No final de 2023 e início de 2024, Portugal viu-se confrontado com níveis de óbitos que, infelizmente, destacaram o estado crítico do Serviço Nacional de Saúde. No meio do caos das urgências abarrotadas e ambulâncias à espera, o país testemunhou um aumento alarmante na mortalidade, que merece uma análise cuidadosa e uma reflexão sobre o papel do sistema de saúde na vida dos cidadãos.

É conhecida a famosa frase do Idiota de Dostoievski «a beleza salvará o mundo». Em Os Irmãos Karamazov, o escritor desvenda a mesma intrigante ideia:  O ateu Ipolit pergunta ao príncipe Mynski como é que a beleza salvaria o mundo. O príncipe não responde mas vai para junto de um jovem de 18 anos que agonizava e aí permanece cheio de compaixão e amor até ele morrer. Responde à pergunta através de um ato compassivo. Este episódio revela que a beleza não é apenas estética, mas reside na compaixão e no amor compartilhado, especialmente nos momentos de dor.  O mundo será salvo, hoje e sempre, enquanto houver essa atitude.

​ Durante a última semana de dezembro e as duas primeiras de janeiro, Portugal destacou-se na Europa pelos níveis fora do comum de óbitos. Entretanto, o verdadeiro problema não reside apenas nos números, mas na qualidade da morte. Morre-se sozinho, longe de casa, muitas vezes sem a presença da família. Este fenómeno é agravado por um sistema hospitalocêntrico que negligencia o setor social e privado.

O aumento de 25% na mortalidade em um ano e quase 30% em relação a 2021 reflete a urgência de repensar o sistema de saúde, o espetáculo desolador de ambulâncias e hospitais saturados, onde os pacientes não recebem a atenção necessária. É tempo de considerar alternativas, focando em cuidados paliativos e de saúde em casa, especialmente para doentes oncológicos ou com doenças prolongadas, pessoas com demência, etc.

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Portugal é um dos países onde se morre menos em casa, indicando uma necessidade urgente de transformação nas políticas de saúde. Em vez de centralizar nos hospitais, as políticas deveriam priorizar o acesso a cuidados de saúde e paliativos em casa. Isso implica um compromisso com a ideia de “os cuidados de saúde efetivamente acompanham as pessoas onde elas querem estar.”

Como disse Plotia ao poeta em A Morte de Virgílio de Hermann Broch: “A morte fecha-se a quem está só, o conhecimento da morte apenas se des- venda à união de dois seres.” A citação reforça a importância da união em face da morte. O conhecimento da morte não é uma experiência solitária; é um momento que deve ser partilhado. Trazer a morte para um ambiente mais familiar e acolhedor, como o lar, pode proporcionar não apenas conforto, mas também uma despedida digna e compassiva.

Se Portugal abraçar uma mudança nas políticas de saúde, alinhada com as preferências dos cidadãos e centrada nos cuidados em casa, poderá colher benefícios tangíveis. Uma transição para a morte em casa, quando desejada, pode resultar em sintomas melhor controlados, maior qualidade de vida e conforto, além de uma notória humanização nos cuidados de saúde. Desta forma, estaríamos verdadeiramente no caminho certo para salvar não só vidas, mas a dignidade na morte. Este é o desafio político e humano que Portugal enfrenta, uma oportunidade para trazer beleza ao cuidado, dotando o sistema de saúde da compaixão e apoio tão necessários na jornada final de cada vida.