A cena política atual tem sido ocupada com a entrada em funções do XXIV Governo Constitucional colado à margem mínima da vitória e com as alucinações do Presidente da República.

Em 27 de Março, Marcelo Rebelo de Sousa decidiu dissolver a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em virtude da demissão do Presidente do Governo Regional – Miguel Albuquerque – que se viu envolvido na astronómica operação judicial que, até hoje, permanece anónima. O Presidente da República, escudado no protocolo habitual para colher mais uma dissolução para a coleção, com desprezo e indiferença nem se dignou a prestar qualquer esclarecimento aos madeirenses e porto-santenses quanto ao futuro político de uma Região que tem sido cada vez mais tratada como um apêndice de Portugal.

O trágico dia 24 de Janeiro, que abalou profundamente a Madeira, ditou uma algazarra de posições políticas que, como era de esperar, terminaram na marcação de novas eleições regionais, passados 6 meses de outras terem, normalmente, acontecido. Desde violações do Estatuto Político-Administrativo feitas pelo Representante da República na RAM até eleições internas no único partido que governou a Região, muita água correu pela levada.

Consta que Miguel Albuquerque está, quase, obrigado a ganhar estas eleições a 26 de Maio com maioria absoluta, coisa que não conseguiu a 24 de Setembro do ano anterior, já que em termos gerais não há quem queira respaldar um governo em que Miguel Albuquerque seja o protagonista.

O PSD viu-se a braços com uma disputa interna que, nas palavras dos apoiantes de Manuel António Correia – adversário derrotado de Miguel Albuquerque –, “plantou a semente da mudança”. A campanha interna foi intensa e ríspida, deixando o partido divido sem que nenhuma das partes soubesse estar à altura dos desafios que se impunham. Miguel Albuquerque fez declarações infelizes – e entenda-se por “infelizes” a qualificação mais simpática que se pode atribuir àquilo que foi dito – relativamente aos jovens “arrogantes e ressabiados” que integravam a candidatura oposta, desprezando-os já que “nunca deram nada ao partido”. Já Manuel António Correia que, para além de ter entrado na toxicidade do jogo das insinuações e acusações, demitiu-se da tarefa de unir o partido deixando na praça pública críticas veementes ao vencedor da eleição contribuindo para perpetuar a ideia de que o partido que ganhou todas as eleições regionais da Madeira é um conventículo.

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Já no Partido Socialista as coisas não vão melhor. Apesar do líder ter sido consagrado sem que nenhum outro socialista tivesse tido a audácia de se contrapor à candidatura de Paulo Cafofo, a fragmentação no partido é por demais evidente, desde logo pelo movimento interno protagonizado por Carlos Pereira (deputado do PS à AR) e Miguel Silva Gouveia (ex-Presidente da Câmara Municipal do Funchal) – designado “Autonomia 24”. Paulo Cafôfo retirou Carlos Pereira – próximo de Pedro Nuno Santos – das listas à Assembleia da República pelo círculo eleitoral da Madeira, acabando o atual deputado por vir a ser eleito no círculo de Lisboa. O Presidente do PS-M, ele próprio, desencadeou um rol de críticas vindas do PS Nacional quando, na noite de 10 de Março, atribuiu as culpas do resultado lastimoso do círculo da Madeira – em que era cabeça de lista – à derrota do PS a nível Nacional e ao desgaste do Governo Socialista dos últimos 8 anos. Ora, se um desgaste de 8 anos de um Governo da República produz os penosos resultados do PS-Madeira, então o que seria se essa lógica fosse aplicada ao panorama regional em que o PSD governa há quase 50 anos.

Mais, Paulo Cafôfo tem na sua bagagem o fardo de ter abandonado o partido depois do melhor resultado de sempre do PS em eleições regionais, acabando por trocar a Madeira por Lisboa ao assumir a Secretaria de Estado das Comunidades no Governo de maioria absoluta de António Costa. Volta a aterrar na liderança do PS-M, com o lema “Madeira, a nossa causa”, e repete a profecia de trocar a Madeira por Lisboa, ao ser cabeça de lista às eleições de 10 de Março. Poderia ter sido uma opção política figurativa, que permitisse ganhar espaço mediático, tal como Alberto João Jardim fez quando liderava o PSD-M, acabando, no entanto, por não assumir o mandato. Paulo Cafôfo não só foi candidato à Assembleia da República como lá tomou posse, vindo a partilhar a bancada parlamentar com o seu camarada Carlos Pereira.

Acontece que a menos de um mês para as eleições regionais ainda não é possível vislumbrar uma ideia, um projeto, uma proposta, um programa ou uma solução. Advertido publicamente por companheiros socialistas em Lisboa, digo-vos que pelos sinais da ação política bem como dos seus comparsas, creio que Cafôfo cometerá os mesmos erros do passado que culminaram em 13 derrotas eleitorais consecutivas para o Partido Socialista na convicção de que o caso judicial que envolve Miguel Albuquerque será suficiente para fomentar a mudança que há muito os socialistas almejam. Poder-se-á virar o feitiço contra o feiticeiro.

