João Abel Manta é um dos membros mais antigos da nossa organização profissional. É o membro nº 85. E representa na perfeição a dimensão multifacetada que milhares de colegas também possuem, diversificando saberes e fazeres. Neste Dia Nacional do Arquitecto, que assinalamos a 3 de julho, é mais do que justa a homenagem pública que prestamos, enquanto Ordem dos Arquitectos, a este nosso colega com um trabalho marcado com os valores da democracia e de um ecletismo profissional assinalável.

Dizer que João Abel Manta é um arquiteto, pintor, ilustrador e cartoonista português, e foi um artista marcante do panorama cultural português do século XX é, por si só, muito importante. Mas carece de uma apensação significativa, que é salientar que a sua figura está intrinsecamente marcada pelo 25 de Abril de 1974 e que as imagens simbólicas que preenchem as memórias dos portugueses, no que à Revolução dos Cravos diz respeito, estão também diretamente ligadas à sua arte. E este facto tornou-o uma personagem maior da nossa cultura, onde as diferentes partes do seu trajeto servem para fazer a assemblagem de uma atividade quase fractal, de um arquiteto-artista de múltiplas dimensões. Por isso, faz sentido olhar o tempo e celebrá-lo de acordo com a sua dimensão. São cinco décadas de democracia numa mudança social que apesar de partir da ação militar se encheu de civismo e cultura. O simbolismo da celebração de 50 anos do 25 de abril e a imagética que nos acompanha na sua dimensão gráfica representa o trabalho de Manta como se de uma tatuagem se tratasse sobre a pele da democracia.

A obra arquitetónica de Abel Manta pode parecer pequena, apesar de a escala devida à atividade de um arquiteto não se medir em metros quadrados. Essencialmente o que importa dizer é que a sua obra é muito significativa e coletiva. João Abel Manta sempre privilegiou o coletivo sobre o individual, e nas suas obras também isso transparece. O conjunto habitacional da Avenida Infante Santo, concebido com Alberto Pessoa e Hernâni Gandra, é uma unidade riscada no tecido urbano de Lisboa segundo uma organização meticulosa de blocos, colocado no território com uma sucessão de peças perpendiculares à via principal, mas fixas por um elemento que as amarra não só à escala de rua como resolve o problema topográfico que a visão em modo de planta não deixa adivinhar. Está incrementada com as inúmeras peças de arte através dos painéis azulejos de Maria Keil, Carlos Botelho e Sá Nogueira. O edifício da Associação de Estudantes da universidade de Coimbra, o painel de azulejos da Av. Gulbenkian, ou o mural coletivo pintado em Lisboa a 10 de junho de 1974 são outros exemplos de como a arquitetura e a criatividade polvilharam o território com talento de Manta.

Todo o percurso do autor teve um ponto de partida sólido na arquitetura. Dizem alguns, ou até assume o próprio, que se foi afastando da atividade de arquiteto e aproximando de outras áreas. Não temos a certeza de que essa distância realmente tenha acontecido, pois há muitas formas de materializar a arquitetura e João Abel Manta possui uma multiplicidade de modos e ferramentas segundo as quais o expressou. A profissão de arquiteto representa hoje uma dimensão culturalmente fractal e incorpora vários saberes. Só a compreensão destes nos permite a visão holística pois uma visão redutora provavelmente não traduziria a dimensão plena do quanto arquiteto é João Abel Manta. E do quanto nós somos dele.

Avelino Oliveira

Presidente do Conselho Diretivo Nacional

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