Há um tempo específico na história dos países, que é de definição. Ocorre-me, enquanto ando pelos Balcãs e ao fazer uma tour por uma cidade portuária o guia, puto local, com a sinceridade de quem nada tem a perder, vai contando e descrevendo a terra dele, sabendo que na verdade nos está a contar a nós, europeus, a realidade deles, país balcânico. A adoração por tudo o que é sinal de ocidentalização. A incontrolável necessidade de investir quase tudo do muito ou pouco que se tenha num carro, ou num qualquer conjunto de bens materiais que todos possam espreitar. E a corrupção. A desertificação. A falta de visão e oportunidade desta terra onde a meteorologia diz que vai chover mas onde o sol manda mais. O dia acaba por ser incrível para mim e para os expatriados que se podem dar ao luxo de aproveitar as praias. Russos e ucranianos são as mais recentes correntes deste tranquilo país do mar Adriático. Inigualáveis riquezas naturais. Perfeito para quem já tem suficiente do outro tipo de riqueza.
Mas voltando ao guia, o que mais me marcou foi o desprendimento e aceitação com quem falava da corrupção e infindáveis horrores da (falta de) gestão pública local. Quando nos apontava para o terceiro edifício público que dizia estar “em recuperação para os turistas poderem visitar no futuro” perguntaram-lhe se obras já tinham começado, já que não estava à vista nenhum trabalhador. A resposta de sorriso aberto foi “ah isto não é a Europa. Aqui o trabalhador acorda, chega, vai beber um café, depois talvez volte e trabalhe, e sai outra vez”. Foi uma constatação sem mais. Nem julgamento nem orgulho.
Perante aquela falta de auto-preconceito fiquei impressionada. Eu, que na minha intensa portuguesidade, tenho vergonha do estado político e económico do meu país. Principalmente quando confrontada por estrangeiros sobre notícias na BBC sobre o mercado imobiliário em Lisboa.
Realidade é que, tal como a Albânia, ainda que numa escala e fase de desenvolvimento distintos, também nós estamos num momento de oportunidade. A de definir, com a aplicação do gigante pacote fundos comunitários, um futuro diferente do que até aqui tem sido o presente. E se pessoalmente não tenho fé no que aí vem, posso pelo menos fatalmente declarar que existe a possibilidade de que amanhã haja um Portugal melhor que o de hoje. E que esse possa ser o país em que pessoas confrontadas, como eu fui, com a possibilidade da emigração decidam o oposto do que eu decidi e fiquem. Não por amor à pátria. Mas pela efectiva paridade de oportunidades.
Retracto-me. Há momentos específicos na história de países, que são de definição e re-definição. Vão e vêm. Quando aparecem, como agora a Portugal, olhar para os nossos defeitos sem preconceitos traz claridade. E essa, que nos tem até agora faltado, ajuda ao mapeamento de soluções que efetivamente sirvam aos problemas para que foram pensadas.