Não chega vir apontar o dedo à Escola. Percebo e, muitas vezes, identifico-me com artigos que, com alguma frequência, vêm publicamente apontar falhas à Escola. Por vezes, vai-se mais longe argumentando a inutilidade da Escola, apontando-lhe falhas tão graves que a tornam um obstáculo na vida das crianças e adolescentes. Não venho nem contribuir para os exageros nem ser mais um treinador de bancada. Escrevo sobre uma visão de Escola que defendo e para a qual quero continuar a contribuir.
Este ano letivo recebemos, na Academia TEN, vários alunos absolutamente fascinantes. Raparigas e rapazes interessantíssimos, competentes, cheios de vida, sentido de humor e energia. As suas famílias trouxeram-nos até nós porque existiam dificuldades na relação com a Escola: entre outros, problemas de aproveitamento escolar, de métodos de estudo ou de integração social. Procuravam-nos porque a Escola, de alguma forma, não estava a chegar. Alguns, diagnosticados com algum tipo de défice cognitivo, têm pela frente desafios significativos na sua integração escolar; para outros, em número não inferior aos primeiros, os maiores obstáculos são os da motivação, de interesse e de identificação com o trabalho escolar.
Há demasiados alunos a sentir insucesso na Escola. Conhecemos bem o perfil destes grupos de alunos, o que faz com que seja surpreendente a dificuldade que temos em antecipar estratégias que atenuem (e resolvam!) estas situações. Há, também, demasiados alunos para quem a Escola é indiferente, que se diluem nos números e acabam por nunca ser desafiados a ir mais além. Por isso, defendemos e procuramos contribuir para uma visão de Escola como um lugar e tempo de encontros e oportunidades!
Encontros são momentos de ligação, de vínculo. A professora norte-americana Rita Pierson descreve-o maravilhosamente num TED quando argumenta que Every kid needs a champion!. Pensar a Escola como um lugar onde se dão encontros verdadeiros, momentos de human connection, é particularmente relevante num tempo em que as nossas crianças e adolescentes crescem numa sociedade demasiado apressada, como têm alertado, entre outros, o Professor Carlos Neto, o Dr. Pedro Strecht e o Dr. Mário Cordeiro.
Há várias ilustrações desta cultura de encontro a que poderia recorrer, destaco duas: a curta-metragem O Circo das Borboletas, particularmente o encontro entre Will, um homem altamente incapacitado, e Mr. Méndez, o dono de um circo capaz de ver o melhor de cada um e assim ajudar aqueles que chegam até si a descobrir os seus talentos. Vale a pena ver e rever a história da relação que constroem; Os Miseráveis e a emocionante história de Jean Valjean e do seu encontro com o bispo que vê além do criminoso diante de si, o respeita como homem e o conquista com a missão que lhe confia.
Quero contribuir para uma Escola que chegue a todos os seus alunos, os respeite e lhes diga que o seu valor é reconhecido. Quero contribuir para uma Escola onde todos têm lugar porque todos acrescentam qualquer coisa, porque em cada um se pode encontrar algo único que deve ser cuidado, cultivado e partilhado.
As histórias de Will e de Jean Valjean são também histórias de oportunidades. “Quem sou eu?” perguntou-se Jean Valjean naquele momento em que o bispo o olhou e agiu de forma surpreendente, recuperando o homem que estava além do rótulo. Jean Valjean pôde ser quem haveria de ser porque alguém acreditou antes de ver, porque alguém acreditou nele antes de o próprio acreditar. Assim foi também com Johnson Semedo, um homem com uma história fascinante e para quem um encontro com uma assistente social na prisão foi absolutamente determinante. E é também o caso de tantas conquistas que todos fizemos e faremos nas nossas vidas, provavelmente mais discretas mas não menos relevantes. Triunfamos, também, e muito especialmente, porque alguém acreditou em nós e nos empurrou para sermos o que tínhamos de ser. Trata-se daquilo que, em termos académicos, Vygostky propôs como Zone of Proximal Development. Enquanto educadores – enquanto Escola – é fundamental darmos a oportunidade aos nossos alunos de crescerem e se tornarem naquilo que devem ser, reconhecendo o valor da presença de alguém que ajuda a abrir caminho, que abre perspetivas e, muito importante, que confia e acredita em cada um.
