“O que devemos fazer se uma colega nossa estiver muito triste, andar sempre sozinha e já nem quiser sair connosco como era costume?” Foi esta a questão que Patrícia (nome fictício), 15 anos, me colocou há uns tempos, numa escola secundária, pouco depois de falar com um grupo de cerca de 25 jovens sobre o que entendiam por saúde mental. Na verdade, eles e elas tinham conhecimento acerca de (algumas) doenças mentais, mas pouco ou quase nada sabiam sobre como promover a sua própria saúde mental ou, sobretudo, acerca do que poderiam fazer para ajudar alguém que apresentasse indícios de um problema de saúde mental.
Em Portugal, a saúde escolar continua a basear-se num paradigma demasiado “clássico”, muito centrado na promoção da saúde oral e na educação sexual (leia-se, predominantemente, “educação sobre contraceção e prevenção de infeções sexualmente transmissíveis”). A abordagem às questões de saúde mental tende a resumir-se a algumas ações de educação para a saúde relativamente ao consumo de álcool e/ou de drogas ilícitas.
Os(As) profissionais de saúde mental existentes nas escolas são em número insuficiente, como já assumido pelo próprio Ministério da Educação, e em muitas Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC) não existe qualquer enfermeiro(a) especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica. Ainda assim, a pandemia da covid-19 acabou por ser um importante “grito de alerta” para a saúde mental dos jovens, tendo já conduzido ao reforço de profissionais desta área a atuar em contexto escolar.
Os enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica têm a competência, entre outras, para desenvolver e implementar intervenções psicoeducacionais visando aumentar o conhecimento e melhorar a gestão de problemas de saúde mental. Como tal, a sua ação em contexto escolar é fundamental para dotar os(as) mais jovens de conhecimento sobre estratégias que lhes permitam potenciar a sua saúde mental e, assim, ser mais capazes de promover o seu bem-estar psíquico e fazer face às adversidades.
O projeto + Contigo, iniciado na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra pelo enfermeiro José Carlos Santos mas já com expansão a nível nacional, que se destina à promoção da saúde mental e prevenção de comportamentos suicidários em meio escolar, é um bom exemplo do papel que os(as) enfermeiros(as) especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, inseridos(as) nas UCC, podem ter a esse nível. Os resultados obtidos, decorrentes de sólidos processos de investigação, são claros e inequívocos: tanto a curto prazo como a médio prazo (seis meses após a intervenção), os(as) adolescentes avaliados(as) apresentaram uma significativa melhoria do seu índice de bem-estar e redução da sintomatologia depressiva quando comparados(as) com aqueles(as) que não receberam a intervenção.
“Eu diria que, antes de mais, é importante que fales com a tua colega para tentares perceber o que se passa e há quanto tempo anda assim.” Foi sensivelmente esta a minha resposta à questão que a Patrícia me lançou.
“Quando falares com ela é fundamental que valorizes tudo o que ela te disser e que não a julgues. Evita dizer coisas do género ‘Anima-te! Há pessoas que estão pior do que tu’. Em função do que ela te disser, procura apoiá-la, mostra disponibilidade para ajudar, porque assim ela compreenderá que não está sozinha. Se perceberes que a situação da tua colega já se arrasta há algumas semanas e que está a ter impacto na vida dela (por exemplo, que tem agora piores notas na escola), incentiva-a a procurar ajuda de um enfermeiro de saúde mental, de um psiquiatra ou de um psicólogo.”
Deixei-lhe o meu endereço de e-mail, para o caso de ela necessitar de alguma informação adicional, e contactou-me cerca de três semanas depois para me informar de que a sua colega já estava a ser acompanhada por um profissional de saúde mental.
Este é apenas um exemplo, trata-se apenas de um caso isolado, mas que muito bem espelha o papel crucial que os(as) especialistas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica podem desempenhar em contexto escolar. Se o problema de saúde mental da colega da Patrícia se resolveu? Não sei, mas sei que procurou ajuda adequada e de forma atempada. Se faz sentido incluir enfermeiros(as) de saúde mental em todas as UCC e permitir que estes(as) atuem promovendo a saúde mental e a literacia em saúde mental nas escolas? Sim, e o tempo é agora.
Francisco Sampaio é especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica e desempenhou funções no Serviço de Psiquiatria do Hospital de Braga. Professor na Escola Superior de Enfermagem do Porto, é atualmente Presidente da Mesa do Colégio da Especialidade de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica da Ordem dos Enfermeiros.
Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.
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