É comum ouvirmos na gíria do comentário referências à “espuma dos dias”, que esconde os verdadeiros assuntos estruturais que devíamos discutir, resolver e as suas causas. Este conflito permanente entre o efémero e o substancial é muito potenciado pelos desafios da sociedade mediatizada em que vivemos. Um mundo onde tudo é para ontem e onde de uma “pedra da calçada” se constroem polémicas, que derivam em horas de “entretenimento”. Isto traduz-se numa toxicidade latente que mata a moderação e nos acantona em extremos opostos.

Percebo, por isso, que no contexto político e social vigente o tema do combate à corrupção, que parecia sequestrado pelos extremos do sistema, seja colocado de imediato como uma prioridade pelo novo Governo.

Há riscos que ninguém quer correr, muito menos um Governo minoritário e recém-eleito, como sejam o de ser catalogado como um executivo que não se preocupa com o tema ou que ignora que é essencial resgata-lo das agendas populistas que teimam em apresentar soluções demagógicas e ineficazes.

Não quero com isto significar que este não é um problema muito sério, antes pelo contrário. Não tenho dúvidas que a corrupção é um problema endémico na nossa sociedade que deve ser combatido. Os dados conhecidos são muito claros e ninguém com juízo os pode ignorar, como demonstram, por exemplo, as conclusões da última avaliação a Portugal realizada pelo Grupo de Estados Corrupção do Conselho da Europa (GRECO). No último relatório emitido por esta entidade, conhecido em janeiro deste ano, é claramente prescrita a necessidade de serem reforçadas as regras relativas aos conflitos de interesses na atuação, às normas éticas e à transparência no exercício de funções públicas, incluindo no setor da Justiça.

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A questão que se impõe é se faz sentido fundear o plano de ação da Justiça e da sua Ministra no “combate à corrupção” e que riscos podem derivar desta opção.

O combate à corrupção não precisa de mais ideias, nem mais leis, nem mais “debates e consensos”. O que precisamos nesta matéria é de mais meios para investigar e julgar; de mais bom-senso na utilização dos meios existentes; de mais esclarecimento da opinião pública no que respeita aos processos que invariavelmente preenchem o espaço mediático e ao funcionamento do sistema de justiça; de mais transparência nos procedimentos administrativos e melhor acesso à informação pública; e de mais educação para a cidadania que imprima no inconsciente nacional a perversão da corrupção e a extensão dos danos que provoca à sociedade em geral.

Com a opção política de deixar nas mãos da Ministra da Justiça a missão do combate à corrupção podemos estar a correr o risco de a enclausurar politicamente num convento de “amplos debates e consensos” e poucos resultados. Pior, corremos o risco de não deixar tempo nem espaço para que tantos outros temas tão caros hoje à Justiça possam ser merecedores de atenção e ação. Este é um risco que deve verdadeiramente ser acautelado, sob pena no final deste mandato estarmos piores do que estamos hoje.

Formulo, portanto, votos sinceros de que o combate à corrupção não seja o “alfa e o ómega” deste Ministério da Justiça, pois é essencial para o setor para os que nele trabalham e sobretudo para os cidadãos, que a ação governativa vá muito além deste objetivo. No passado quisemos “ir além da Troika” para ultrapassar com sucesso um penoso resgate financeiro, que hoje queiramos “ir além da corrupção” para melhorar a Justiça em Portugal.