A retórica de que Portugal tem médicos a mais já satura. Se os dados não forem enviesados, todos sabemos que não é verdade. Mas se o objetivo é hipotecar o futuro da Saúde, pilar essencial da sociedade, então estamos no bom caminho.

Acresce ainda a lavagem cerebral de que não é bom trabalhar no SNS, que afugenta a fixação de médicos e contribui para a fuga daqueles que formamos para outras áreas ou para o estrangeiro. E somam-se, por fim, às estatísticas de médicos disponíveis no País, os milhares que se estão e se vão aposentar nos próximos anos. Ou seja, não estão no ativo, mas contam como se estivessem.

A falta de médicos será por isso um problema crescente, com consequências graves para a saúde pública e o bem-estar social. Para esta falta de médicos muito contribui: i) formação académica em número insuficiente que não preenche as necessidades de mercado; ii) muitos daqueles que se formam em Portugal (e depois do enormíssimo investimento do Estado) fogem para países onde oferecem salários mais altos; iii) a distribuição geográfica desigual; e iv) as condições de trabalho muito esgotantes, muitas vezes praticadas com a ausência de recursos humanos que possam evitar a sobrecarga.

Como vamos formar médicos em número adequado para fazer frente às necessidades do país? Se não fugirem os estudantes, os médicos formados irão, como aliás já acontece, procurar outros setores (indústria farmacêutica, a consultoria ou o diagnóstico) para exercerem a sua profissão, evitando áreas como o serviço de urgência, o contacto com os doentes, a cirurgia, e o trabalho noturno em que a sua intervenção é absolutamente necessária.

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Porque é que se insiste em limitar a abertura de Mestrados Integrados em Medicina em universidades privadas, com provas dadas no ensino de áreas de saúde? Porque é que a Agência de Acreditação do Ensino Superior insiste em desprestigiar os hospitais privados como não sendo qualitativamente adequados para o ensino?

O insólito é que, apesar destas limitações, temos estudantes que fazem os três primeiros anos da formação médica em Portugal no Ensino Superior Privado, migram para Espanha, onde ingressam no 4.º ano de Mestrados Integrados em Medicina em universidades prestigiadas para o ensino médico, e vêm para hospitais privados em Portugal, durante o 6.º ano dos seus cursos para realizar os estágios clínicos em regime de mobilidade ERASMUS!

Portanto, para os vizinhos espanhóis, que os acolhem, temos das melhores condições que um estudante de medicina poderá almejar. Por cá, falta ultrapassar o preconceito negativo sobre a qualidade formativa de Portugal no setor privado, universitário e de saúde.

E neste trajeto, saem do país, por cada 1000 portugueses que se formam em Medicina lá fora, 220 a 250 milhões de euros, calculados entre o valor pago em propinas, despesas de alojamento, alimentação e deslocação, segundo a Associação Portuguesa de Ensino Superior Privado.

Vamos hipotecar a boa saúde que construímos em Portugal e quando o problema for bem pior do que já existe não teremos capacidade reativa, porque não é possível formar médicos à pressão. Passaremos a contratar mais médicos formados noutros países (como já acontece), e cujo escrutínio formativo está longe de ser por nós monitorizado.

Assim, não.