Esta Escola Pública não é para a “geração deprimida”…

 

Marta Rebelo

Consultora de comunicação digital, ativista de Saúde Mental

… e este país não é para professores, não é para alunos, não é para psicólogos escolar, e está por perceber-se para que comunidade escolar é, afinal. Quando os professores estão em greve e nas ruas em protesto contra um sistema de recrutamento, contratação e colocação irracional, caótico, insuficiente e desumano, podemos somar à contestação e insuficiência educativa o vazio da psicologia escolar. Se a saúde mental de crianças e adolescentes está no olho da tempestade global que arrasa a sanidade humana, alguém acha que ensinar sem acompanhar psicologicamente é educar? Parece que sim: os 27 Ministros da Educação que já passaram pela pasta, nos 23 Governos Constitucionais que nos geriram desde 1976.

Um em cada seis jovens entre os 10 e os 19 anos tem ou já teve um problema de saúde mental, nomeadamente depressão, ansiedade e perturbações do comportamento; 50% das doenças mentais instalam-se até aos 14 anos, e 75% até aos 24 anos; o suicídio é segunda causa de morte naquela faixa etária, na UE e em Portugal; a ideação suicida em crianças com menos de 12 anos tem uma prevalência de 7,5%; em 2019, 1000 milhões de pessoas tinham uma doença mental. Os números são da Organização Mundial de Saúde e da The Lancet, mas o susto deve ser todo nosso. Enquanro os cientistas tentam compreender esta “geração deprimida”, o governo português tenta ignorar-lhes as necessidades: na escola pública, do pré-escolar ao secundário, estão 1,243 milhões de alunos para aprender, 130,5 mil professores para ensinar e 1700 psicólogos para promover, prevenir e cuidar e educar para a saúde mental, prevenir o abandono, o insucesso e a violência escolar, guiar as decisões vocacionais, a integração e a inclusão. Estes psicólogos têm em comum com os professores as regras de recrutamento e contratação, no cerne dos protestos em curso: são (muito) escassos, precários, estão a tempo parcial e dispersos geográfica e funcionalmente. Na escola privada, a conversa e os números são bem diferentes, garantindo que o ensino em Portugal, obrigatório até ao 12.º ano, seja reflexo não de igualdade, mas de capacidade financeira. Se a saúde mental não é para os cidadãos que recorrem ao SNS, também não é para os portugueses que aprendem na escola pública – a oferta está ainda mais doente do que as nossas mentes.

O psicólogo escolar, “técnico especializado” no jargão burocrático do Estado, junta-se ao professor na miséria da escassez, da anualidade atrasada da contratação e na geometria (mais que) variável de colocação. Veja-se a quantidade, premissa preferida de governantes para invocação do sucesso e suficiência. Em 2017, a Ordem dos Psicólogos recomendava como rácio mínimo 1 psicólogo para cada 1000 alunos. No entanto, hoje as melhores práticas educativas internacionais indicam um rácio de 1/600 (veja-se a National Association of School Psychologists). Uma vez que de 2015 a 2022 os psicólogos escolares passaram de 700 para quase 1700, o atual Ministro da Educação apressou-se a clamar sucesso: o nosso rácio atual é de 1/731 – cumpre a recomendação de 2017, não chega à indicação internacional. Naturalmente, esta conta está errada, porque a proporção pura é insensível à substância.

Os psicólogos escolares estão colocados essencialmente a tempo parcial. São 18 horas semanais que, divididas por 731, dão 1,4 minutos de atenção por aluno. Se tivessem horário completo, teriam 2,9 minutos por aluno, e se o rácio internacional fosse cumprido, 3,5 minutos. Mas este cronómetro tem mais variáveis: cada psicólogo tem a seu cargo, em média, 10 estabelecimentos escolares geograficamente dispersos, e cuida de alunos de diversas faixas etárias e anos de escolaridade, com necessidades de apoio psicológico muito distintas. E se, adicionalmente, o contexto socioeconómico dos estudantes for muito diverso? E as taxas de abandono e insucesso escolar exigirem atenção suplementar? E os níveis de desistência implicarem um esforço de psicologia vocacional redobrado? Quanto tempo duram, realmente, estes 1,4 minutos por aluno? Portanto, dizer que o rácio está a ser cumprido é maluquice, da mais semelhante a um transtorno mental.

O ensino e a psicologia escolar públicos são regidos por um caos iníquo, injusto e irracional, que vai sobrevivendo a todos os ministros, de todos os governos, de todos os partidos. Escapa-me a razão desta aversão ao progresso social, económico e cultural da população e do país, objetivo-mor da escolaridade obrigatória. Não será sintoma de uma espécie de esquizofrenia governativa, obrigar à educação sem condições reais de ensino, aprendizagem e apoio psicológico? Portugal é o país menos educado da UE e está no top 3 das depressões, ansiedade, burnout e, em geral, da má saúde mental – porque será?

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