Que não haja dúvidas. PSD e PS serão os partidos que mais votos, em termos absolutos, perderão nestas eleições regionais. Os galãs da noite de 26 Maio serão os partidos de menores dimensões, à data de hoje, não descurando a possibilidade de haver surpresas na ocupação do 2º lugar do pódio que poderá pertencer ao Chega ou ao JPP, tal como aconteceu nas eleições regionais de 2011 e de 2015 em que o CDS-PP ultrapassou o PS e ocupou a segunda posição do pódio.

Hoje, o CDS-PP, mais zombie do que nunca, luta pela sua sobrevivência no Parlamento Regional depois de ter sido absorvido pela coligação que chefiou o Governo Regional nos últimos 5 anos. José Manuel Rodrigues, atual líder do partido e Presidente da Assembleia Legislativa da RAM, tem dado sinais de união de um partido que, manifestamente, se dividia entre militantes e governantes agregando tudo e todos para revitalizar quem esteve na sombra de acordos pré-eleitorais.

Juntos Pelo Povo, o partido que o Chega ainda não conseguiu ultrapassar, está nas suas “sete quintas” envaidecido com o processo judicial com que os atores políticos se vêem confrontados e empolgado com as armas políticas para continuar a cavalgar a política brejeira que constantemente presenteia aos madeirenses, colocando tudo e todos sob suspeição, não olhando a meios para atingir os fins. Acontece que um partido anti-sistema, como é o JPP, não se pode dar ao luxo de reduzir a sua moralidade com as zangas internas, entre familiares, que fazem capa de notícia.

Se a obscuridade ganhasse eleições, o Chega seria certamente o vencedor. O Chega é o exemplo perfeito da gestão interna feita na clandestinidade, para ser, quase, imune aos arremessos dos adversários. Nada de sabe. Nada se confirma. Nada se desmente. Pois bem, podem começar por mudar o líder. Para quem tanto critica os beneficiários de subsídios e “aqueles que vivem à custa de quem trabalha”, talvez Miguel Castro não represente o espírito que o partido tanto propagandeia. Apesar de ter feito a campanha eleitoral das Regionais de Setembro de 2023 na maior das descontrações, sucede que o próprio estava de baixa médica desde Junho do ano transato. Ainda assim, certamente lançaram os foguetes quando Marcelo Rebelo de Sousa anunciou a sua decisão, sobretudo pela margem de crescimento que lhes permite recusar – por diversas vezes – acordos com Miguel Albuquerque, depois deste ter demonstrado total abertura e à vontade para negociar com quem Montenegro se recusa a falar.

A Iniciativa Liberal é, cada vez mais, a casa dos fiscalmente descontentes, porque de resto só acaba por beneficiar dos votos daqueles que perderam a confiança no PSD e que não encontram nos radicalismos soluções para os seus problemas. Embora a capacidade de crescer eleitoralmente, com provas dadas no resultado do círculo da Madeira a 10 de Março, seja propicia ao atrevimento e à altivez, importa manter uma postura modesta e decorosa – caso contrário sofrerão as consequências do voto de protesto, já que as cópias são sempre piores que os originais.

Já o PAN acabará por fazer o seu próprio velório no dia 26 de Maio graças à irresponsabilidade de uma líder cuja única palavra que aprendeu desde 24 de Janeiro foi “responsabilidade”. Mónica Freitas embriagada no “poder” que lhe foi confiado deitou abaixo um Governo “por já não ter confiança política em Miguel Albuquerque” para que, hoje, diga estar disponível a negociar com a mesma pessoa que há quatro meses já não lhe merecia confiança política. Quem acompanhou com proximidade o desenrolar da situação política dias após as detenções feitas a 24 de Janeiro, sabe bem a forma inexperiente, emproada, altiva e pretensiosa com que o PAN geriu a crise política. Veja-se bem, só a título de exemplo, uma das dezenas de imaturidades políticas cometidas. Mónica Freitas deixou claro que não queria a continuidade de Miguel Albuquerque no Governo Regional, e, com a sua demissão o Governo acabaria por ficar todo ele demitido – facto que se veio a verificar. Ora, Mónica Freitas, encantada com o seu lugar de deputada na ALRAM, recusou categoricamente a ideia de eleições regionais antecipadas invocando o papão do “crescimento da extrema-direita”. Pois, tivesse pensado nisso antes. Era evidentemente incoerente que, depois do que aconteceu com o Governo de maioria absoluta de António Costa e da decisão de Marcelo Rebelo de Sousa, o povo madeirense não voltasse a ser chamado às urnas para se pronunciar politicamente. A propósito, relembro o velho e sábio ditado popular “quem com ferros mata, com ferros morre”.

Finalmente o PCP e o BE continuarão a disputar a representação parlamentar, sem nunca esquecerem os sectarismos de que são porta-vozes, ainda que estes não se adequem, propriamente, à realidade regional. Estupidamente, um dos inimigos por eles declarados é o Centro Internacional de Negócios da Madeira. Mal sabem eles o quão profícua é a Zona Franca da Madeira para o desenvolvimento humano, económico e social de um Região Ultraperiférica.

Olhando para este cenário, completamente atarantado, perguntava-me um amigo há dias, “como achas que serão os resultados destas eleições?” Respondi-lhe: “que venha o povo e escolha”.