Que fique claro: não tenho (já tive[1]) qualquer mandato para defender ou falar em nome das “empresas celulosas”, como são designadas as indústrias da fileira da celulose na parte 4 da série de artigos sob o tema “Florestas emissoras de gases com efeito de estufa”, publicada no Público no passado dia 25 de agosto. Esse mandato que já tive não me limita o direito a (re)agir ao que se vai escrevendo sobre floresta e sobre eucaliptos. Também não tenho qualquer responsabilidade ou compromisso com a atual ou a anterior governação, em particular em matéria de política florestal. Já as tive[2], sim, mas deixei-me disso, recuperando a liberdade de, em qualquer circunstância, exprimir a minha opinião sobre esta tão importante realidade para nosso País.
Dito isto, que fique igualmente claro: sou um defensor racional (isto é, só por interesse, não por amor) da importância que o eucalipto (tal como o sobreiro, o pinheiro-bravo e outras espécies que para aqui não são chamadas) teve, tem e pode, de forma reforçada, vir a ter para o País, e sou também defensor (ainda e sempre por interesse) do regresso das Políticas Florestais que, com o tempo e na Europa que integramos, têm vindo a ser substituídas por Políticas de Redução do Risco de Incêndio, por Políticas Ambientais e por Políticas do Clima.
Sou, pois, um interesseiro elevado ao cubo, com interesses claros: espero (exijo!) da espécie e das políticas públicas: (1) um contributo acrescido para a criação de riqueza no meu país, (2) um contributo sólido para a descarbonização da sua economia, por sequestro direto de carbono e por substituição de matérias-primas de origem fóssil, e (3) um contributo essencial para a valorização dos recursos naturais do nosso território, diretamente pela gestão sustentável da floresta de eucalipto, e indiretamente pela proteção que estas floresta conferem a florestas de alto valor de conservação espalhadas pelo mundo e pelo contributo que podem dar para o financiamento da instalação de espécies florestais de menor valor comercial.
Declarados os meus interesses, deixo um breve comentário a alguns pontos da referida quarta parte da série escrita por Rita Cruz, do Carbon Forests Project (continuo sem encontrar referências deste Projeto, mas certamente por deficiente pesquisa da minha parte).
O artigo centra-se numa entrevista dada pelo Secretário de Estado das Florestas e é matreiro em alguns pontos. Logo de início refere (cito) que “durante a campanha eleitoral, o agora primeiro-ministro Luís Montenegro garantiu que, a ganhar as eleições, não iria aumentar a área de eucaliptal”, remetendo para uma notícia da Rádio Renascença que descreve uma interação do então candidato a Primeiro-ministro com um “ambientalista”. Curioso: em nenhum momento dessa descrição o agora Primeiro-ministro afirma tal coisa. Desconheço qual a intenção, à época, de Luís Montenegro nesta matéria, muito menos qual é a sua intenção nos dias de hoje. Porquê então colocar-lhes tais palavras na boca? Deve dar jeito à narrativa. Quanto ao ambientalista em causa (o senhor Manuel Reis, segundo a notícia), ele próprio tem os seus interesses, e preside a uma Associação (Agir pelo Planeta) que pretende plantar 100 mil árvores autóctones na região Norte até 2025, sendo financeiramente apoiada por dinheiros públicos. Deseja-se que a Associação se interesse também pela gestão futura das áreas que tenha plantado ou venha a plantar.
Adiante. Na entrevista ao Secretário de Estado Rui Ladeira, é narrado (transcrevendo certamente afirmações suas) “que a promessa é para cumprir e que não planeia rever os limites de arborização e rearborização com eucalipto”. Ou seja: a promessa que não existia (pelo menos na fonte citada) passa agora a existir, supondo que o agora já Primeiro-ministro Luís Montenegro se revê nela. Estou cada vez mais convencido de que existe um qualquer fetiche com a atual área de eucalipto no país (que depende, como sabemos, da fonte de informação consultada), e com os feitos que tal área possibilita. Seria de esperar que, estando ela trancada desde 2017 (vai, portanto para oito anos), a floresta nacional tivesse prosperado de forma evidente. Mas não.
No artigo do Público, e a propósito dos incêndios de 2017, é também citado um excerto do Relatório da Comissão Técnica Independente, no qual se refere que “…das análises efetuadas parece claro que (…) são o pinheiro-bravo e o eucalipto as espécies que mais arderam em 2017 (…) e que quando coexistem, estas duas espécies têm ainda maior probabilidade de arder”.
Duas notas relevantes: (1) a região Centro, na qual se desenvolveram os incêndios de 2017, é absolutamente dominada por estas duas espécies (estranho seria, pois, que não fossem elas as que mais arderam), e (2) no texto é cirurgicamente omitida a afirmação que se segue à citada, “…no entanto é de registar a muito significativa redução da probabilidade de arder de povoamentos puros [n.d.a, de pinheiro-bravo ou de eucalipto]com a redução dos matos no seu sob-coberto”. A omissão não parece de todo inocente: povoamentos puros de eucalipto e pinheiro-bravo a contribuírem para reduzir muito significativamente o risco de incêndio? Vade retro!
Citando o Secretário de Estado, e agora sobre o abandono da floresta (que, mais uma vez foca apenas o eucalipto, como se as áreas abandonadas fossem apenas essas), é estabelecida uma regra de ouro: “…se há desinteresse, pois bem, elas [as áreas de eucalipto] têm que passar para áreas de outro uso, nomeadamente de folhosas ou zonas de conservação, ou zonas de outras espécies que venham a ter maior rentabilidade. E porque não silvopastoril ou agrícola?…”.
Aqui comecei a ficar verdadeiramente confuso. Quando há interesse(s) na floresta, aqui d’el Rei que é o grande capital que está a manobrar por detrás, quando há desinteresse, a ocupação das áreas em causa passa a ser determinada por amor. Sim, só pode ser por amor. Mas terá que vir amor em doses massivas, pois o território é vasto e o abandono significativo! E se as áreas abandonadas forem de pinheiro-bravo? Ou de carvalhos?
Mais a sério, e o senhor Secretário de Estado sabe-o bem, existem muitas outras causas para o abandono e para o desinteresse, bem mais complexas do que a simples e aparente falta de rentabilidade. Decretar a instalação de outras espécies que, supostamente, tenham maior rentabilidade e promover a definição das ocupações do solo como se o território fosse uma folha em branco é fácil, mas não leva a lado nenhum. Comece-se por gerir o que existe, para depois se pensar em conduzir as transformações que façam sentido.
É por estas e por outras que tenho mesmo saudade dos tempos em que se discutia Política Florestal, na sua diversidade de objetivos, em vez de se venderem ilusões. Confesso que, nos últimos dois anos do Governo anterior, tive esperança de que esse caminho estaria a ser retomado, sob a coordenação do então Ministro Duarte Cordeiro. Haverá razões para que tal esperança se mantenha?
Termino como comecei. Não me compete defender os interesses dos produtores de eucalipto, de pinho ou de sobro, muito menos as indústrias das respetivas fileiras de base florestal. Mas confesso que não consigo perceber a atração que parece existir em Portugal para destruir tudo aquilo que gera valor, em vez de se aproveitar esse valor para estimular a produção dos bens públicos que o mercado não valoriza. E não me venham com a incompatibilidade entre Economia e Ambiente, que esse já foi chão que deu uvas.
[1] O autor foi Diretor Geral da Biond – Associação das bioindústrias de base florestal, entre 2021 e 2023.
[2] O autor foi Secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural no Governo chefiado por Pedro Passos Coelho.