Não me entendam mal, a padronização de práticas de design nos últimos anos foi um dos maiores recursos para designers, gestores de produto e developers.

Dos guias de estilo às bibliotecas open source, ou, mais recentemente, a utilização de sistemas de inteligência artificial, são várias as soluções que não só facilitam o dia a dia das equipas de produto, como permitem a aplicação de princípios de uma boa experiência do utilizador.

Isto acelerou o crescimento de muitas empresas, principalmente no sector da tecnologia. A história de Silicon Valley fez-se ao olhar para o design como um serviço criativo para engenharia — as problemáticas de design foram resolvidas com foco na otimização, numa lógica de “design as engineering”.

Muitos designers de produto não criam soluções de raiz, trabalham a partir de design systems já estruturados — falta tempo para olhar para soluções (e repercussões) caso a caso.

Por outro lado, consumidores e utilizadores estão mais atentos. Procuram soluções mais alinhadas com os seus princípios e valores — do take-away à banca. Começamos a sentir as fragilidades destes sistemas.

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Como criamos experiências relevantes quando a maioria das soluções digitais foram padronizadas à exaustão? Como reconhecemos um bom design, quando todos os produtos são bons, mas nenhum é diferenciador? Como criamos experiências responsáveis e qual o papel destas na criação de sociedades mais justas e equitativas?

Precisamos olhar para as definições que nos guiaram até agora.

O termo human-centered design (criado nos anos 80), mostrou a importância de nos focarmos nas pessoas para quem estamos a desenhar. A indústria cresceu, os designers amadureceram e lidam hoje com problemas mais complexos.

Donald Norman, considerado o pai do UX, cunhou o termo user experience no início dos anos 90. Nos últimos anos Norman tem refletido sobre a disciplina e a evolução dos artefactos de design. Em 2019 escreveu um artigo onde refletiu a falta de adaptação das práticas user-friendly para uma população envelhecida, e como o design falha utilizadores fora do padrão — neste caso, a população envelhecida, mas a mesma reflexão tem sido feita repetidamente por mulheres e minorias.

Em 2023, com o seu novo livro Design for a better world sugere: Moving from Humans to Humanity — “When we design for humanity, we cannot stop with people.(…) We are an integral part of the system called “Earth, where changes in one component can impact every component.

É certo, a humanidade tem muitos problemas que precisam ser resolvidos, mas, enquanto espécie, não existimos isoladamente; somos uma pequena parte de um ecossistema que precisa de equilíbrio e diversidade para sobreviver. Partir da perspectiva humana ajuda a criar soluções mais humanas, mas perpetua viés cognitivos, sistemas de privilégio e cria pressões indesejadas no ecossistema.

Partimos de onde estamos confortáveis. Tendemos a projetar o nosso próprio espectro de conhecimento e experiência, usando a nossa perceção da realidade e intuição para gerar e testar ideias. Nem sempre é fácil reconhecer e identificar esta armadilha, pois, a população com capacidades semelhantes às do designer — a grande parte do tecido empresarial— têm garantidas boas experiências. Mas, e os outros?

É tempo de designers e negócios entenderem que não criamos a partir de uma página em branco. Herdamos todos os sistemas de privilégio e opressão. Como disse Joy Buolamwini “We don’t have to bring the structural inequalities of the past into the future we create“.

Enquanto designers, temos responsabilidade para com os utilizadores. Devemos considerar o impacto do nosso trabalho no bem-estar físico, mental e emocional das pessoas bem como as implicações sociais mais amplas das soluções.

Ao mesmo tempo, espero que a padronização, a colaboração entre designers nas diferentes indústrias e ferramentas abertas continuem a aumentar, mas que saibamos dar-lhes melhor uso para recuperarmos o tempo para explorar e pensar soluções criativas para o que realmente importa.

Na próxima década, ambiciono ver mais profissionais de design e empresas saírem da sua zona de conforto, quebrar bolhas nos seus ecossistemas, e criar soluções transparentes sobre o seu impacto respeitando as necessidades do utilizador, da sociedade e do planeta.

Sofia Carvalho é UX & Service Lead na With Company. Acredita no poder da tecnologia na construção de um futuro mais acessível, diverso e sustentável. Ao longo de 10 anos trabalhou com diferentes produtos e serviços: desde experiências digitais tradicionais a tornar a tecnologia acessível para pessoas cegas, passando por desenhar smart appliances para a Samsung ou impulsionando sistemas educativos e serviços públicos. Ao trabalhar em e com diferentes geografias e culturas — Portugal, Suécia, Silicon Valley, Macau e Coreia — desenvolveu o equilíbrio certo entre abordagens intuitivas e racionais para a resolução de problemas. Na vertente educativa, partilha o seu conhecimento através da criação e facilitação de workshops, como speaker em eventos e conferências, orienta a próxima geração de UX Designers e trabalha como consultora estratégica com startups.

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõem o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.