Portugal enfrenta um problema no mercado de habitação. Na última década, os preços das casas  duplicaram. Atualmente, o país é um dos piores na Europa em inacessibilidade das casas em  relação aos rendimentos. Trata-se do principal problema que Portugal enfrenta, a par do fraco  crescimento económico e da baixa produtividade. A combinação destes três fatores tem levado a  uma degradação rápida da vida dos portugueses.

Onde falha o debate sobre a habitação? O debate tem oscilado entre dois lados, que atribuem  o problema quer à oferta e má distribuição das casas, quer à procura, defendendo  respetivamente soluções como construção ou subsidiação dos arrendamentos e garantias  públicas em créditos. Pelo meio, argumentos politicamente marcados atribuem o problema à  especulação e ao turismo, justificando com isso ações agressivas e violadoras dos direitos  individuais. Ambos os lados estão parcialmente corretos, mas falham nas soluções porque não  identificaram bem a causa raiz da subida de preços: o valor da terra.

Porque sobem os preços das casas? As casas, tal como um carro, são bens que se degradam.  Tipicamente, uma casa terá uma vida útil de 50 a 75 anos, a partir do qual necessitará de obras  profundas. As casas por isso são como qualquer outro bem de uso. Contudo, ao contrário de um  carro que desce de valor assim que sai da loja e perderá quase todo o valor ao final de alguns  anos, as casas sobem de preço. Porquê? A causa raiz da subida de preço das casas é o local  onde elas se situam, ou seja, o terreno (na ausência de obras de melhoria). Esse efeito de  valorização da terra transfere-se para o valor da casa e com isso o seu preço sobe, refletindo a  localização e a infraestrutura circundante: o terreno foi ganhando à sua volta estradas, ruas,  hospitais, escolas, comércio e oportunidades de trabalho e de vida que atraem as pessoas, que  assim estão dispostas a pagar mais por viver naquele sítio. Portanto, a subida de preço de um  imóvel é devida ao investimento que a cidade fez no seu perímetro. Ou seja, um proprietário  beneficia da generalidade dos impostos coletados e dos investimentos que a comunidade fez na  zona, contribuindo sensivelmente o mesmo que um não proprietário. Trata-se de um ganho  assimétrico e por isso injusto. Nas últimas décadas, fruto da migração para zonas urbanas,  turismo e novos residentes, ocorreu um aumento da procura, sem correspondente aumento da  oferta, amplificado pelos juros baixos. Os preços da terra subiram e com isso os preços das  casas.

Apesar da formação de preços dos imóveis ocorrer devido à sua localização, a taxação da  propriedade através do IMI reflete na maior parte o valor do imóvel construído e não  necessariamente o valor do terreno. Simplificando, se um lote de terreno na Avenida da  Liberdade for dividido em duas partes e um proprietário deixar o seu lote baldio e outro construir  um edifício de 5 andares, o proprietário do edifício vai pagar mais IMI que o proprietário do  baldio. Adicionalmente, caso arrende o edifício, pagará ainda imposto sobre o rendimento. Ou  seja, o proprietário que investiu e valorizou o seu terreno, pagará mais imposto que o proprietário  do baldio que não fez nada. Da mesma forma se o proprietário de um edifício decidir deixá-lo em  ruínas, pagaria menos imposto, enquanto que um proprietário que decide valorizar o seu imóvel e fazer obras pagaria mais. Contudo, ambos os terrenos beneficiam sobre o efeito de valorização  da zona, através dos investimentos que a câmara fez ao redor. O Estado, nós, assim acabamos  por incentivar a desocupação: se os custos de posse são baixos (limpar o terreno anualmente,  IMI, etc), o proprietário que abandona o espaço beneficia de um aumento significativo do seu  património “sem fazer nada”. Este incentivo beneficia a improdutividade. O mesmo argumento  poderia ser aplicado a um agricultor que lavra a terra e outro que a abandona, ou a terrenos com  recursos naturais.

