A atual Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro), dedica a sua Base 3 aos Cuidadores Informais, e diz-nos que “a lei deve promover o reconhecimento do importante papel do cuidador informal, a sua responsabilização e capacitação para a prestação, com qualidade e segurança, dos cuidados básicos regulares e não especializados que realizam”.
O projeto Saúde que Conta, criado em 2011, é uma iniciativa de investigação nacional da responsabilidade científica da Escola Nacional de Saúde Pública, da Universidade NOVA de Lisboa, que conta com o apoio da Lilly Portugal. Tem como intuito contribuir para o debate público sobre a capacitação do cidadão, através da análise do papel deste na gestão da sua própria saúde e bem-estar, assim como sensibilizar a comunidade para a importância da literacia em saúde. A sua principal missão centra-se na produção de evidência, na promoção do debate e na consciencialização para a importância da literacia em saúde, e na implementação de estratégias que possam contribuir para uma efetiva capacitação do cidadão. Para além da equipa de investigação, o projeto reúne um conjunto de especialistas de diversas áreas como a medicina, educação, jornalismo, sociologia, psicologia, instituições governamentais e sociedade civil e, conta com a coordenação científica das professoras Ana Escoval e Ana Rita Pedro. Para saber mais: www.saudequeconta.org.
Na sua 8.ª edição o Saúde que Conta quis perceber qual o nível de “Literacia em Saúde e Qualidade de Vida dos Cuidadores Informais – a realidade portuguesa” e conclui que 58,6% tem um nível de literacia em saúde “inadequado ou problemático” e 48,1% classifica o seu acesso à informação sobre ser cuidador informal no nível “muito mau ou mau”.
Dos cuidadores informais inquiridos pelo Saúde que Conta (n=790), 85,7% não usufrui do estatuto de cuidador informal, apesar de 78,9% cuidar de pelo menos uma pessoa, 47% ter essa responsabilidade há mais de um ano e 37,6% reportar que presta cuidados até seis horas por dia. Mesmo com este cenário, 51,1% respondeu que não tem qualquer tipo de apoio enquanto cuidador informal e, mesmo sendo um trabalho a tempo inteiro, 93,5% nunca usufruiu do serviço de descanso do cuidador, contemplado na legislação.
Além de procurar conhecer melhor a realidade portuguesa, nesta edição, o Saúde que Conta avaliou ainda a qualidade de vida dos cuidadores informais. Para tal, começou por solicitar que indicassem o seu grau de concordância com a frase “Deixo de cuidar de mim e/ou da minha saúde para cuidar da pessoa cuidada” e 79,6% concordou ou concordou totalmente com a afirmação (37,4% concordou e 42,2% concordou totalmente). Quis ainda saber qual a perceção que os cuidadores informais tinham sobre a sua saúde: 56,9% indicaram que está no nível razoável e 51,3% assumiam o mesmo nível (razoável) para classificar o seu estado de saúde mental. Apenas 2,7% no caso da perceção de saúde geral e 4,7% na de saúde mental reportou um nível muito bom.
A segunda parte do estudo analisou a associação entre o nível de literacia em saúde dos cuidadores informais portugueses e a sobrecarga dos cuidados, bem como a sua qualidade de vida. Percebeu-se que a literacia em saúde desta população está diretamente relacionada com a sua qualidade vida, sendo esta correlação estatisticamente significativa, ou seja, quanto maior o nível de literacia em saúde, melhor a qualidade de vida. Conclui ainda que a literacia em saúde está inversamente relacionada com a sobrecarga do cuidador informal: quanto maior o nível de literacia em saúde, menor a sobrecarga do cuidador.
Outra conclusão a destacar, e que foi também uma tendência em edições anteriores do Saúde que Conta, tem a ver com as vulnerabilidades sociais e com o facto da literacia em saúde dos cuidadores informais ser menor nos indivíduos com níveis mais baixos de escolaridade e de rendimento.
Os cuidadores que têm níveis mais elevados de literacia em saúde são também os que assumem ter um melhor estado de saúde, incluindo saúde mental. Paralelamente, e tendo em conta o grau de apoio que recebem para as funções que desempenham como cuidadores informais, os indivíduos que indicam ter menos apoio, são também os que apresentam um menor nível de literacia em saúde.
Em relação ao acesso a cuidados de saúde e a informação sobre a função de cuidador informal, os dados apurados mostram que quem afirma ter acesso aos cuidados de saúde e à informação ao nível de “Bom/Excelente” e “Intermédio” são os detentores de uma maior qualidade de vida quando comparados aos que classificam o mesmo como “Muito mau/Mau”. Por outro lado, a sobrecarga dos cuidadores informais que declaram ter um acesso à informação de “Bom/Excelente” e “Intermédio” é menor, quando comparada com quem classifica este acesso como “Intermédio” e Muito mau/ Mau.
No estudo são ainda evidenciadas recomendações de estratégias de atuação para melhorar a literacia em saúde dos cuidadores informais, com vista à melhoria da sua qualidade de vida e diminuição da sobrecarga, bem como promover um melhor acesso à informação.
Refletimos estes resultados à luz da lei e regulamentação existentes e, sabendo que existe um Estatuto do Cuidador Informal (Lei n.º 100/2019, de 06 de setembro) que regula os direitos e os deveres do cuidador e da pessoa cuidada, perguntamo-nos porque há aspetos deste estatuto que ainda precisam de regulamentação, bem como algumas medidas de apoio ao cuidador informal ou os direitos laborais dos cuidadores informais não principais, que não estão considerados?
Sabemos que a sua implementação começou por avançar em projetos-piloto experimentais em 30 municípios escolhidos pelo Governo, e que, em janeiro de 2022 (Decreto Regulamentar n.º 1/2022, de 10 de janeiro), foi alargado a todo o país, o que indicia que houve preocupação no sentido de garantir que a sua operacionalização poderia ter sucesso.
Sabemos também que esta matéria tem merecido a atenção dos nossos dirigentes, mas para os cuidadores e pessoa cuidada, importa ir para além da atenção…