A proposta do Orçamento do Estado (OE) para 2025 prevê transferências diretas para as universidades e institutos politécnicos públicos no valor de 1497,8 milhões de euros. São mais 63 milhões de euros face à dotação inicial do ano passado, que era de 1435 milhões. (Fonte: Comunicação Social).
A discussão do Orçamento do Estado devia ser um momento privilegiado para se questionarem políticas, não apenas no sentido partidário, mas da eficiência e qualidade dos serviços que o Estado nos presta e do seu custo. Ao contrário das empresas, que têm de construir os seus orçamentos considerando a concorrência, o Estado fá-lo sustentado no recurso aos impostos e na maior ou menor capacidade de obrigar os cidadãos a pagá-los.
Vejamos o caso do ensino superior estatal, cronicamente subfinanciado, a fazer fé no que os seus diversos responsáveis afirmam. A questão é saber se estamos, de facto, perante uma situação de subfinanciamento das necessidades reais ou de despesa excessiva por via do modelo que construímos e das opções que temos vindo a desenvolver em termos institucionais e de carreiras docentes.
Sendo hoje um facto indesmentível que um estudante do ensino superior privado paga, em média, de propinas metade do que custa um estudante de uma instituição estatal, apesar do nível de exigência estabelecido pela A3ES ser o mesmo para privados e estatais, a questão óbvia é saber o que justifica uma diferença tão significativa.
Se a isto acrescentarmos o facto de o investimento inicial de uma instituição estatal ser da responsabilidade do Estado e de uma instituição privada estar a cargo da respetiva Entidade Instituidora, a sobrecarga que decorre para o cidadão contribuinte talvez ainda pareça mais injusta.
E mais ainda se considerarmos que as famílias cujos filhos estudam nas instituições privadas têm de suportar o ensino estatal com os seus impostos, sem que os seus descendentes usufruam dele e, simultaneamente, pagar as propinas para eles frequentarem um curso que, por variadas razões, não puderam ou quiseram frequentar numa escola estatal.
Felizmente, hoje já ninguém bem informado julga que as escolas privadas são para “meninos ricos”, pois, a percentagem de estudantes do privado que beneficiam da ação social escolar está quase ao nível do estatal e estudos recentes demonstram que provêm de famílias com menores rendimentos do que os do ensino estatal.
Convém ter a noção do papel social de muitas das instituições privadas, sem as quais os estudantes que as frequentam jamais conseguiriam aceder a cursos superiores e, embora em muitos casos entrem com médias mais baixas, nada indica que se diplomem com menos competências ou suscitem menos credibilidade profissional.
Se um serviço público é apontado como estando subfinanciado, a solução não devia ser aumentar-lhe a percentagem de afetação do OE, mas analisar, a montante, se há possibilidades de o embaratecer sem lhe diminuir a qualidade, avaliando os custos do seu modelo organizacional e de gestão, as despesas correntes e de investimento, enfim, analisando cada parcela da despesa, por forma a ajuizar que mudanças se podem operar para melhorar o rácio despesa-resultados, tentando conseguir ganhos através de reestruturações, de maior eficiência, de mudanças nos modelos de gestão.
Este é, tipicamente, o procedimento em qualquer empresa e também das escolas privadas, muitas das quais nem sequer têm fins lucrativos, mas não deixam, por isso, de precisar de escrutinar incessantemente a sua operação e tesouraria, que depende em exclusivo das receitas próprias, grande parte das quais decorrentes das propinas pagas pelos estudantes e cujo limiar máximo não pode crescer como os impostos, porque existe concorrência e porque as famílias não podem pagar para além de determinados limites.
Acontece que o sistema tem de se submeter ao Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), cuja aplicação gera custos cada vez mais incomportáveis, agravados por decisões internas de muitas instituições estatais que, sendo legítimas do ponto de vista institucional, podem carecer de fundamento social se vistas à luz do interesse nacional.
O amplo debate que tem sido feito sobre o RJIES pouco ou nada se debruçou sobre os custos gerados pelo modelo e fica-se com a sensação de que este tema, tal como outros similares em Portugal, nunca é visto pelo lado financeiro, como se pudéssemos estabelecer previamente o modelo e depois pagar o que o seu funcionamento exigir, ao contrário do que o bom senso exige às empresas e a cada um de nós a benefício da solidez das nossas finanças pessoais.
