importante marco na fabricação de semicondutores, torna a ilha num ponto fulcral da competição económica e política entre a China e os Estados Unidos. As ameaças crescentes da China relativas a Taiwan não deixam margem para dúvidas: quem procurar interferir com o controlo que a China quer exercer sobre Taiwan está a “brincar com fogo”. Como foi reiterado pelo anterior Ministro dos Negócios Estrangeiros, Qin Gang, Taiwan está no centro dos interesses políticos chineses, e a China não irá desistir.

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Estes factos evidenciam uma perigosa situação para Taiwan. Ao permitir aos Estados Unidos acesso à produção de chips fora de Taiwan, a ilha coloca-se numa posição de difícil defesa, caso a China invada o território. Por outro lado, os Estados Unidos garantem que não irão perder o acesso a uma indústria essencial para a sua economia, mesmo que as ameaças chinesas se venham a concretizar. Resumidamente, a presença da TSMC em Taiwan poderia dar aos Estados Unidos incentivo suficiente para defender a ilha no caso de uma invasão, mas com os Estados Unidos agora no comando da indústria, Taiwan torna-se numa presa fácil para a China, reduzindo as suas hipóteses de defesa.

Ainda mais grave, no entanto, será o decorrente enfraquecimento da economia taiwanesa, que pode resultar em perda de importância no panorama de semicondutores globais (considerando ainda a rápida ascensão da Índia neste campo). Entre 2019 e 2021, o investimento de capital (CAPEX) da TSMC em Taiwan foi de 1.8 biliões de dólares taiwaneses, o que equivale a 12 % do total do investimento de capital doméstico em Taiwan no mesmo período. Dada a contribuição da TSMC para a economia doméstica, é expectável que esta seja enfraquecida à medida que menos circula em Taiwan, e mais é investido no estrangeiro. No pior dos casos, esta situação pode mesmo levar a uma maior dependência da China, facilitando uma política de integração e a perda da soberania de Taiwan.

Apesar de ser provável que a expansão da TSMC leve a uma situação delicada, esta foi, certamente, uma escolha difícil para o governo de Taiwan, que a selecionou como a opção menos má. Entre as muitas pressões exercidas sobre o governo da ilha, escolher ficar ao lado dos Estados Unidos continua a ser a solução mais óbvia e a que oferece mais hipóteses de sobrevivência.

Ao refletir sobre a expansão da TSMC para os Estados Unidos através do “CHIPS for America Act”, é evidente como isto representa um ponto crucial de inflexão na indústria de semicondutores e nas relações geopolíticas entre Taiwan, China e os Estados Unidos. A competitividade acirrada entre as grandes potências no campo tecnológico torna Taiwan um alvo estratégico, resultando numa situação geopolítica delicada para a ilha. A comunidade internacional deveria estar atenta a estes desenvolvimentos. Perante a aparente simplicidade das circunstâncias devemos interrogar-nos: Quais as motivações destes estados? Quem realmente beneficia destes desenvolvimentos e quem os está a incentivar? Para mim, torna-se clara a situação complexa em que Taiwan se encontra, e que lhe restavam poucas opções que não esta.