Há alguns dias, em texto de opinião publicado no vosso espaço com o título “Temos Maus Professores”, Alexandre Homem Cristo (AHC), que habitualmente se deixa apresentar como investigador em Políticas Educativas, desenvolveu uma teorização a partir dos resultados da prova de avaliação de capacidade e competências aplicada aos candidatos a professores com menos de cinco anos de exercício da docência.
Vou deixar de parte a polémica em torno da prova, com os habituais aproveitamentos políticos e acrimónias pessoais. Vou mesmo deixar de parte muitas outras questões relevantes sobre a lógica, méritos e demais circunstâncias da dita prova.
Vou concentrar-me apenas na dita teorização estabelecida por AHC no referido texto a partir da constatação da existência de um nível considerado elevado de erros ortográficos nas provas classificadas.
Segundo AHC esse nível é inaceitável em quem tem como missão ensinar os alunos com qualidade, algo que não vou contestar pois não tenho referenciais nacionais ou internacionais a esse respeito. Dou esse argumento de barato ao articulista-investigador que, por certo, conhecerá tais referenciais em profundidade.
Segundo AHC esse nível de erros explicar-se-á pela facilidade de acesso aos cursos de formação de professores, que terão médias de ingresso baixas, sendo muito frequentados de acordo com estatísticas do ano de 2010-11 por alunos que recorrem a bolsas da acção social escolar. Seguindo uma lógica imparável e que ao articulista-investigador terá parecido imaculada, considera-se que “quem hoje vai para professor não são os bons alunos. Por outro lado, quem hoje frequenta os cursos da área da educação são, em média, os que têm níveis socioeconómicos mais baixos e que, por isso, obtêm mais bolsas de acção social”.
Confessemos que esta forma de desenvolver um preconceito com recurso a uma lógica da ordem dos tubérculos é notável e culmina na conclusão enunciada desde o título “Temos maus professores”.
Ou seja, temos maus professores porque aqueles que fizeram a prova destinada ao acesso à docência deram erros ortográficos.
Ou seja, lança-se a lama para cima de uma classe profissional, com base no desempenho de uma amostra correspondente a um grupo de candidatos a essa profissão que, na sua esmagadora maioria nem sequer está a dar aulas, sendo que essa amostra também é em termos estatísticos muito pouco relevante em relação aos que dão efectivamente aulas e irrelevante em relação aos professores integrados na carreira.
AHC até poderia, em parceria com o IAVE, elaborar uma prova que examinasse os professores em exercício e encontrasse milhentos erros em 99,9% dos professores e nesse caso poderia fazer um texto com aquele título.
Mas não foi isso que aconteceu.
O que aconteceu é que AHC decidiu achincalhar directamente todos os professores – e não vale a pena vir agora dizer que alguém lhe mudou o título à crónica – com base numa amostra que não permite essa generalização.
A realidade é esta: os factos que AHC alinhava não lhe permitem a conclusão anunciada em parangonas e com a chancela do próprio director do Observador na sua página pessoal de uma conhecida rede social como sendo “o dedo na ferida”. Qual ferida?
Para além disso, AHC decidiu dar largas ao preconceito sócio-profissional que afecta muitos licenciados, mestres e doutores em “Ciências” que se consideram próprias de estatutos socio-económicos mais altos e que frequentaram instituições que eles consideram imunes a uma espécie de amálgama indistinta de filhos de proletários, ao que parece hereditariamente determinados a serem maus alunos e, por consequência, só capazes de, como regra, seguirem cursos superiores de segunda categoria e a tornarem-se maus professores.
Isto seria admissível em qualquer publicista de estirpe duvidosa, em qualquer indivíduo de escasso conhecimento académico, triste inteligência e com valores cívicos em razoável défice.
Num “investigador em Políticas Educativas”, mesmo sem qualquer formação específica na área, é sintomático da enorme necessidade em aprofundar a sua formação.
Professor do Ensino Básico, doutorado em História da Educação