Quem conhece por dentro as instituições sabe os custos decorrentes do regime jurídico atual, mas parece não haver outro interesse que não seja aumentar a despesa em vez de se repensar o modelo ou, pelo menos, alguns dos aspetos mais perniciosos e mais pesados financeiramente.
A este propósito, é indispensável considerar as propinas no estatal, que financiam parte do sistema e cuja filosofia é sobrecarregar todos os contribuintes em vez de fazer pagar um pouco mais aos estudantes, beneficiários diretos dos ganhos associados à valorização profissional, parecendo justo que invistam mais na sua formação superior.
A discriminação positiva visando apoiar os mais frágeis financeiramente no acesso e frequência do ensino superior estatal devia ser feito, essencialmente, através do reforço da ação social escolar, não de propinas demagogicamente baixas. Falou-se do seu descongelamento, mas ficou tudo na mesma, o tema é tóxico e a coragem para tomar medidas impopulares, estupidamente apelidadas de “direita”, vai rareando.
Outra questão tem a ver com a rede nacional de instituições estatais, que todos sabemos necessitar há muito de uma reforma profunda, mas em que ninguém se atreve a mexer. Seria possível poupar milhões de euros com ajustes na atual rede evitando duplicações de cursos, de docentes e de estruturas. Uma rede mais racional deveria apostar em fusões, na especialização técnico-científica e num maior apoio às instituições do interior, que são âncoras de desenvolvimento regional e indutoras de progresso local e para as quais devia haver fatores de discriminação positiva, não por via de numerus clausus, mas por incentivos que as tornassem mais atrativas para os estudantes, nomeadamente, através de bolsas de frequência robustas, de condições especiais de alojamento e da criação de áreas de referência que as tornassem diferenciadoras, o contrário da filosofia atual, quase todas querem oferecer tudo.
Este aspeto é um dos maiores erros em que se tem incorrido, pois sabe-se que é impossível oferecer todas as formações em todas as instituições e que é indispensável elevar o nível de especialização para melhorar a qualidade, rentabilizar os custos e obter ganhos de escala.
Relacionado com este aspeto, vale a pena revisitar o conceito de sistema binário ou dual, que oficialmente é o esteio do nosso sistema de ensino superior, mas que na prática deixou há muito de ser respeitado e talvez de fazer sentido. A duplicidade formativa entre universidades e politécnicos é evidente e, apesar de se continuar a assumir oficialmente que o sistema é binário, na prática tudo é subvertido perante a inação de quem devia clarificar e decidir sobre manter esta ficção, corrigir o que degenerou ou tornar tudo universitário.
Finalmente, a questão da investigação e da subvalorização da docência. Em vez concentrarmos a investigação em centros de grande qualidade e capacidade para concorrer internacionalmente, decidimos que todas as instituições de ensino superior têm de ter centros de investigação próprios, apesar de ser do conhecimento geral que isso é impossível e indesejável. Também se desvalorizou-se o papel do profissional que se concentra na docência, sobrevalorizando para efeitos de avaliação e de concursos a participação em projetos de investigação e publicações em revistas de referência, minimizando toda a restante atividade, incluindo o desempenho de cargos de gestão.
Também aqui universidades e politécnicos são tomados por igual e ninguém parece preocupado em assinalar que este processo inflaciona custos e requer muito mais recursos humanos, o que nos faz retornar à casa de partida, ou seja, o sistema está subfinanciado ou é o modelo que é caro e os custos podiam ser embaratecidos, sem quebra de qualidade, se o tornássemos menos pesado, mais eficiente, mais capaz de gerar economias de escala?
Em síntese, é tempo de olhar para a realidade macro do nosso ensino superior, cotejando o estatal e o privado, as universidades e os politécnicos, os estabelecimentos do litoral e os do interior, a investigação e o financiamento, entre outros aspetos, olhar também para as melhores práticas internacionais, sem tabus, sem medo de abrir alguma caixa de Pandora, mas com dois objetivos simples: melhorar o sistema e embaratecer o seu custo, o que não significa menos investimento, mas melhores resultados.
O texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a da APESP.