Tornar a Escola, cada vez mais, num lugar e num tempo de encontros e oportunidades é reconhecer que este é o maior património que temos para oferecer; é reconhecer que esta é uma necessidade fundamental no acompanhamento de cidadãos conscientes, capazes e felizes. Valorizar esta dimensão da vida da Escola e dar-lhe um lugar central não implica uma desvalorização de tudo o resto. Aliás, as diferentes aprendizagens não se excluem necessariamente, dão-se, tantas vezes, em simultâneo. Essa é a riqueza da infância e da adolescência.
Penso que este é o espírito do Decreto de Lei nº 54/2018, de 6 de julho. Como se lê na abertura do seu texto, este decreto “tem como eixo central de orientação a necessidade de cada escola reconhecer a mais-valia da diversidade dos seus alunos, encontrando formas de lidar com essa diferença, adequando os processos de ensino às características e condições individuais de cada aluno”. Para tal, refere-se que todos os meios disponíveis devem ser convocados para assistir cada caso, baseando qualquer abordagem em “modelos curriculares flexíveis, no acompanhamento e monitorização sistemáticas da eficácia do contínuo das intervenções implementadas, no diálogo dos docentes com os pais ou encarregados de educação e na opção por medidas de apoio à aprendizagem, organizadas em diferentes níveis de intervenção, de acordo com as respostas educativas necessárias para cada aluno adquirir uma base comum de competências, valorizando as suas potencialidades e interesses”. O objetivo é o de “garantir que o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória seja atingido por todos, ainda que através de percursos diferenciados, os quais permitem a cada um progredir no currículo com vista ao seu sucesso educativo”.
A tarefa em mãos é gigante. Conseguir chegar a todos, fazer da Escola uma experiência cada vez mais personalizada é um desafio tremendo. Tentá-lo é um imperativo ético; consegui-lo seria o mais importante e significativo investimento que poderíamos fazer no futuro das nossas comunidades e da nossa vida em democracia.
Na Academia TEN, não nos limitamos a receber os nossos alunos em horário extracurricular. Colocamo-nos em diálogo com as famílias e com as escolas. Somos da Escola não apenas porque também somos professores em escolas. O acompanhamento que desenvolvemos de forma extracurricular tem impacto no dia-a-dia das escolas, não fica de fora dos muros das escolas. Este trabalho em rede é fundamental, está previsto no decreto-lei que já referi e parece-me uma estratégia que, a nível local, deve ser equacionada pois a falta de recursos das escolas continuará a ser um dos maiores obstáculos a ultrapassar.
Urge adequar os modelos escolares para que mais encontros se deem, para que mais oportunidades possam surgir, especialmente para aqueles que tendencialmente estão a ficar para trás. Há muita coisa que pode e deve mudar para dar mais resposta aos desafios do nosso tempo; importa continuar a fazer caminho e não parar perante as muitas dificuldades e frustrações. Como dissemos, faz falta mais trabalho em rede, mais partilha de estratégias, mais vontade e disponibilidade para colaborar, dentro das escolas e, também, com aqueles que, fora dos muros das escolas, procuram contribuir.
No final do dia, o fator crítico continuará a ser o mesmo – nós, as pessoas que trabalhamos na Escola. Entre tudo o que nos é exigido, particularmente aos professores, temos de privilegiar os encontros, temos de nos ligar aos alunos, temos de chegar a todos. Como equipas, temos de garantir que todos os nossos alunos têm pelo menos uma ligação, algum tipo de experiência de conexão humana, algum laço.
“- Sim, laços – disse a raposa. – Ora vê: por enquanto tu não és para mim senão um rapazinho perfeitamente igual a cem mil outros rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto eu não sou para ti senão uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativares, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E eu também passo a ser única no mundo para ti…”
Só se educa e ensina verdadeiramente em relação. Essa será, talvez, a maior exigência de todas para quem trabalha na Escola; esse é certamente o maior património da Escola! Em tempo de preparação de mais um ano letivo, estamos a trabalhar nas nossas atividades e junto de algumas escolas neste sentido. Ao leitor deixamos este desafio: naquilo que lhe é possível, ajudar a transformar a Escola, cada vez mais, num lugar e tempo de encontros e oportunidades.
Academia TEN