O Presidente do Governo Espanhol, embora tendo podido e querido actuar, viu-se obrigado a não o fazer. Ninguém lhe pediu. Num desastre de uma magnitude que desafia qualquer descrição, como o que assistimos, em Valência e Albacete, chuvas torrenciais varreram comunidades inteiras. Falhou a prevenção, falhou a coordenação e falhou a resposta adequada. Um cenário de destruição e desespero, onde os edifícios que resistiram estão cercados por lama e destroços, e onde os rostos das pessoas reflectem o impacto de uma catástrofe que não dá tréguas. A dor que testemunhamos é incalculável: pessoas que perderam familiares, que ficaram sem as suas casas e bens, num cenário de verdadeiro apocalipse. A ausência de resposta imediata do Estado deixou os cidadãos entregues a uma sensação de abandono e de completa descrença nas instituições públicas. É como se as próprias instituições tivessem desaparecido no momento em que eram mais necessárias.

Não é correcto afirmar que a lei espanhola exige uma solicitação formal do presidente regional para que o Estado intervenha em crises de uma magnitude como a que vimos em Valência. Nem a lei do Estado de Emergência nem a de Protecção Civil impõem uma barreira deste tipo. Se o Estado Espanhol não consegue, por si só, reconhecer que uma catástrofe desta escala requer a mobilização imediata dos seus maiores recursos, estamos perante uma falha de compreensão alarmante e uma disfunção crítica do sistema de resposta nacional.

A tragédia de Valência expôs, de forma trágica, a crescente vulnerabilidade da Península Ibérica perante as alterações climáticas. Este evento não foi um caso isolado, mas sim mais um sinal de alarme num cenário que, ano após ano, se agrava. O Sul da Europa tem sido identificado como uma das zonas mais expostas a eventos climáticos extremos — secas persistentes, inundações devastadoras e incêndios florestais de grande intensidade. Estudos recentes mostram que esta região já está a sofrer um aumento de temperatura média superior ao de outras partes da Europa, e as projecções para o futuro não poderiam ser mais preocupantes.

Esta situação coloca-nos perante a necessidade urgente de redefinir as prioridades políticas e de resposta em face das alterações climáticas. Não se trata apenas de reagir aos desastres quando acontecem, mas de reconhecer que a magnitude e frequência desses eventos exigem que o Estado actue de forma proactiva e sem hesitações. O tempo para um sistema de resposta fragmentado e dependente de solicitações formais já passou; estamos a entrar numa era em que a preparação e a intervenção imediata devem ser a regra, não a excepção.

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Mas esta emergência levanta também questões profundas sobre o papel que a União Europeia pode e deve assumir em situações desta natureza. Catástrofes desta magnitude ultrapassam fronteiras, afectando directamente a segurança e a estabilidade de todo o continente europeu. A necessidade de uma resposta robusta por parte da UE torna-se evidente, especialmente quando observamos a vulnerabilidade crescente da Península Ibérica e do Sul da Europa a eventos climáticos extremos. Neste contexto, a União Europeia pode ser uma força catalisadora, oferecendo não apenas recursos financeiros, mas também infraestruturas e mecanismos de apoio que complementem e ampliem a resposta nacional.

A resposta europeia às catástrofes climáticas precisa de ser ampliada e reforçada, começando pelo fortalecimento do Mecanismo de Protecção Civil da União Europeia. Defendemos a criação urgente de um fundo europeu de adaptação climática, destinado a reforçar a resiliência das infraestruturas nas zonas mais vulneráveis, como áreas costeiras e florestais. Esta iniciativa deve contemplar a construção de barreiras contra inundações, a melhoria dos sistemas de drenagem e o desenvolvimento de infraestruturas robustas, capazes de resistir a condições climáticas extremas que estão a tornar-se cada vez mais frequentes.

Mas não basta preparar o terreno; é essencial que as comunidades estejam capacitadas para responder. A tragédia em Valência demonstrou, de forma dolorosa, a falha gritante dos sistemas de alerta precoce, que deixaram populações expostas e desprevenidas. É fundamental implementar uma rede de alertas que alcance directamente os cidadãos, permitindo-lhes tomar medidas imediatas, e equipas de resposta rápida, treinadas para actuar em condições extremas. Estes sistemas de alerta não só informam, mas são uma linha de defesa vital que deve estar sempre ao alcance das populações mais expostas.

Além disso, o Programa RescEU deve ser expandido e adaptado, passando de uma frota para combate a incêndios a uma verdadeira força europeia de protecção civil, preparada para responder a desastres de qualquer natureza — inundações, tempestades, secas extremas, e todos os outros fenómenos associados às alterações climáticas. Este programa deve integrar equipas treinadas, recursos logísticos e uma capacidade de intervenção rápida que honre o compromisso europeu de protecção e segurança dos seus cidadãos. Precisamos de uma força europeia de resposta civil com abrangência e agilidade suficientes para enfrentar as novas realidades climáticas, numa actuação que seja simultaneamente célere, eficaz e preventiva.

As forças da natureza desafiam-nos sem piedade, mas também nos convocam para o melhor da condição humana: a capacidade de adaptação e de reconstrução. Neste momento, o que está em jogo vai além da mera sobrevivência de milhares de pessoas ou da simples restauração das zonas destruídas. Em causa está algo mais profundo e mais delicado: a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas que os deveriam proteger. As imagens de ruas transformadas em ruínas, de rostos marcados pela perda e de sobreviventes a vasculhar, em águas turvas, os restos das suas vidas, são o retrato de um fracasso monumental. Um vazio de acção em que a ausência do Estado se revela tão esmagadora quanto a própria devastação.