Todas as grandes revoluções tecnológicas tendem a ser encaradas de forma utópica e distópica. Antes das novas técnicas e aparelhos chegarem às mãos do público em geral, são geralmente vistas de forma suspeita ou com um entusiasmo pouco sustentado em factos.

No século XIX, Balzac acreditava que a fotografia era capaz de capturar o espírito daqueles que retratava e a ficção científica das últimas décadas tem sido vantajosa na criação de máquinas desenfreadas e fora de controlo, cuja inteligência acaba sempre por visar a destruição dos seus criadores frágeis e humanos. Mas ter a capacidade para fotografar o que nos rodeia, falar com amigos e família do outro lado do mundo, ou pagar as contas sem ter que ir ao banco, são aspetos do nosso quotidiano que aceitamos com toda a naturalidade, e sem os quais não sabemos já realmente viver.

Com o tempo as tecnologias deixam para trás a sua aura laboratorial, e a partir do momento em que as podemos utilizar diretamente, uns com os outros, somos capazes de compreender de que forma facilitam o nosso dia-a-dia.

No início do século XX, Paul Valéry falava da ubiquidade das imagens e sons, que um dia circulariam de casa em casa, tal como o gás, a eletricidade e a água. Tudo à distância de um interruptor, uma torneira ou um botão. É curioso que passados mais ou menos 100 anos, Barack Obama tenha vindo definir a Internet de banda larga precisamente como a quarta grande utilidade ou serviço público.

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A capacidade de transmitir e partilhar informação, de todo o tipo, tornou-se num fenómeno transversal a toda a sociedade e que já não podemos ignorar.

Se a utilização da Internet já é por todos assumida como um facto, poucas tecnologias têm sido vítimas de uma campanha tão alarmista como a inteligência artificial, que permanentemente surge denegrida no cinema de Hollywood. Mas agora que a inteligência artificial está a tornar-se acessível, é altura de compreender as vantagens que pode trazer à nossa sociedade. Acredito que será a próxima utilidade a ser considerada parte do serviço público, a nova água corrente a que todos recorrem, e por esse mesmo motivo, é importante encarar e pensar esta revolução cognitiva e extrair dela todo o seu potencial. A inteligência artificial está aqui para ficar e este é o momento para melhorarmos a nossa vida através das oportunidades que nos oferece, de a operacionalizar no sentido de responder aos novos desafios económicos e sociais que hoje enfrentamos.

No momento em que a Humanidade inventou a acumulação de recursos, e posteriormente de dinheiro, inventou também mil formas de os roubar. A cada nova tecnologia que inventamos para nos protegermos do roubo e da fraude, surgem estratégias que as tentam subverter. Numa altura em que as nossas transações se passaram a desenrolar maioritariamente num âmbito virtual, a fraude digital e as violações de informação (data breaches) tornam-se o tipo de roubo com o qual nos devemos preocupar: a cada ano, cerca de 3,5 triliões de dólares são desviados para o mercado negro, o equivalente ao PIB alemão. A confluência de fatores tecnológicos que hoje levam a um desenvolvimento sem paralelo da inteligência artificial – computação paralela acessível, processadores mais rápidos, armazenamento barato e inteligente, big data e melhores algoritmos – é o que nos permite encontrar ferramentas para protegermos os nossos bens e as transações nas quais, a cada dia, cada vez mais participamos.

Defendo que que a inteligência artificial deve ser um bem comum e acessível e, da experiência que tenho enquanto fundador de uma empresa que pretende resolver este problema que afeta não só o mundo financeiro mas todo o comércio mundial, só encontro razões para que a inteligência artificial seja o caminho, melhorando continuamente os algoritmos, escrevendo melhor código, imprimindo um contínuo e eficaz esforço de usar a tecnologia para o bem da humanidade. O nosso objetivo é que, da mesma forma que facilmente abrimos a torneira para saciar a sede, passemos também a usar máquinas inteligentes para, diariamente, proteger o que é nosso. É esse o futuro melhor que nos espera, se percebermos que ao ensinar as máquinas, somos também nós mesmos, humanos, que aprendemos.

Nuno Sebastião é fundador e CEO da Feedzai