A contratação em “regime” de parceria público-privada, suscita muitas questões, quer de ordem político-ideológica, quer de ordem conceptual, quer ainda a magna questão de como deve o Estado organizar-se para cumprimento das suas funções.
As parcerias público-privadas (PPP), já sabemos, gozam de má fama em Portugal, quer por força da ascendência e dominação cultural da esquerda radical (que está hoje fortemente enraizada em fações diferentes do PS mas que têm em comum a aversão ao setor privado e social) quer por força do facto de a informação e notícias sobre PPP virem normalmente associadas a mais encargos do que os inicialmente previstos.
É verdade, essa má fama também resulta de alguns pedidos de indemnização extravagantes formulados pelos parceiros privados e do facto de, em regra, esses e outros pedidos serem atendidos pelos Tribunais Arbitrais, em que funciona uma lógica pró-privado.
E resulta, também de uma certa ignorância sobre a natureza e função da denominada reposição do equilíbrio-financeiro, ignorância essa que a nossa imprensa também não se esforça por combater e, portanto, vai alimentando com a notícia das situações patológicas.
Essa luz negra sobre as PPP afasta das luzes da ribalta outro tipo de questões, cuja importância importa referir e, muito sucintamente, caracterizar.
Uma dessas questões é o denominado Handback de projetos, ou seja, o regresso dos ativos, do serviço público prestado, da gestão de um determinado ativo à esfera do parceiro público.
Ora, sendo uma questão crucial, quão frequente é que esta questão é endereçada e tratada, quer na fase de planeamento quer na fase de contratação?
Um bom contrato deve ter uma regulação clara, quer para cenários de rescisão antecipada, quer para a fase de transição, resultante do fim do prazo.
Procurando resumir o modo como a reversão de projetos de PPP tem sido tratada em relatórios internacionais ou de países europeus, julgo que as questões-chave serão as seguintes:
- Existência de um registo centralizado dos bens que integram o denominado estabelecimento da concessão, ou seja, aqueles cuja existência e manutenção é indispensável para o cumprimento dos fins subjacentes ao contrato;
- Regulação contratual clara e detalhada sobre as condições mínimas de qualidade/manutenção em que o ativo e os bens que o integram devem reverter para o parceiro público e instrumentos para assegurar essas condições em caso de incumprimento;
- Previsão no contrato da obrigação de realização de uma vistoria prévia à reversão do projeto e bens que o integram (o que está associado/ligado diretamente ao referido em b); e
- Previsão do processo de transição – O contrato deve prever o prazo a partir do qual as Partes devem encetar conversações com vista ao estabelecimento de um road map para a reversão do projeto.
Esse prazo deve ser compatível com uma saída ordenada e com a possibilidade de o parceiro público poder acionar os mecanismos contratuais existentes para dissuadir eventuais incumprimentos, compelir o parceiro privado a assegurar aquela transição e, se necessário, agir por conta do mesmo.
As boas práticas referem entre cinco a oito anos antes do fim do contrato.
Mas o tema não se esgota aqui. O tratamento adequado das questões, problemas e dificuldades que a reversão de projetos coloca aos parceiros públicos e parceiros privados, implica uma versão global e integrada do processo de preparação/contratação/gestão contratual do projeto.
Não basta endereçar o tema na fase de preparação e, consequente e logicamente, prever e regular no contrato as questões chave.
É preciso valorizar e alimentar uma gestão contratual proativa, próxima do parceiro privado, simultaneamente cooperante e fiscalizadora, estabelecendo pontes e pontos de contacto que permitam suscitar, clarificar e desbloquear os problemas que possam afetar uma transição suave e ordenada do projeto da esfera privada para a esfera pública.
Exclusivamente do lado público, é necessário responder à questão óbvia: internalizar ou ir, de novo, ao mercado em busca da cooperação com o setor privado? Para esse efeito, é preciso reunir as condições necessárias para avaliar a performance do parceiro privado, tendo em conta os objetivos definidos e resultados, do ponto de vista quantitativo e qualitativo, alcançados.
Nesta ordem de ideias, não seria ocioso nem despiciendo que o atual regime jurídico das PPP (Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio) regulasse a obrigação, não a mera necessidade, de ser nomeada e constituída uma equipa de coordenação, acompanhamento e execução da fase de transição até à reversão final, ficando ainda responsável pela avaliação da PPP e proposta de sequência (internalizar ou não?).
Pergunta o leitor, para quê essa equipa se a tarefa pode muito bem ser desempenhada pela equipa ou estrutura afeta à gestão contratual propriamente dita?
Por duas razões: a) A gestão do contrato é muito exigente e não deve nem pode ser afetada/desviada por essa tarefa, igualmente exigente e complexa e b) A avaliação global da PPP requer distanciamento e consequente sentido crítico que uma gestão contratual alocada a um projeto com prazos que variam entre 15 e 30 anos, não pode, objetivamente, assegurar.
Chagados aqui, o leitor, paciente e compreensivo, questiona-se se não divago sobre matéria longínqua. Olhe que não, olhe que não.
Não acredita? Veja em que se transformaram os “hospitais PPP” – elogiadas pelo Tribunal de Contas e pela Entidade Reguladora da Saúde – que foram terminados sem que, manifestamente, as questões que aqui trouxe fossem tratadas a seu tempo.
Tudo tem um fim. No caso das PPP, não há razão para que ele seja penoso.