Então parece que o Sr. Rui Martins, que não conheço, é de opinião que os consultores imobiliários são os culpados pelos elevados preços das casas porque, raciocínio dele, como ganham à comissão, quanto mais caro venderem, melhor. E então toca de vender por 1 milhão, aquilo que vale 500 mil, é isso? Porque temos pessoas tontinhas no mercado que compram casas como latas de tomate… sem grande trabalho de casa ou contas por fazer, é isso?

Bom, o texto encerra tanto disparate que eu vou antes dar a conhecer um bocadinho da realidade do consultor imobiliário.

O primeiro indício de que algo estranho se passa nesta atividade é que não há qualquer triagem. Qualquer pessoa pode ser consultor imobiliário. Aproveito e convido o Rui Martins a juntar-se ao sector. A primeira descoberta que faz é que terá de pagar para trabalhar. Não tem qualquer salário garantido (sim, recebe zero) e, enquanto recebe zero, e antes sequer de iniciar o seu trabalho, tem de pagar os seus cartões de visita, formação obrigatória (dependendo da rede), pagar um fee tecnológico (para poder aceder à plataforma da rede que escolheu para trabalhar), pagar uma avença jurídica e, eventualmente, um plano básico de marketing.

Portanto, assim que acorda, está com prejuízo. Mas pronto, pensa o Rui, se eles ganham imenso dinheiro, eu também vou ganhar.

A segunda descoberta vai ser de que não, nem todos ganham muito dinheiro, antes pelo contrário, muitos ganham muito pouco ou nenhum dinheiro. E por isso a rotação de pessoas que se dedicam a esta atividade é enorme.

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A terceira descoberta é que, enquanto todas as pessoas consideram que o seu trabalho e tempo a ele dedicado deve ser, obviamente, remunerado, na atividade imobiliária o Rui vai descobrir que o seu tempo vale zero! Se tiver sorte, o tempo que dedicou a identificar o valor de uma casa, por exemplo – e se o quiser fazer bem feito, demora um dia – tem por pagamento um “obrigada”. Porque, se não tiver sorte, nem um “obrigada” recebe.

Para não falar das múltiplas opiniões, ideias e conhecimento processual que oferece diariamente a muita gente (tudo de borla, porque para pagar consultaria um advogado…) porque “tu que estás no sector é que sabes”.

E, pegando no 1.º exemplo, porque é que alguém lhe pede um estudo de mercado se não quer vender a casa? Várias possibilidades:

Porque a pessoa – tipicamente, amigo ou conhecido – face ao tanto que se mencionam estes preços elevados, tem curiosidade em saber quanto vale a casa… e lá está, como o Rui e o seu tempo não valem nada, pedem-lhe esse trabalho. Até porque na cabeça delas, não lhe custa nada fazê-lo, afinal são amigos ou conhecidos… e não sendo, é a sua obrigação.

Ou, outra hipótese, porque essa pessoa, que o desvaloriza completamente, a si, ao seu tempo e ao seu trabalho – sabe que o Idealista, por exemplo, a deixa colocar o anúncio da sua casa, de forma gratuita. Idealista, que existe e cresce, alimentado pelos profissionais do sector, que pagam para lá colocar os seus anúncios. Mas que entretanto, também concorre com os seus próprios clientes — os tais que pagam para trabalhar. Aliás, não só concorre como tem aumentado os seus preços, anualmente, na ordem dos 60%, sempre às custas dos mesmos.

Quer mesmo vender a casa e por isso pede-lhe a si, alguém em quem confia, para lhe indicar o valor de mercado da casa, mas como tem um amigo mais próximo, ou o tio da vizinha ou o cunhado do piriquito, com muita pena, vai entregar a angariação da casa a essa outra pessoa. E ainda acrescenta que depois lhe manda o link!

Mas nem tudo é mau, há naturalmente muitas pessoas que consideram o recurso a um profissional a melhor opção, e por isso centremo-nos agora na parte boa – aparentemente, milionária, da coisa: o Rui tem uma angariação; e vai cobrar 5% (+IVA, que o nosso pai Estado está em todo o lado… e se o IVA significa Imposto sobre Valor Acrescentado, deve significar que afinal o seu trabalho apresenta um qualquer valor acrescentado…). Se trabalhar corretamente, vai pagar a um bom fotógrafo para ter fotografias de boa qualidade para promover o imóvel, vai pagar anúncios, vai produzir materiais, etc… e vai partilhar a sua comissão com todo o mercado – sim, a Remax não deixa partilhar com algumas marcas, mas não vou dizer isso aqui porque os clientes não sabem e não percebem que saem prejudicados.

E por isso, depois de ter (vamos chamar) investido, o seu dinheiro – lembra-se que não recebe nada, certo? – com anúncios, flyers, muito tempo com chamadas, tempo com visitas, tempo com deslocações, gasolina, etc, vende a casa! O vendedor vai então pagar 5%. O Rui terá de pagar 2,5% ao colega – mais um ricalhaço que traz especulação a este mercado – que trouxe o comprador para a casa. Por isso, desses 5%, já só tem do seu lado 2,5%. Desses 2,5% deverá deixar na marca que escolheu 50% (esta percentagem pode variar em função de uma série de fatores, mas estes 50% são o mais normal). E portanto, destes 2,5%, já só fica com 1,25%. Destes 1,25%, considere agora o Rui o valor que investiu à cabeça (com as despesas e o tempo que dedicou para concretizar o negócio) e o valor que vai… para quem? .. para o Estado, claro.

Portanto, como vê, caro Rui, o consultor imobiliário tem de trabalhar muito para ter essa remuneração super mega elevada que todos imaginam. Estudos feitos indicavam há uns anos que 3 em cada 4 consultores desistiam da atividade passados 6 meses.

O último ponto e, na realidade, o ponto do Rui – a motivação do consultor imobiliário para aumentar o valor da casa. Não podia estar mais errado, caro Rui, como terá o prazer  – ou falta dele – de descobrir quando se dedicar a esta atividade.  A grande dificuldade dos consultores imobiliários é precisamente fazerem os proprietários perceberem que a sua casa será vendida por um valor (muitas vezes, bem) inferior ao que pensam.

Pode começar por si. Se quiser vender a sua casa, quanto pensa pedir por ela?