Exteriorizar uma perspetiva crítica à União Europeia em Portugal é algo semelhante a remar contra a maré. De acordo com o Eurobarómetro de dezembro de 2023, Portugal é o país da União Europeia com a perspetiva mais positiva relativamente à instituição. O saudosismo relativamente àquilo que a UE/CEE nos deu no passado e a excessiva dependência dos fundos europeus que o país tem levaram a que este sentimento de satisfação se prolongue durante o tempo, mesmo quando os interesses de Portugal são prejudicados pela própria Europa.

É importante mencionar que a União Europeia existir é algo benéfico para Portugal. Contudo, a união política que a UE deseja ser nos dias de hoje é completamente o oposto da união económica em que Portugal entrou em 1986. A integração económica que visa a abolição de impostos aduaneiros entre os países membros na circulação de bens e serviços, nada tem a ver com a integração política que objetivamente tem o intuito de militarizar a Europa, obrigando países manifestamente diferentes do ponto de vista cultural e político, a falarem a uma só voz em matéria de defesa, segurança e política externa, ainda para mais quando essa obrigatoriedade é imposta por indivíduos que não foram eleitos por sufrágio universal. Há mais cidadãos europeus a votarem em concorrentes do Big Brother do que a votarem na presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen.

O projeto europeu até 1993, isto é, até à entrada em vigor do Tratado de Maastricht, era algo desejável e que garantia aos países europeus estarem integrados numa organização suis generis com condições particularmente apelativas. Ao mesmo tempo que a integração económica estava garantida, era também assegurada a soberania e a vontade nacional em matérias mais sensíveis como a política externa ou a defesa. Nestas matérias, se a Europa tivesse de falar só uma só voz, só o faria se todos os estados-membros estivessem de acordo com as ações a executar. Caso contrário, essas ações não seguiriam em frente, respeitando os interesses dispares que os países têm entre si, bem como a perspetiva intergovernamental e de cooperação que deve existir nestas áreas.

O problema do projeto europeu vem a seguir a isto. Com as assinaturas dos tratados de Amesterdão (1997), Nice (2001) e principalmente o de Lisboa (2007), a União Europeia começou a caminhar para um caminho de desrespeito à soberania das nações e acima de tudo começou a enredar por um caminho extremamente antidemocrático.

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No caso de Amesterdão e Nice, houve um reforço inequívoco da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) da UE, introduzindo pontos que permitissem o início da exploração de terreno para a Europa falar a uma só voz nestas matérias. A criação do cargo de Alto Representante para a PESC com o argumento de construir uma voz mais coesa da União Europeia no cenário internacional foi exemplo disso. Esqueceram-se os estados-membros que duas coisas estavam a acontecer. A primeira, a sua perda de soberania em áreas sensíveis, oferecendo-a a instituições europeias supranacionais. A segunda, o início do défice democrático da UE através do excesso de centralização dos poderes que a própria UE adquiriu ao longo dos anos sem a devida separação desses mesmos poderes que uma democracia exige.

Porém, é o tratado de Lisboa que leva o défice democrático da UE para níveis estratosféricos e que assalta por completo a identidade que cada país deve ter na sua própria visão de política externa. A União Europeia ganha personalidade jurídica, o que significa que no cenário internacional a UE pode representar-se a ela própria sobrepondo a sua visão de política externa à dos países membros mesmo que estes discordem da abordam que a UE está a tomar. Para isto acontecer, introduziu-se a figura do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, combinando as funções do Alto Representante para a PESC e do Comissário para as Relações Exteriores, estabeleceu-se o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), uma espécie de “ministério dos negócios estrangeiros” da UE para apoiar o Alto Representante e permitiu-se a criação de missões civis e militares para a gestão de crises fora da União, moldando o inicio do projeto de militarização da Europa que culmina com o debate da criação de um exército europeu nos dias hoje.

A Europa nasceu como um projeto de paz baseado na prosperidade e interdependência económica para alcançar essa mesma paz, mas está a transformar-se num projeto antidemocrático baseado na sua militarização para se credibilizar como futura união política. Ou seja, a UE nos dias de hoje está a tornar-se em tudo aquilo que jurou combater aquando da sua criação.

Robert Kagan fazia uma comparação interessente entre a atuação dos Estados Unidos e da União Europeia em matéria de política externa. Enquanto os EUA eram uma espécie de Marte (Deus da Guerra) pela utilização de hard power e intervenção militar pesada em países estrangeiros, a UE funcionava como Vénus (Deusa do Amor) pela utilização de soft power e diplomacia na resolução dos conflitos estrangeiros, evitando confrontos armados. A União Europeia ambiciona o federalismo, deseja ser os Estados Unidos da Europa, e o mais preocupante é que para o alcançar está a adotar a postura de “Marte”, abandonando a abordagem de “Vénus”.

Por estas razões, mais do que nunca é medular que os estados-membros voltem a ter mais voz, soberania e visão própria nos assuntos da sua política externa. É preciso um novo tratado europeu ao qual eu gostaria de o nomenclar como “Tratado Contracionista Europeu”. Seria o primeiro tratado em que os poderes da UE seriam diminuídos e descentralizados, principalmente nas matérias de segurança, defesa e política externa, mas mantendo a integração económica que tanta prosperidade deu ao velho continente.

Está na altura de retirar a União Europeia de Portugal e começar a colocar Portugal dentro da União Europeia.