É outono, e o ar fresco convida a uma respiração a fundo, de forma a limpar os pulmões e enfrentar o dia de trabalho. Inspira, expira… e quem vive em Lisboa terá inalado uma concentração de 6.8µg/m³ de material particulado 2.5 (PM2.5). 13µg/m³, se viver em Beja. Para contextualizar, o valor de referência da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 5µg/m³, sendo que mais do que 90% da população global vive em zonas onde a concentração excede o recomendado pela OMS. O motivo por detrás da presença destas partículas nocivas? Infelizmente, são maioritariamente libertadas por veículos e fábricas, consequência das nossas atividades diárias.

Quando pensamos em poluição atmosférica, imaginamos um local distante, com grandes nuvens de fumo onde é comum desenvolver tosse, alergias e eventuais consequências pulmonares. Não imaginamos o impacto que a poluição possa ter na nossa saúde mental, num país como Portugal.

Cada vez mais estudos apoiam esta ligação. Por exemplo, foi recentemente publicado um estudo envolvendo 1075 famílias em Londres, que encontrou uma associação entre a exposição a longo prazo da poluição atmosférica (PM2.5, óxidos de azoto (NOx) e dióxido de azoto (NO2)) e um aumento de 18–39% de probabilidade de doença mental ligeira. Diversos estudos destacam a relação entre a exposição a NO2, PM2.5, e PM10 com um pequeno, mas significativo aumento da incidência do suicídio. De facto, foi verificado que reduções de PM2.5 devido ao Plano de Ação para a Poluição Atmosférica na China preveniram 13,000–79,000 suicídios de 2013–2017, o que foi responsável por um declínio de ∼10% na taxa de suicídio observada. Existem algumas teorias acerca dos mecanismos neurobiológicos que impulsionam estas alterações da saúde mental. O que está descrito na literatura é que a poluição atmosférica, e fatores de calor extremo ou o fumo dos incêndios, modificam a nossa barreira hematoencefálica, deixando-a “leaky”- com fugas. Isto permite que toxinas nocivas penetrem o cérebro, causando neuroinflamação e neurodegeneração.

Outro flagelo que se encontra a crescer de uma forma avassaladora são os casos de demência. Existe um efeito adverso entre o contacto com a exposição de PM2.5 e o declínio cognitivo. Até viver perto de trânsito intenso associa-se com uma maior incidência de demência. A poluição atmosférica já foi identificada como um fator de risco modificável da demência, podendo haver uma redução em 3% dos casos de demência caso este fator seja eliminado.

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Porque é que isto é pertinente hoje? Cada vez mais observamos incidentes relacionados com as alterações climáticas que colocam a nossa saúde em risco. Este ano foram frequentes as poeiras provenientes de África (que podem provocar concentrações de 52 µg/m³ de PM2.5), e os incêndios devastadores na região do Norte. Então, será que a solução é migrarmos para fugir à poluição atmosférica? Apesar de ser aliciante, ainda há medidas urgentes sem ser necessário grandes mudanças geográficas. Podemos começar por nos tornarmos conscientes do problema e monitorizar a qualidade do ar onde vivemos. Podemos ainda usar máscaras protetoras (N95 e FFP2) caso verifiquemos que a poluição atmosférica atingiu níveis perigosos naquele dia. Podemos contactar as nossas Câmaras Municipais e exigir o planeamento urbano sustentável das casas e bairros, com espaços verdes e bom funcionamento de transportes públicos e ciclovias. Por último, devemos manter-nos a par de iniciativas locais e participar em campanhas de sensibilização na comunidade.

A certo ponto, a mudança já não está diretamente ao nosso alcance, e é importante responsabilizar os decisores políticos no que toca à recolha de dados e à implementação de políticas públicas.  Interessa olhar para o benefício económico que a prevenção poderá vir a ter, como por exemplo, no Reino Unido onde se calculou que a introdução de zonas de baixas emissões poderia gerar uma poupança de 260 milhões de libras em custos de saúde. Por último, este tema é especialmente preocupante nas zonas do país, como no Alentejo, cuja concentração de poluição atmosférica é alta, e onde existe uma população por si só já envelhecida, e cuidados de saúde insuficientes. Nesses casos, é imperativo que haja medidas de prevenção multissectoriais, adaptadas ao contexto, porque uma medida que funciona em Lisboa certamente não terá o mesmo impacto no Alentejo.

Com consciência sobre os riscos da poluição atmosférica na saúde mental, temos muito a ganhar com mudanças de comportamento e políticas públicas sinérgicas, que por um lado criem um planeta saudável, e por outro, uma mente sã.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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