Na passada quarta-feira, a Oficina da Liberdade organizou mais um evento em Lisboa. Para o efeito convidou quatro notáveis pensadores para falar sobre a Europa, agora que se aproximam as eleições que definirão o próximo ciclo legislativo do Parlamento Europeu. Estes foram, por ordem de intervenção, Nuno Gonçalo Poças, Beatriz Soares Carneiro, Teresa Nogueira Pinto e Vasco Rato. O programa poderá ser ouvido integralmente, hoje mesmo, no podcast Linhas Direitas do Nuno Lebreiro (e do Nuno Poças e do Vítor Nunes), algo que recomendo vivamente a todos os que queiram saber o que alguns dos nomes mais sonantes desta chamemos-lhe direita-não-alinhada tinham para dizer. Este texto não passa de um pequeno esboço das impressões recolhidas por um dos presentes.

À boa maneira portuguesa, aquela que bem ou mal regia os nossos costumes antes de a CEE nos ter querido transformar em nórdicos (e nós termos acedido ou, pelo menos, tentado aceder), o evento agendado para as 7 da tarde começou às 8. Não porque as pessoas tivessem chegado tarde, mas porque a temperatura amena do fim de tarde lisboeta convidava a ficar na esplanada a conviver socialmente (ou a fazer networking como diriam em Bruxelas) antes de descer à cave do restaurante, cuja decoração avivada pelo calor desprendido pelas cerca de três dezenas de almas ali presentes, e insuficientemente mitigado pelo sistema de refrigeração, fez que muitos julgassem estar metidos no mesmo bunker em que, metaforicamente, as ideias da Liberdade estão há muito tempo enterradas em Portugal.

As hostilidades começaram pela mão de Nuno Gonçalo Poças, autor de uma recentemente publicada biografia de Francisco Lucas Pires, que a todos recomendo, da qual fez um uso livre para recordar o sonho europeu de grande parte do país, pelo menos da parte destra do mesmo, aquando da entrada na CEE a meados da década de 80. Francisco Lucas Pires foi, é, seguramente, o melhor guia para perceber as aspirações de grande parte do eleitorado da direita daqueles tempos, até porque obtinha consistentemente resultados eleitorais na Europa que o seu partido não conseguia replicar no país. E para quem, como eu, já não se lembra bem, resumo que a ideia de Lucas Pires para Portugal na Europa, sendo um pouco mais social-democrata do que um liberalismo de livre-mercado gostaria, pecou talvez por ser demasiado optimista. Como practicamente todos os políticos da época, com a excepção do PCP e satélites de esquerda, Lucas Pires via na Europa o único projecto viável para a afirmação do Portugal pós-ditadura no mundo. No entanto, ao contrário da esquerda que pela boca de Maria de Lourdes Pintassilgo celebrava como a pobreza de Portugal era afinal uma vantagem, e ia permitir ao país receber mais fundos comunitários, Lucas Pires acreditava piamente que, num futuro não muito distante (lá para o ano 2000), Portugal ia aproveitar a sua situação estratégica para ser um hub empresarial das grandes empresas mundiais e até, pasme-se, um contribuinte líquido para o Projecto Europeu. Mais de 30 anos depois, é com mágoa que constatamos que a ideia que o país tem para a construção europeia continua a ser a preconizada pelo Socialismo, que gosta tanto dos pobres que os multiplica. Continua a passar por encontrar formas de ordenhar fundos comunitários, sacrificando nesse altar grande parte da capacidade empresarial do país que, sempre que pode, se chega a essa teta em vez de produzir riqueza e empreender para o fazer crescentemente no futuro. A triste realidade é que em Portugal criar riqueza atrapalharia esse desiderato que Lourdes Pintassilgo vaticinou em 1987.

