De cada vez que vem a público a questão de género questiono-me porque é que os ativistas e feministas ainda não se lembraram de abordar determinadas questões. Por preconceito, ou talvez não, suspeito que o natural frenesim destas almas provavelmente lhes tolhe o discernimento e impede a expansão da sua luz para outros domínios. Não necessariamente porque fujam da coerência a que o método obriga (credo), mas porque talvez sejam falhos de alguma imaginação e arrojo. Assim, e com espírito distendido e em jeito de contributo, permito-me também lançar alguma lenha para a fogueira, exercício para o qual reclamo a mesma liberdade e estroinice que estes engenheiros sociais nunca escusam para si.
Tomemos a segurança social. É um facto que a diferença da esperança de vida entre homens e mulheres quando confrontada com o valor acumulado da pensão que uns e outros recebem desde o início da sua reforma até à sua morte é de uma magnitude tal que merece ser debatida. De acordo com o INE, “A esperança de vida à nascença em Portugal, em 2019-2021, foi estimada em 80,72 anos, sendo de 77,67 anos para os homens e de 83,37 anos para as mulheres”. E de acordo com o Diário da República (Portaria n.º 307/2021) a idade da reforma é de 66 anos e 4 meses para 2023, mas para todos. Ou seja, em média, os homens podem esperar gozar 11,42 anos de reforma, e as mulheres 17,12 anos. Mais 50% do tempo. E também em valor se assumirmos um mesmo número de anos e valor de descontos. Uma barbaridade.
Em nome da igualdade de género isto deveria ser corrigido. Porque na impossibilidade de reportar ao Criador esta iniquidade tem o legislador a obrigação de providenciar mecanismos reparadores de tamanha injustiça. A mim, e assim de repente, ocorre-me, ou a diminuição da idade da reforma ou o aumento do valor da pensão para os homens, ou uma combinação de ambas. Não tenho dúvidas de que as réguas e esquadros ao serviço da engenharia social e movimento woke darão resposta justa a esta real distorção, e, em conjunto com a sensível ministra Ana Mendes Godinho, encontrarão soluções carregadas de transversalidade e demais vocabulário académico para, com a sua luz, derrubar este muro.
No domínio do acesso ao ensino superior identifico também uma reparação urgente a fazer. O Criador, mais uma vez, gerou outra situação iníqua pelo facto de a mulher amadurecer mais cedo que o homem. Explico. Sabemos que a média para entrada na universidade conta com as notas do 10º, 11º, e 12º ano. Noutros tempos, o ambiente cultural e os ditos bons costumes não iam permitindo que as mulheres disputassem com os homens o acesso à universidade num volume que os beliscasse. Assim, com a sua falta de comparência, a menor maturidade juvenil dos homens não tinha consequências de maior, um pouco como os mercados fechados onde os handicaps estão protegidos.
Mas desde que as mulheres se lembraram de entrar nas universidades em grande número isso tem-lhes permitido fazer uso da sua maior maturidade na idade juvenil em seu benefício. Ou conseguem desde cedo assumir certos sacrifícios impossíveis ainda de serem assumidos pelos homens, ou utilizam o tino a um nível ainda inacessível para eles, ou elaboram respostas mais estruturadas nas avaliações. Tudo isto configura óbvia vantagem competitiva se pensarmos que os homens só começam a experimentar alguma maturidade lá para o 12º ano. Nessa altura já é tarde. No fundo, é como se uma equipa candidata ao título só acordasse no último terço do campeonato; por melhor que passem a jogar já lá não chegam. Em suma, existe evidente concorrência desleal.
O exposto parece-me indiscutível, pelo que um sistema de quotas a ser aplicado de imediato a cada curso parece-me ser o melhor instrumento para se operar sobre a injustiça deste mercado que agora se tornou aberto. Porque em rigor não vejo, ainda, as ciências sociais com o necessário conhecimento acumulado para operar nas cabecinhas dos jovens o momento em que a maturidade deve irromper (sem stress Boaventura, lá chegaremos).
Por fim só mais uma sugestão. Como sabemos a novilíngua é uma ferramenta fundamental para derrubar muros e alargar fronteiras. Como contributo sugiro que o grito «mulheres e crianças primeiro» evolua para «crianças e todes primeiro». Que tal, não é muito mais inclusivo e igualitário? Imagino o desespero das vozes mais conservadoras invocando, entre outras coisas, perturbações logísticas na evacuação de barcos a afundar, uma minudência de fácil solução. Com pedagogia específica a administrar na disciplina de Educação para a Cidadania (e há tanta em fila de espera) ficaria garantido o sangue-frio necessário na hora das evacuações.
Espero que o acima exposto sirva para animar todos os progressistas e motivá-los para a miríade de possíveis aplicações dos seus sãos princípios. E mesmo desconfiando que estas ideias podem parecer um pouco insólitas, lembrem-se que abraçar o inverosímil é o derradeiro desafio do revolucionário. Por isso lanço o repto a todos os vanguardistas tolhidos da nossa terra para pensarem fora da caixa e adotarem estas ideias. Vá lá, derrubem os vossos muros, surpreendam-nos e arrojem-se à séria.