Há pessoas que têm a vida complicada logo no dia em que lhe atribuem o nome. Não é que o carácter das pessoas seja definido só pelo nome, mas que este define como irá ser tratado por todos logo no primeiro ano de escolaridade e, como consequência, vir a alterar, ou condicionar, comportamentos futuros, disso não restam dúvidas. Falavam, naquela tarde, do Amarildo. Era simpático, bom moço, atleta e bom jogador de futebol. Foi aí, já a entrar na juventude, ao jogar à bola, quando marcavam um golo e iam todos abraçar-se, o Amarildo, punha as mãos à frente, não fosse o pessoal amachucar-lhe o peito. Foi quando começou a grossabagalhoça, pois se concluiu que o Amarildo provavelmente não jogava no mesmo campeonato. O pior, foi quando o encontraram numa Sex Shop a aferir das capacidades dum certo e determinado aparelho. Desde então nunca mais lhe chamaram pelo nome, passando-o a ser conhecido por Amadildo. Dildo, entre os amigos mais próximos. Ele, apesar de tudo, nunca se desconcertou e fez aquilo que só os  magnânimos, os mais fortes, é que conseguem fazer: perdoar. Quando ele apareceu, vindo do nada, e deu conta que, à sua boleia, discutiam, como diziam alguns, essa coisa moderníssima que é a identidade de género, ele riu-se e afiançou-lhes que eles eram todos uns tapadinhos, que nunca souberam ver o mundo em que sempre viveram e, por isso, agora estranham. E lembrou-lhes duma história quando andavam eles no segundo ou terceiro ano de escolaridade. Era a cena do patinho feio. Lembram-se? perguntou ele. Claro que se lembravam. O Amarildo, ainda rapazinho, estranhou que um cisne se infiltrasse numa família de patos e que nenhum deles desse conta que ele era diferente. Fez uma pausa. O que a família patuda escolheu fazer foi  não querer ver o que era bem visível. Foi então nessa famosa aula, na escola primária, que o Amarildo ao ouvir a história pela enésima vez, disse, inocente e descontraído, que o cisne era afinal um pato maricas, que era o termo que ele já ouvira dos mais crescidos. Levou um carolo da professora que o levou de imediato ao director da Escola que ainda lhe deu um valente cachaço no pescoço. E sabem que mais?, descobri nesse dia que eu também era um belo Cisne. Quá-quá, quá-quá, responderam, e abraçaram-se todos.

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