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Este problema tem-se agravado em Portugal. Recorde-se que a nível europeu, o país tem dos  maiores índices de casas por habitante e dispõe de 723 mil casas abandonadas à data de 2023.  Ao contrário do argumento que indica que essas casas estão fora das zonas procuradas, Lisboa  dispõe de 150 mil casas vazias. Portanto, há casas vazias nas zonas mais procuradas. À  pergunta que já teria surgido numa caminhada pelo centro da cidade: porque é que esta casa  está vazia e ninguém a coloca no mercado? Uma das respostas diretas é porque compensa  economicamente deixá-la vazia. Mesmo considerando o custo de oportunidade de a colocar no  mercado, o terreno está a valorizar significativamente mais do que o custo de posse. No nosso  país, fruto de um mercado financeiro incipiente e baixa liquidez da economia, o imobiliário  tornou-se a principal fonte de riqueza das famílias, representando cerca de 50% do seu  património. Portanto vender um terreno e colocar os resultados num fundo de investimento não é  opção para a maior parte das pessoas, porque não compensa. O terreno é um ativo que valoriza  com baixos custos de posse e que, no máximo, pagaria 15% sobre a mais-valia ou até zero,  nalguns casos. Investir num ativo produtivo que gerasse exatamente a mesma valorização,  pagaria pelo menos 28% de imposto, podendo chegar até 48%.

Como resolver este problema? A resposta foi identificada por quase todos os economistas:  através de um imposto sobre a terra. Chamado de “imposto perfeito” (ainda que tecnicamente  não seja um imposto), talvez seja um dos pontos mais consensuais na ciência económica: o  imposto sobre a terra é o único que não perturba a atividade económica de maneira significativa.  Ao contrário do imposto sobre o trabalho ou sobre o investimento, que retira um incentivo para  produzir e fazer a economia crescer (o chamado peso-morto), uma renda sobre a terra não tem o  mesmo efeito. Assim, economistas como Adam Smith, David Ricardo, Stuart Mill, Henry George,  Friedman, Stiglitz, entre outros estão de acordo (algo invulgar). Num sistema ideal, apenas  haveria impostos sobre a terra e não haveria impostos sobre os rendimentos gerados pelas  pessoas e pelas empresas. Porque um imposto sobre o trabalho, sendo alto, pode incentivar as  pessoas a trabalhar menos ou até a emigrar, tal como um imposto sobre o investimento, por  exemplo sobre um arrendamento de uma casa, desincentiva os proprietários a colocarem-no no  mercado ou a melhorarem a casa, levando até a preferir deixá-la vazia. Podemos dizer que isso é  exatamente o que está a acontecer em Portugal. Ou seja, os impostos sobre “atividades  humanas” chegaram a um ponto tão alto que reduziram essas atividades e a sua oferta. Em  alternativa, o sistema baseado na terra não permite reduzir a oferta da terra e com isso alterar o  mercado, porque a terra não pode ser “retirada” ou mudar-se para um país diferente. Este  sistema tem raízes filosóficas profundas, ancoradas na justiça económica: ao contrário do  trabalho ou de um investimento, a terra em si mesma não foi “produzida por ninguém”. Assim,  faria sentido que enquanto que os rendimentos do trabalho ficassem na sua maior parte para a  pessoa que trabalhou, que os rendimentos do investimento ficassem para o empreendedor que  arriscou, também faria sentido que os rendimentos da terra fossem na sua maioria “partilhados”  pela comunidade que a valoriza. Atualmente, no nosso sistema fiscal taxa muito mais um  empreendedor ou um trabalhador, do que a propriedade, ignorando a especificidade da terra. Os  impostos sobre a propriedade representam menos de 2% da receita total do Estado. Isto faz com  que a valorização da terra crie uma tremenda desigualdade e constitua na prática uma renda  paga pelos não proprietários (sobretudo jovens e mais pobres) aos proprietários (sobretudo  velhos e mais ricos), pelo intermédio de arrendamentos e empréstimos. Pode dizer-se que o  sistema, usurpa o futuro dos jovens portugueses e coloca-o a pagar o passado. Este problema,  acompanhado pelo envelhecimento populacional, tem gerado fraturas intergeracionais.  Adicionalmente, as medidas propostas para o problema da habitação são quase na sua integra  transferências e redistribuições de riqueza, porque não tocam nos pontos essenciais.  Vulgarmente, tirar de um bolso para colocar no outro. Não satisfazem nem proprietários, nem  inquilinos – nem criam qualquer tipo de eficiência no mercado.