Seguiu-se a Beatriz Soares Carneiro que nos pôde iluminar desde a posição privilegiada de quem anda há vários anos a observar e a adaptar-se ao que vem de Bruxelas. O grande contributo da Beatriz à discussão foi defender perante uma plateia constituída por vários eurocépticos a transparência de processos com que a EU tenta funcionar no dia a dia. Episódios como o processo das vacinas embaciam esta idealização da União Europeia, mas, ainda assim, julgo que a Beatriz conseguiu pelo menos demonstrar que, com a ajuda do mantra de que a culpa das leis é da Europa, nem tudo é assim. Os políticos autóctones conseguem retorcer a legislação que de lá vem para escolher os lóbis que vão vencer cá na pátria, posicionando essa legislação da maneira que mais os favorece. Mas o mais importante da intervenção da Beatriz Soares Carneiro foi alertar para o facto (que o Vasco Rato depois aprofundou) de que a legislação europeia está a transitar de uma que promove a livre-concorrência e evita os subsídios empresariais e financiar empresas públicas, para uma que se preocupa essencialmente com a segurança da região, fomentando uma autarcia económica através de protecionismos alfandegários e subsídios para investir naquelas indústrias que os burocratas consideram indispensáveis para assegurar um abastecimento de bens e serviços que será obviamente mais caro e ineficiente mas, ao mesmo tempo (esperam) mais seguro. Na balança entre criação de riqueza e segurança o fiel está a pender claramente para o lado do segundo objectivo e isso deveria ser um motivo de preocupação para todos.

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Em terceiro lugar tivemos a Teresa Nogueira Pinto que nos veio fazer uma apresentação sucinta da nova direita europeia. Uma direita bicéfala digamos, liderada por duas mulheres – Meloni e Le Pen – e onde Órban é já um peso incómodo, um líder de um regime de partido único só comparável ao Partido Socialista em Portugal. Esta direita, que muitos esperam enfraquecida porque irreconciliável, em particular nos temas económicos, na opinião da Teresa (ou pelo menos isso percebeu este escriba) acabará por se entender para se poder opor ao poder da terceira mulher que comanda neste momento a política europeia, a comissária Von der Leyden. Esta direita, que é populista mas também sensata está com isso a conquistar muito eleitorado. Eleitores, tanto à esquerda como à direita, fartos tanto do politiquês tecnocrático que nada lhes diz como da linguagem inclusiva que desafia lógica e realidade. Gente que quer ver tratados os problemas que realmente os afectam no dia a dia como a inflação, a imigração, ou o desemprego e não fórmulas salvíficas de salvação planetária. Esta direita não é anti-europeia como muitos propagam, muitas vezes até os próprios por motivos eleitoralistas, mas tenderá inevitavelmente para o centro (ou o centro para onde se encontram eles). Este euro-cepticismo em grande parte reclama simplesmente voltar aos valores que a Europa defendeu um dia. Aquela Europa pré-Delors, acrescento eu, que projectaram quatro católicos em particular: Adenauer, Di Gaspieri, Schuman e Monet. A Europa em que Lucas Pires muito provavelmente projectou Portugal de forma tragicamente optimista.

Por último chegou o Vasco Rato com uma mensagem que, infelizmente, se poderá resumir da seguinte forma: o mundo mudou. Aquela ordem liberal que foi alastrando pelo globo e se fez global com a queda do Comunismo acabou. Essa ordem circunstancial, democrática e de comércio-livre, ou quase, em que vivemos no último século acabou e estará a ser substituída por aquela que é, talvez, a verdadeira normalidade histórica e que consiste em que a China ocupe o seu lugar como Império no Meio do Mundo. O futuro próximo, para não dizer o presente, está marcado pela crescente polarização entre a China e os Estados Unidos e, nesta nova ordem a Europa conta muito pouco. O único político europeu que estará a fazer algo para contrariar a perda de relevância global da Europa é, surpreendentemente, Macron. Só que a solução que Macron apresenta é a da liderança francesa da Europa, baseada no facto de ser o único exército com capacidade nuclear que resta na UE depois do Brexit. Mas o papel de liderança francesa da Europa muito provavelmente só parece óbvio aos próprios franceses e não é crível que os outros países, em particular os do Leste Europeu, estejam dispostos a trocar o Umbrela americano pelo Parapluie francês em questões militares, mesmo que o preço a pagar pelos GI Joes encareça e a influência europeia no mundo diminua. Neste sentido, a mensagem que o Vasco Rato partilhou não poderia ser mais lúgubre apesar de (ou por causa do) seu realismo. Os desafios europeus que nos parecem tão importantes e cujos contornos se tentaram definir nas três intervenções anteriores, num futuro próximo, terão pouca transcendência mais além das fronteiras europeias.

Estas são as impressões que permaneceram na memória deste que vos escreve no dia seguinte ao acontecimento. Dado que o convívio continuou depois destas intervenções e entrou algumas horas na madrugada, recomendo a todos aqueles que queiram saber mais um pouco sobre o que ali se passou, que ouçam o podcast porque este resumo seguramente não faz jus ao que de bom se passou nesta excelente iniciativa da Oficina da Liberdade.

Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.