O novo governo da AD anunciou um conjunto de decisões que fazem todo o sentido de serem tratadas em conjunto, porque são projectos interdependentes, com enormes consequências no futuro da economia portuguesa. O novo aeroporto Luís de Camões depende da ferrovia para se chegar rapidamente a Lisboa, as novas linhas ferroviárias de Lisboa ao Porto e de Lisboa a Madrid, reduzirão o recurso ao avião e o financiamento privado do conjunto dos investimentos ganhará em ser tratado com o conhecimento das diferentes alternativas.

O governo não disse e estranhamente ninguém lhe perguntou qual será a bitola usada nas duas ligações ferroviárias de alta velocidade de Lisboa ao Porto e de Lisboa a Madrid, o que deve ser esclarecido rapidamente. Não quero acreditar que o Governo da AD aceite a tese do governo anterior de que a bitola ibérica defende a nossa economia da concorrência internacional, nomeadamente porque seria uma decisão contrária às decisões da União Europeia e impediria o financiamento europeu do programa CEF-T 2021-2027 que atinge os 70%.

Por outro lado, não estou a ver que se utilize a bitola ibérica na linha de Lisboa ao Porto e a bitola europeia para Madrid, sabendo-se que a bitola europeia foi a opção da Espanha e do governo de Durão Barroso na Figueira da Foz e é a via que permitirá a entrada em Portugal dos comboios europeus e a ligação dos comboios da CP e da Medway a todos os países da União Europeia. Ou seja, seria surreal que o novo governo da AD mantivesse a opção do governo anterior do PS de tornar Portugal numa ilha sem ligações ferroviárias europeias. As nossas exportações pagariam um preço inaceitável, como já foi demonstrado pelas nossas principais associações empresariais. A única decisão racional será, pois, a de usar a bitola europeia nas duas novas linhas de alta velocidade para o Porto e para a Europa – não apenas para Madrid – e, tal como em Espanha e nos países do Leste, manter por mais alguns anos as duas bitolas no plano interno. Novas linhas para passageiros e mercadorias, entenda-se.

É também a única solução que permitirá o investimento estrangeiro na indústria portuguesa, porque nenhuma grande empresa industrial investirá num país que não tenha uma ferrovia de ligação à Europa para a importação e exportação das suas mercadorias, sabendo-se que o transporte rodoviário é mais caro e está sob ataque das regras ambientais da União Europeia. Por outro lado, recordo que o corredor Atlântico, proposto e financiado pela União Europeia, está planeado para entrar em Portugal pelo Norte em direcção a Aveiro, de seguida por Lisboa e a entrada em Espanha na região de   Badajoz. Ou seja, o projeto europeu do Corredor Atlântico compreende três quartas partes da linha entre Lisboa e o Porto, com a maior parte a ser paga com fundos europeus. Ou seja, é criminosa a decisão do governo anterior de usar as parcerias público/privadas para financiar a linha de alta velocidade de Lisboa ao Porto.

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Uma outra questão é se devemos continuar a ter em Portugal empresas públicas no sector dos transportes, ou se é tempo de estudar, sem pressa, a privatização faseada das nossas empresas de transporte – não as de infraestruturas – em vez de, por exemplo, empresas como a REN e outras empresas que têm a ver com o uso do território nacional.

Também nada foi dito sobre as mercadorias e da ligação a Sines, o que é essencial pensar nas novas ligações a Espanha e à Europa, tema essencial a ser acordado com a Espanha, que está a utilizar a solução mista no seu corredor Mediterrâneo, já ligado a França. Sem esquecer que o futuro do transporte de mercadorias para longas distâncias passará pelo transporte de camiões em plataformas ferroviárias, como ainda recentemente vi em Itália. Trata-se da forma mais eficiente, mais rápida e mais económica de fazer o transporte porta a porta entre as empresas fornecedoras e os seus clientes.  Além da melhor solução do ponto de vista ambiental.

Em resumo, acredito seja possível realizar todas estas obras que incluem a ponte rodoferroviária do Barreiro a Chelas, com financiamentos privados e as infraestruturas ferroviárias pagas a 70% pela União Europeia. Não alinho, portanto, com aqueles que defendem soluções privadas na economia e, ao mesmo tempo, reagem negativamente acerca das afirmações do governo nesse sentido.

Volto à questão da bitola para que fique bem claro: a manutenção da bitola ibérica nas novas linhas ferroviárias seria um desastre de consequências trágicas para o futuro da economia portuguesa e uma decisão errada e incompreensível. Além de que a desculpa da dupla António Costa/ Pedro Nuno Santos de que são os espanhóis que não deixam fazer as necessárias ligações, é demencial. Aliás, para que conste, essa não é a posição da União Europeia e existe o acordo da Figueira da Foz feito entre os dois governos. Em qualquer caso é precisa mais informação e mais debate.

20-05-2024