Como implementar um sistema radicalmente diferente? Ao contrário do sistema atual, que  apresenta impostos baixos sobre a propriedade (de 0,35% até 0,80% sendo que pode acrescer  até aos 1,5% para imóveis de alto valor), considerando mais o valor do edificado em relação à terra, o sistema proposto aplicaria um imposto único sobre o terreno (chamado imposto único),  ou sobre o terreno e o imóvel de forma dual (imposto dual), majorando significativamente o valor  do terreno em relação ao edificado, tipicamente fazendo o terreno pagar 5 vezes mais imposto  que o edificado. Em paralelo, reduziria de forma substancial os impostos sobre o trabalho e o  investimento, ao ponto de transformar o imposto sobre a terra a principal fonte de receita do Estado. Este modelo tem diversas vantagens. A primeira, seria um significativo crescimento  económico, dado que retiraria o peso do imposto sobre as atividades produtivas, que permitem  aumentar salários e condições de vida, reduzir a emigração e a capacidade ociosa. A segunda,  seria uma redução drástica, imediata e permanente dos preços das casas, bem como o  desaparecimento gradual do fenómeno das casas vazias. Por fim, seria um sistema mais justo e  estável, dado que por um lado a propriedade tem uma correlação significativa com a riqueza (ao  contrário do trabalho) e esta não pode mover-se e evadir-se para paraísos fiscais.  Adicionalmente, seria um imposto ecológico, dado que aplicado a terrenos com recursos naturais,  taxaria o seu consumo ou destruição de forma progressiva. Pode dizer-se que é uma medida  melhor do que as que foram debatidas como expropriação de casas abandonadas, a taxação de  rendas, os subsídios e até a construção pública, pois em qualquer caso estas medidas afetam  direitos individuais à propriedade, são de execução duvidosa e lenta. Um sistema destes  corresponde assim a uma mudança da economia e a um benefício tremendo aos trabalhadores e  empreendedores, sem prejudicar as receitas do Estado.

Um estudo recente do CEPR, organismo reputado na área económica, estimou que aplicar um  imposto de 5,55% sobre a terra poderia fazer subir o produto entre 15% a 25%, reduzindo os  impostos sobre o investimento em 28 pontos percentuais e sobre trabalho em 10 pontos  percentuais. Por outras palavras, se estes dados se aplicassem a Portugal, isto permitira igualar o  nível de vida de Espanha. Este sistema teria também como resultado uma desfinanceirização dos  imóveis e redução de movimentos especulativos e bolhas imobiliárias, dado que o seu preço  seria gradualmente reduzido, as pessoas pagariam menos para serem proprietárias.  Inversamente, o custo suportado seria pelo uso e aumentaria, semelhante a uma “renda” paga à  comunidade ou cidade onde e o imóvel se situa. Neste momento, a quase totalidade do crédito  na economia não serve para inovar e criar empregos, mas para comprar imóveis que “não  produzem nada”. O efeito deste imposto, ao aplicar-se a um bem de oferta fixa e de maneira  geral, não conseguiria ser passado aos inquilinos. Por motivos de justiça social, este sistema  precisaria de ser ajustado para situações especificas (eg, proprietários com pensões baixas,  rendas antigas, alterações súbitas de valor patrimonial, regras de zonamento). O principal fator a  assegurar seria uma dedução fiscal para terrenos de habitação própria, bem como assegurar que  o imposto seria tendencialmente zero para zonas de baixa densidade.

Utilizando no mesmo exemplo da Avenida da Liberdade, de forma estilizada, se cada lote de  terreno valer 1 milhão de euros, com um imposto de 10%, cada proprietário pagaria 100 mil  Euros por ano. Contudo, o proprietário que construiu e alugou o edifício, não pagaria qualquer  imposto adicional. O proprietário que deixou o terreno baldio, para suportar este custo teria de o  vender, arrendar ou construir, dando uso ao espaço. O imposto incentiva ao uso útil e eficiente da  terra, bem como à manutenção e melhoria do edificado. O valor de venda destes terrenos  desceria de imediato e passaria a ser o resultado do rendimento que ele gera (as rendas pagas  pelos inquilinos, lucros das lojas, etc.), menos o imposto pago ao Estado anualmente. Quanto  mais alto fosse o imposto, menor o valor de venda do terreno e o preço das casas construídos  sobre o mesmo. Se por outro lado, um proprietário tiver um terreno baldio numa zona de baixa  densidade, pagaria menos. Mas se a Câmara decidisse construir uma estação de comboio,  aeroporto, etc junto a esse terreno, o terreno valorizaria e passaria a pagar imposto. Os  proprietários de todos estes terrenos, por outro lado pagariam um valor reduzido de imposto  sobre qualquer rendimento, seja dos terrenos, do trabalho ou do investimento.

