Eram 9 horas da manhã quando chegaram os dois podadores de árvores que Daniel tinha contratado por interposta pessoa. Vinham para abater um castanheiro que ameaçava a segurança de uma casa vizinha e fazer desbastes noutras árvores.
O serviço obrigava ao uso de cordas e arnês. Um dos homens eram muito robusto e subiu com destreza ao topo da árvore. O segundo homem dava o apoio necessário para aquele tipo de operação.
Daniel ficou estupefacto quando o viu empoleirado na árvore a fumar e a falar ao telemóvel. Pensou para consigo – Sim senhor, o homem tem muita capacidade ; motosserra na mão, a falar ao telemóvel e a fumar !
Por volta das 10 horas, fizeram a pausa devida e esse mesmo avisou Daniel:
– Olhe que vamos embora às 4 horas da tarde!
Daniel admirou-se pois tinha contratado um dia de trabalho que julgava ser de 8 horas.
O homem explicou:
– Temos de ir buscar outro pessoal e depois compreende, temos família, não é ?
O trabalho interrompeu-se pelas 12 horas e recomeçaram às 13. 30. Por volta das 16.15 m. arrumaram o material e saíram ao fim de 6 horas de trabalho com parte do serviço por fazer.
Nesse mesmo dia, Daniel falou ao seu jardineiro habitual para arranjar pessoal para dar continuidade ao trabalho que consistia em cortar em toros toda a árvore abatida e arrumar ramagens.
Era um sábado e dois homens começaram a trabalhar pelas 7. 30 m. Eram brasileiros, o Wilson e o Walter. Fizeram a pausa para o almoço entre as 13 h e 14 horas e depois trabalharam até às 18 horas. Daniel trabalhou ao lado deles todo o dia, conversando e tentando saber como se sentiam em Portugal. Um deles trabalhava na construção civil e aos sábados para ganhar mais algum, fazia aquele tipo de serviços. Já tinha andado a tempo inteiro na jardinagem. Dizia ele que na construção mais pesada dominavam os imigrantes africanos e os brasileiros faziam uma construção mais “ fina”. Já tinha namorada, aliás era brasileira. Mas Wilson estava com algum receio quanto ao primeiro inverno que se avizinhava.
Perguntei-lhe porque não tinha emigrado para o sul do Brasil pois Curitiba era uma região com melhor nível de vida do que o norte. Respondeu que não quis assim e que vinha de São Paulo, havia 3 meses pois o Brasil estava muito mal economicamente. Wilson adiantou:
– Com o Lula as coisas estão a piorar. Mas foi eleito com os votos dos brasileiros do Nordeste, os que vivem do rendimento mínimo. Rematava com um sorriso conformado.
Entretanto o Walter era o que sabia trabalhar melhor com a motosserra. Os dois estavam alegres e conversadores entre si. Tinham o seu ritmo normal e parecia que trabalhavam com toda a naturalidade.
Daniel observava-os e pensava que Portugal era um país promissor para tanta gente. E depois reflectiu sobre aqueles portugueses para quem trabalhar era um verdadeiro sacrilégio, um inferno ! Algo a reduzir para o tempo mínimo; 40 h, depois 35 horas e finalmente 4 dias. Havia partidos que pressionavam sempre nesse sentido. Aqueles em que os seus modelos de países as pessoas são exploradas até não lhes restar nada. Ouvia discutir nos lugares públicos com frequência entre colegas e amigos, os horrores no trabalho em que estavam contando o calendário os anos, os dias e as horas para atingir a idade da reforma.
Ao fim da tarde Daniel despediu-se dos imigrantes brasileiros desejando-lhes o melhor descanso para Domingo, e ficou a pensar o que seria dele sem o contributo precioso e empenhado daqueles dois imigrantes.
Depois lembrou-se das salinas de Rio Maior que tinha recentemente visitado no sul de Portugal, em que os trabalhadores eram todos imigrantes. Não havia um só natural de Portugal.
E finalmente lembrou-se daqueles que fomentavam o racismo promovendo manifestações contra os imigrantes apelidando-os de potenciais criminosos.
Mas no fim de tudo a democracia era isso mesmo. Poder dizer-se e fomentar as maiores barbaridades da extrema-direita à extrema-esquerda e haver tolerância para tal.
Por fim Daniel sorriu e pensou como seria Portugal sem imigrantes? Um asilo imenso, devastador, sem uma sociedade aonde as culturas diversas podem enriquecer todo um conjunto. Um país com milhares de funcionários na dita acção social, uma espécie de ambiente do livro O Processo, de Franz Kafka.