Que resultados geraria? Este sistema já foi implementado com sucesso. O caso mais  conhecido é Singapura. Adicionalmente, sistemas híbridos existem em países como a Dinamarca.  Em Singapura, um dos países mais ricos do mundo, o sistema fiscal aproxima-se muito a este  sistema, em que as rendas sobre a terra correspondem em cerca de 30% das receitas do Estado  e praticamente não existem casas vazias e sem-abrigo, sendo que 80% dos habitantes têm casa  própria. Parte do sucesso económico deste pais, que passou de ser um dos mais pobres do  mundo a um dos mais ricos, deve-se a aplicação deste tipo de medidas.

Porque nunca ouvi falar disto? O caso para uma mudança é fortíssimo. Contudo, o tema não é  popular, apesar de ser altamente benéfico para a generalidade das pessoas. Primeiro, porque  trata-se de política fiscal. Não é fácil de explicar aos eleitores e ganha menos votos que oferecer  subsídios ou reduzir impostos, essencialmente uma forma de comprar segmentos da população.  Em Portugal, este sistema tem raízes históricas, com várias épocas cuja economia se focava na procura de rendas e benefícios através da extração (por exemplo, o sistema de capitanias, a  escravatura ou os ciclos de exploração de matérias-primas no Brasil). Segundo, porque a  aplicabilidade deste sistema exigiria um compromisso politico de longo prazo. A implementação  imediata, ao conduzir a uma redução agressiva dos preços das casas, corresponderia na prática  a uma transferência intergeracional de riqueza: os atuais proprietários suportariam o custo desta  descida de preços de forma desproporcional, beneficiando os novos proprietários. Assim, a  redução de impostos sobre o trabalho e capital e transformação do IMI num imposto sobre a  terra progressivamente mais alto, necessitaria de um horizonte de 5 a 10 anos ou em alternativa  da aplicação de um sistema marginal (apenas sobre o incremento de valor) ou deferimento de  imposto até ao momento da venda. Terceiro e por último, apesar de já existirem sistemas  robustos de avaliação patrimonial, este sistema exigiria uma frequência trimestral ou semestral de  avaliação dos terrenos. Contudo, toda a sociedade seria beneficiada, mesmo os proprietários  (com exceção das pessoas que têm quantidades elevadíssimas de propriedade), fruto da descida  de imposto sobre o rendimento. Este sistema não é tampouco um devaneio: no último ano, o  FMI, o BCE, a Reserva Federal, a OCDE e o Financial Times publicaram artigos e editoriais  propondo a introdução deste sistema para resolver o problema da habitação e retomar o  crescimento da economia pós-pandemia. A IU, organização dedicada ao tópico, foi constituída  em 1926 e tem estatuto de observador da ONU. O tema contudo ainda não entrou no debate  político Português.

Portugal com o seu problema de salários e baixa produtividade, de crescimento e baixo  investimento, encontra na habitação a síntese metafórica dos seus problemas: casas  abandonadas e pessoas sem casas para viver. Rendas altíssimas e salários ridiculamente baixos.  Esta situação resulta das nossas escolhas como sociedade. Portugal tem na mudança do  sistema fiscal uma via alternativa, ainda que incompleta e imperfeita: salários mais altos fruto de  impostos sobre o trabalho menores, preços das casas mais baixos, incentivos a investimento e  empreendedorismo, menos emigração. Atrevo-me a dizer que esta seria até a melhor solução  que dispomos para fazer face ao ciclo negativo em que nos encontramos. O Presidente da  República afirmando ter a causa dos sem-abrigo como principal bandeira e o primeiro-ministro  colocando a habitação e os jovens como principal prioridade, nunca trouxeram soluções de  fundo. Apesar de todos estes problemas, temos a oportunidade de ser arrojados e resolver o  problema, não com inflamação política, mas com factos. Até quando os vamos ignorar?